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Os biocombustíveis podem causar um ‘surto’ de destruição das florestas tropicais úmidas

Área florestal na Indonésia em processo de conversão para produção de dendê. Foto de arquivo
Área florestal na Indonésia em processo de conversão para produção de dendê. Foto de arquivo.

[Por Henrique Cortez, do EcoDebate] Os agricultores, em diversas áreas dos trópicos, estão substituindo áreas de florestas por áreas agrícolas para produção de agrocombustíveis, conforme estudo realizado por Holly Gibbs, do Woods Institute for the Environment, da Universidade de Stanford.

“Se nós abastecemos nossos carros com biocombustíveis produzidos nos trópicos, teremos boas chances de estarmos ‘queimando’ florestas”, adverte a pesquisadora.

Políticas de incentivo à produção de biocombustíveis podem estar, inadvertidamente, contribuindo para o processo de mudanças climáticas.

As avaliações de Gibbs, no seu novo estudo, baseiam-se na análise detalhada de imagens de satélite recolhidas entre 1980 e 2000. O estudo é o primeiro a fazer essa caracterização detalhada dos percursos de expansão agrícola, ao longo de toda a região tropical.

Segundo a pesquisadora, os novos conhecimentos e informações podem contribuir para que sejam mais prudentes as futuras decisões políticas de incentivo e subsídios aos biocombustíveis.

Gibbs apresentou sua pesquisa na sexta-feira, 14/2, na reunião anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (American Association for the Advancement of Science, instituição equivalente à nossa SBPC, durante o simpósio “Biofuels, Tropical Deforestation, and Climate Policy: Key Challenges and Opportunities.”

Com o clima ideal para o cultivo de biocombustíveis e uma abundância de terras aráveis, países tropicais como o Brasil, Indonésia e Malásia já respondem à crescente demanda por alimentos. A expansão também ocorre com os agrocombustíveis, a partir de culturas como cana de açúcar, soja e óleo de palma.

Por exemplo, a área de terras agrícolas dedicadas à produção de soja no Brasil cresce a uma taxa de quase 15% por ano desde 1990, o óleo de palma da Indonésia triplicou a produção durante a década de 1990 e, em seguida, duplicou novamente de 2000 a 2007. Estes dados foram coletados pela pesquisadora, a partir das imagens de satélites.

Estes aumentos são, em grande parte, devido à crescente demanda global por alimentos. No entanto, os cientistas têm motivos para suspeitar de que os biocombustíveis também têm um papel significativo na expansão recente das lavouras.

“Os biocombustíveis têm causado alarme por causa de quão rapidamente a produção tem sido crescente: A produção global de etanol aumentou quatro vezes e a produção de biodiesel aumentou 10 vezes entre 2000 e 2007”, disse Gibbs.

“Além disso, os subsídios agrícolas na Indonésia e nos Estados Unidos estão fornecendo incentivos adicionais para o aumento destas culturas.”

“As culturas que são mais valorizadas na atual geração de biocombustíveis, como o óleo de palma e cana de açúcar, também são as culturas mais adequadas a países tropicais”, acrescentou.

A conversão de florestas para a produção de agrocombustíveis é um tema polêmico, sobre o qual não há consenso entre os cientistas e pesquisadores.

Os estudos anteriores não tinham centrado suas avaliações na questão da origem das novas plantações, uma questão que tem sido uma fonte de intenso debate entre cientistas e decisores políticos tanto ao longo dos últimos anos.

Os produtores de biocombustíveis, em geral, indicam que a expansão das áreas de novas culturas, de soja ou óleo de palma, ocorre em terras degradadas ou que já haviam sido convertidas para produção agropecuária. Por outro lado, ambientalistas e alguns cientistas apontam a floresta amazônica ou as florestas tropicais do Sudeste Asiático como reais fontes de áreas para a expansão agrícola.

Segundo a pesquisadora, “Se os biocombustíveis são cultivados no local de florestas, nós estamos realmente emitindo uma enorme quantidade de carbono. Quando as árvores são cortadas para dar espaço para novas culturas, elas normalmente são queimadas, enviando seu carbono armazenado para a atmosfera como dióxido de carbono. Isso cria o que se chama uma dívida de carbono”. “Isso é porque o carbono emitido no desmatamento é muito maior do que o ‘sequestrado’, usando a atual geração de biocombustíveis.”

