As Pessoas com Deficiência, a Politica e as Eleições Municipais
As Pessoas com Deficiência, a Política e as Eleições Municipais
Artigo de Juacy da Silva
[EcoDebate] Uma coisa é quando alguém que não é uma pessoa portadora de alguma deficiência e que pretende ou se empenha em defender os direitos das pessoas deficientes; outra coisa, completamente diferente, é quando uma pessoa deficiente, que experimenta na pele o que é ser excluída, discriminada, violentada, ignorada, não ter liberdade de ir e vir, não ter acessibilidade em locais públicos ou destinados ao grande público, enquanto pessoa humana, assume o protagonismo da representação de milhões de outras pessoas deficientes que, vergonhosamente, continuam sendo excluídas em nosso país, que tanto se ufana de ser um “estado democrático de direito”, uma República.
Este é o sentido que se deve dar quando debatemos, refletimos ou analisamos como as pessoas com deficiência estão sendo tratadas e incluídas no processo politico, social, cultural e econômico do país, quando essas pessoas até hoje desfrutando de posição como cidadãos e cidadãs de segunda classe, buscam assumir seu protagonismo politico, não apenas como eleitores e eleitoras, mas também, como candidatos e candidatas a vereadores, vereadoras, prefeitos e prefeitas.
Estamos em plena campanha eleitoral para a escolha de prefeitos e vereadores em todos os municípios brasileiros, quando mais de 147,9 milhões de eleitores no Brasil, mais de 3,32 milhões em Mato Grosso, 378 mil em Cuiabá, mais de 160,4 mil em Várzea Grande, estão aptos a exercerem este direito e definirem quem serão os gestores de nossas cidades e municípios pelos próximos 4 anos.
Todavia, o número e percentual dos eleitores e eleitoras com deficiência, nem de longe guardam a mesma representatividade que as pessoas com deficiência representam na população do total do Brasil, de cada Estado e cada município.
Durante várias décadas o IBGE simplesmente não incluiu a questão da deficiência quando da realização dos censos decenais e os números a partir do censo de 1991 também são extremamente conflitantes e controvertidos.
Em 1991 o número de pessoas com deficiência divulgado pelo IBGE foi de 1,7 milhão de pessoas ou 1,14% do total da população brasileira. No ano de 2.000 o número de deficientes no censo atingiu 24,5 milhões de pessoas ou 14,5%. Em 2010 foi divulgado que as pessoas com deficiência chegava a 45,6 milhões de pessoas ou 23,9% da população brasileira.
Se considerarmos este mesmo percentual em 2020, quando a população brasileira foi estimada em julho último em 212,6 milhões de pessoas, chegamos `a conclusão que atualmente existem no Brasil nada menos do que 50,8 milhões de pessoas com deficiência.
Em 2018, nas eleições gerais, o número total de eleitores no país foi de 147,3 milhões de pessoas e o de deficientes aptos a votarem foi de apenas 1,02 milhão de eleitores ou 0,7% do total de eleitores registrados no país. Já em 2020, segundo informações do TSE existem no Brasil 147,9 milhões de eleitores, dos quais apenas 1,3 milhão ou 0,9% são de pessoas com deficiência.
Ou seja, neste ritmo para que os eleitores com deficiência correspondam `a representação populacional dos mesmos no conjunto da população brasileira, que é de 23,9%, serão necessárias, 115 anos para que as pessoas com deficiência estejam proporcionalmente representadas no conjunto do eleitorado brasileiro, ou seja, apenas nas eleições de 2.135, quando mais de 3 ou 4 gerações já tenham desaparecidas.
O Brasil, todos os estados e todos os municípios enfrentam inúmeros e complexos desafios, que representam problemas, `as vezes que se arrastam por décadas e que se não forem encarados de frente e resolvidos contribuirão para aumentar a miséria, a fome, as desigualdades sociais, a violência e, principalmente, a exclusão de inúmeras parcelas da população, que mesmo sendo consideradas minorias, em seu conjunto representam a maioria esmagadora da população do país e de todos os municípios.
