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Especialistas apontam causas para temporada recorde de furacões no Atlântico

 

 

Especialistas apontam causas para temporada recorde de furacões no Atlântico

Mudanças climáticas e diminuição da poluição do ar desde 1980 podem ter contribuído para elevação da temperatura dos oceanos

Mudanças climáticas e diminuição da poluição do ar desde 1980 podem ter contribuído para elevação da temperatura dos oceanos

Imagem: Cheng et al (2020).

Por Cinthia Leone, ClimaInfo

O furacão Iota é a 30ª tempestade nomeada a se formar no Atlântico em 2020, consolidando este como um ano sem precedentes para a frequência desses fenômenos. O recorde do maior número de tempestades nomeadas em um único ano já havia sido quebrado em 10/11 pela tempestade Theta, a 29ª da atual temporada, superando o recorde anterior estabelecido em 2005.

Tempestades no Atlântico são denominadas quando a velocidade do vento excede 34 nós (62 km/h) – momento em que passam a ser chamadas de tempestades tropicais; se a velocidade do vento excede 64 nós (119 km/h), são classificadas como furacões, embora “ciclones” também seja uma denominação genérica para esses eventos, chamados de “tufões” quando ocorrem em outros oceanos.

Apesar do número dessas poderosas tempestades ter permanecido em grande parte constante globalmente, no Atlântico houve um aumento sustentado de eventos nomeadas desde 1980. O número inédito de 2020 está associado à elevação da temperatura do oceano (ver gráfico abaixo), que está em maior ou menor medida ligado à mudança climática causada pelo homem.

Os cientistas também apontam outros fatores que podem estar aumentando o número de ciclones tropicais na região, particularmente uma redução regional na poluição do ar desde os anos 80, que permitiu mais aquecimento oceânico, e o fenômeno La Niña, que está em atividade este ano. Os estudiosos também não descartam que a melhoria da tecnologia de satélite ao longo do século XX permite aos cientistas hoje identificar tempestades de curta duração que poderiam ter sido ignoradas anteriormente.

“Nossa previsão estatística de pré-temporada previa até 24 tempestades nomeadas, a mais alta de todas as previsões de pré-temporada, mas não suficientemente alta. O total real já ultrapassou esse número”, explica Michael Mann, diretor do Centro de Ciências do Sistema Terra dos EUA e professor da Universidade Estadual da Pensilvânia. “À medida que continuamos a aquecer o planeta e o Atlântico tropical, há mais energia para alimentar uma quantidade maior de fortes tempestades e furacões tropicais. Quando acontece de termos um evento La Nina, como neste ano, isso reforça o impacto que a mudança climática está tendo e temos os tipos de tempestades devastadoras que estamos testemunhando”.

Em seu trajeto, Iota devastou a Ilha de Providencia (Colômbia), onde o hospital central perdeu parte do teto, e o arquipélago (que reúne as ilhas de San Andrés, Santa Catalina e Providencia) se encontra sem luz. Nesta terça-feira (17/11) o furacão se desloca para Honduras e Nicarágua, onde deve se enfraquecer. Os dois países ainda se recuperam dos estragos causados pelo furacão Eta há apenas duas semanas.

Combinação de fatores

Segundo Kevin Trenberth, cientista sênior do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, com o aquecimento global causado pelas atividades humanas, há mais energia disponível, intensificando temporadas inteiras e também as tempestades individuais: maior número; maior intensidade; maior duração; e, em todos os casos, maior pluviosidade e potencial para enchentes.

“Em 2020 no Atlântico o número tem sido excepcional”, avalia Trenberth. “Todos os furacões tiram calor do oceano na forma de resfriamento evaporativo, que fornece o combustível para a tempestade via aquecimento latente, e tempestades muito grandes e intensas deixam um pronunciado rastro de frio atrás de si, em detrimento de tempestades subseqüentes. A capacidade das tempestades de encontrar o oceano virgem aumenta suas perspectivas de desenvolvimento”.