Na verdade, as florestas tropicais do mundo, são mais os eficientes armazéns de carbono, abrigando mais de 340 bilhões de toneladas, de acordo com a pesquisadora. Isto é equivalente a mais de 40 anos no valor global de emissões de dióxido de carbono da queima de combustíveis fósseis.

Pesquisas mais recentes, tal como a de Gibbs, demonstram que a dívida de carbono, a partir da redução das florestas tropicais, poderia levar vários séculos ou mesmo milênios de reembolso através de carbono produzida a partir da poupança resultante dos biocombustíveis.

Por outro lado, a plantação de biocombustíveis em terras agrícolas degradadas poderia ter um impacto ambiental global positivo.

Tanto o Brasil e a Indonésia possuem áreas significativas de terras degradadas. No Brasil, a área total pode ser tão grande como a Califórnia, que poderiam ser replantadas com culturas, diminuindo assim os encargos que recaem sobre as florestas.

Mas, de acordo com a pesquisadora, este é um desafio que não será atingido, sem novas políticas ou incentivos econômicos que viabilizem a recuperação destas áreas degradadas.

Isto acontece porque os agricultores que tentam converter terras degradadas em áreas de cultivo devem assumir os custos dos fertilizantes, desenvolver novas e melhores práticas de manejo do solo, para tornar estas áreas novamente produtivas, enquanto que os agricultores que produzem em áreas de floresta, freqüentemente, evitam esses encargos.

No entanto, em alguns casos, permitindo que as áreas degradadas sejam reconvertidas para áreas florestais, pode ser mais eficaz porque absorve mais carbono e presta mais serviços.

Segundo a pesquisadora as situações precisam ser avaliadas caso-a-caso. “Precisamos ter em mente que mais terras agrícolas serão necessárias para satisfazer as demandas globais de alimentos e agrocombustíveis, por isso, provavelmente, as melhores opções variam de acordo com a circunstância.”

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) mantém uma base de dados de imagens detalhadas de satélite, tomadas nos últimos 20 anos, através da Global Forest Resources Assessment, uma iniciativa que remonta a 1946. A FAO libera uma nova avaliação global a cada 10 anos.

Trabalhando em estreita colaboração com a FAO, Gibbs analisou os dados de satélite para mais de 100 áreas selecionadas aleatoriamente entre os trópicos. Comparando as imagens captadas por satélite de cada área específica, em 1980, 1990 e 2000, Gibbs foi capaz de ver claramente se foram áreas de expansão de culturas e, em caso afirmativo, o que elas estavam substituindo.

Ela analisou mais de 600 imagens por satélite da FAO e outras organizações, e observou uma tendência clara: “O que descobrimos foi que efetivamente as florestas foram a principal fonte para novas plantações, que se expandiram através dos trópicos durante a década de 1980 e 1990. Então a expansão das áreas agrícolas, para o biocombustíveis, pastos ou culturas alimentares, sem dúvida foi, essencialmente, através de desmatamento de áreas florestais e, tudo indica, que esta tendência irá continuar.”

Por exemplo, os dados revelam que entre 1980 e 2000, mais da metade das novas lavouras vieram de florestas intactas e outro de 30% das florestas parcialmente desmatadas, “Isto é contrário ao que alguns defensores dos biocombustíveis têm sugerido que está ocorrendo hoje”, disse ela.

“Esta é uma preocupação importante para o ambiente global”, disse Gibbs. “Ao olharmos para os biocombustíveis, visando ajudar a reduzir as mudanças climáticas, temos de considerar as florestas tropicais e savanas que podem estar no ‘caminho’ da expansão dos biocombustíveis agrícolas”.

A FAO está em processo de coleta e interpretação dos dados para a década atual e isso será importante para fornecer informações mais recentes sobre a expansão das plantações, que ocorrem em meio à ‘explosão’ dos agrocombustíveis

Embora Gibbs reconheça que os biocombustíveis têm certos inconvenientes, incluindo aqueles documentados no seu estudo, ela não se opõe ao seu uso regulamentado. “Penso que os biocombustíveis podem ter um lugar crucial no nosso futuro plano energético”. “Mas do jeito que estamos indo atualmente isto pode ter um monte de consequências imprevistas”.

Segundo a pesquisadora, as políticas públicas devem considerar cuidadosamente as consequências de qualquer plano energético, para ter certeza de proteger o carbono armazenado nas florestas tropicais, enquanto reduzimos as nossas emissões a partir de combustíveis fósseis

[EcoDebate, 16/02/2009, com informações de Louis Bergeron, da Stanford University]

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