Um desses grandes desafios que precisamos enfrentar nessas eleições e pressionar os candidatos e no futuro os prefeitos e vereadores eleitos, para que incluam em suas agendas, planos de governo, politicas públicas e as ações municipais, temas como a INCLUSÃO SOCIAL, tanto de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência, como deficiência física, de locomoção, visual, auditiva, mental ou cognitiva, social, cultural e econômica, ou enfim, todas as deficiências, facilitando a vida e garantindo os direitos de 23,9% da população brasileira ou 50,8 milhões de pessoas que, conforme dados do IBGE, existem no Brasil, espalhadas por todos os municípios, tanto na área urbana quanto rural.
No caso das pessoas com deficiência, para que isto aconteça e possa mudar radicalmente a atual situação, é fundamental que esta parcela da população esteja representada não apenas no contingente eleitoral, ou seja, no conjunto do eleitorado, mas também estejam representadas tanto no poder executivo/prefeitos quanto nas Câmaras Municipais.
Em 2016, o então Senador Romário e outros signatários apresentaram no Senado da República a PEC (projeto de emenda constitucional) 34/2016, para garantir uma pequena cota, progressiva, para candidatos a cargos legislativos federal, estaduais e municipais. Todavia, esta PEC continua parada naquela Casa de Leis.
A falta de representatividade das pessoas com deficiência é uma situação que pode ser observada nos demais níveis de cargos eletivos como deputados federais, estaduais, governadores, senadores, presidência da República, e também no Poder Judiciário, no Ministério Público, nas defensorias públicas, onde a presença de pessoas com deficiência é algo extremamente raro, para não dizer completamente ausente. O mesmo ainda acontece com o mercado de trabalho, onde as pessoas com deficiência continuam sendo excluídas, principalmente, nas ocupações com melhor remuneração.
Outros grupos demográficos como mulheres, negros (população afrodescendente), LGBT, indígenas também sofrem o mesmo processo de exclusão, discriminação, constituindo verdadeiros “apartheids” em um país que tanto se orgulho de sua democracia racial e outras qualidades, que parece só existirem no papel, porquanto a realidade está muito distante do que determina as convenções internacionais, das quais o Brasil e signatário e que deveria observar e o ordenamento jurídico brasileiro.
Por isso é que em cada eleição, de dois em dois anos, a luta desses grupos populacionais que estão excluídos na sociedade, principalmente, na esfera politica/pública, empunhem esta bandeira, afinal, a conquista e garantia de direitos não são uma dádiva oferecida de forma benevolente pelos atuais donos do poder ou pelas camadas privilegiadas, mas sim, fruto de muita luta, as vezes com o sacrifício da própria vida de quem defende essas bandeiras.
No caso das pessoas com deficiência, só quem é deficiente e seus familiares conhecem a realidade do dia a dia em que vivem e sofrem milhões de brasileiros e brasileiras sendo discriminados, sofrendo violência de toda ordem e os diversos tipos de preconceitos.
Só um deficiente visual, ou auditivo ou cadeirante ou alguém que tenham algum parente que sofre com outras deficiências, sabe o que é tentar se locomover por cidades que não tem calçadas, ou onde as calçadas estejam cheias de lixo, de buraco, matagal, degraus ou, até mesmo, carros estacionados, nos espaços que deveriam ser destinados para pedestres e pessoas com deficiência ou idosos. Ou a peregrinação dessas pessoas, seus parentes e cuidadores quando os mesmos necessitam de atendimento médico, hospitalar, quando são defrontados com a negligência, a prepotência e omissão de sistemas de saúde pública sucateado ou mesmo em sistemas privados que neste particular não se diferencia muito dos sistemas públicos.
Só quem é deficiente tem plena condição e representatividade suficiente para dialogar com integrantes dos poderes constituídos, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, para denunciarem e exigirem que a Constituição Federal, o Estatuto da pessoa com deficiência (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência , Lei Federal Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015.) sancionada pela então Presidente Dilma Roussef; as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas dos Municípios , enfim, que todo o ordenamento jurídico que garante os direitos das pessoas com deficiência seja cumprido.