O professor Kerry Emanuel, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), afirma que o melhor candidato à causa é na verdade outro efeito antropogênico: aerossóis de sulfato, que resultam da combustão de combustíveis fósseis. Eles subiram muito rapidamente dos anos 50 até os anos 80, e depois desceram também aceleradamente como resultado de políticas para a melhoria do ar.

“Tem havido uma tendência inequívoca de aumento em todas as métricas da atividade ciclônica tropical atlântica desde o início dos anos 80. Mas está ficando cada vez mais claro que isto se deve principalmente a uma mudança climática regional e não global”, defende. “O efeito indireto da poluição no passado foi resfriar o Atlântico tropical e causar uma seca de furacões nos anos 70 e 80. O aumento desde então pensamos que é devido à redução da poluição do ar.”

Para Hiroyuki Murakami, cientista de projeto da Corporação Universitária de Pesquisa Atmosférica e do Laboratório de Dinâmica dos Fluidos Geofísicos da NOAA, há ao menos três hipóteses para explicar o maior número de ciclones. A primeira seria a diminuição da emissão de aerossóis antropogênicos durante o período 1980-2020, como apontado por Emanuel. “O declínio da poluição particulada devido às medidas de controle da poluição aumentou o aquecimento do oceano, permitindo que mais luz solar fosse absorvida pelo oceano. Este aquecimento local levou ao aumento da atividade dos ciclones tropicais nos últimos 40 anos no Atlântico Norte”, afirma Murakami.

A segunda causa estaria relacionada ao vulcanismo. Segundo o pesquisador, os furacões no Atlântico Norte ficaram relativamente inativos entre os anos 80 e 90 devido às grandes erupções vulcânicas em El Chichón no México em 1982 e Pinatubo nas Filipinas em 1991, que causaram o resfriamento da atmosfera do hemisfério norte. “O aquecimento oceânico recomeçou desde 2000, levando a uma recuperação da atividade dos furacões no Atlântico Norte.”

A terceira hipótese seria o fenômeno La Niña no Pacífico tropical, em atividade este ano. “O primeiro e segundo fatores estão relacionados à mudança climática a longo prazo, enquanto o terceiro fator está relacionado à variabilidade interna. Eu especulo que a temporada ativa de furacões de 2020 foi uma combinação da mudança climática a longo prazo e da variabilidade interna.”

Além da possível ligação entre o aquecimento do oceano a longo prazo e o número de tempestades no Atlântico este ano, há várias outras formas de aumentar a ameaça dos ciclones tropicais:

Tempestades mais fortes

As temperaturas dos oceanos têm aumentado nos últimos anos devido às emissões antropogênicas de gases de efeito estufa. Os cinco anos mais quentes no oceano desde 1955 foram os últimos cinco. Um estudo publicado em junho confirmou esta tendência, constatando que a proporção das tempestades mais fortes está aumentando cerca de 8% por década. O furacão Eta foi um dos mais intensos de 2020, tendo alcançado categoria 4 após rápida intensificação.

Intensificação rápida

Uma proporção crescente de ciclones tropicais está se desenvolvendo rapidamente, um fenômeno conhecido como intensificação rápida. Essa característica cada vez mais prevalente em ciclones tropicais é uma ameaça porque torna mais difícil prever como uma tempestade se comportará. Nove das tempestades tropicais da temporada do Atlântico 2020 (Hannah, Laura, Sally, Teddy, Gamma Delta, Epsilon, Zeta e Eta) sofreram uma rápida intensificação.

Chuva mais intensa

Uma atmosfera mais quente pode conter mais água, provocando chuvas extremas durante os ciclones, o que aumenta a ameaça de enchentes. Os cientistas relacionaram diretamente o aumento da umidade atmosférica com a mudança climática causada pelo homem, e o número de eventos pluviométricos que quebram recordes globalmente aumentou significativamente nas últimas décadas.

Mais tempestades

O aumento da onda de tempestades relacionada à mudança climática pode ser devido à elevação do nível do mar e ao aumento da velocidade dos ventos das tempestades. O nível global do mar já aumentou cerca de 23 cm como resultado das emissões de carbono de atividades humanas.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/11/2020

 

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