Vale a pena transcrever alguns artigos do Estatuto da Pessoa com deficiência para que passamos refletir sobre o significado e o espírito da LEI e como a realidade brasileira, ainda está tão longe deste ideal de inclusão.
“Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.”
“Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
No contexto da gestão municipal, cabe, por exemplo, aos vereadores fiscalizarem as ações dos prefeitos e nada melhor do que um vereador ou vereadora que seja deficiente, que sente na pele o quanto é duro, quanto pesa a exclusão e o desrespeito aos direitos das pessoas com deficiência, seja o portador das reivindicações que atendam este contingente significativo de pessoas alijadas de direitos fundamentais, como o direito de ir e vir, direito `a educação pública de qualidade e inclusiva, direito ao meio ambiente saudável, direito `a saúde, ao bem-estar e lazer e outros tantos que nossas leis mencionam.
Em Várzea Grande, Estado de Mato Grosso, existe o exemplo de uma mulher lutadora, entusiasta pela causa das pessoas com deficiência, que, por também ser deficiente, sabe, como se diz, onde “o sapato aperta”, e resolveu ir para a luta e aceitar o desafio de ser candidata a vereadora, para melhor representar as pessoas portadoras de deficiência e outros grupos excluídos, na Câmara Municipal daquela cidade.
Trata-se de Ana de Paula, uma ex agente penitenciária, aposentado por deficiência motora, que é cadeirante, mas nem por isso tem se furtado a ir `a luta, apresentar suas propostas, que além da inclusão das pessoas com deficiência também inclui propostas para outras áreas como a reinserção de presos em regime de liberdade condicional ou ex-detentos que já cumpriram suas penas e precisam de apoio para se reintegrarem `a sociedade, terem uma ocupação digna e poderem contribuir para o progresso e bem-estar, não apenas de suas famílias, como também de suas comunidades.
Com certeza, em alguns outros municípios também deve haver candidatos e candidatas `a cargos executivo ou legislativo municipal, que estão imbuídos deste mesmo propósito que é de quebrar paradigmas, romper barreiras pela construção de cidades que respeitem os direitos de quem, historicamente, tem sido excluído ou excluída.
A luta pela inclusão é um dos maiores desafios que existem hoje no Brasil, pois para que nosso país possa cumprir seus compromissos internacionais, como por exemplo, em relação `a Agenda 2030, que é corporificada nos 17 Objetivos do Desenvolvimento sustentável DA ONU, praticamente, para atingi-los, é fundamental que haja INCLUSÃO social, econômica, cultural e politica de todos os grupos e segmentos representativos da população brasileira; ninguém deve ser deixado para trás, pois onde existe exclusão não existe democracia de verdade, apenas um arremedo, um simulacro.
É neste contexto que se insere a luta em defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, mas que, lamentavelmente, poucos avanços têm sido alcançados em nosso Brasil, a começar pelas gestões municipais.
O Exemplo de Ana De Paula em Várzea Grande é a demonstração de coragem, confiança e cidadania, que deveria ser seguida por todos que se dispõem a lutarem por cidades acolhedoras, cidades mais verdes, mais sustentáveis, mais humanizadas, enfim, cidades plenamente INCLUSIVAS.
A INCLUSÃO das pessoas com deficiência e de outros segmentos sempre excluídos, no caso das cidades, exige não apenas planejamento de curto, médio e longo prazos, mas também a continuidade e expansão de obras e serviços públicos voltados a esses segmentos.
Isto já acontece de forma efetiva em diversos países e não podemos deixar ao sabor da vontade dos atuais governantes que continuam negligenciando esses direitos fundamentais de tão ampla camada populacional, que não custa relembrar, direitos de mais de 50,8 milhões de pessoas `a margem da sociedade.
Ruas, avenidas, parques arborizados, florestas urbanas, calçadas limpas, livres de obstáculos, sinais sonoros em cruzamentos viários, pisos táteis, rampas em edifícios, públicos e privados, principalmente em estabelecimentos voltados ao atendimento de pessoas com qualquer tipo de deficiência, inclusive igrejas, difusão da linguagem de sinais (libras), livros didáticos e outros documentos públicos em braile, tudo isto e muito mais já consta no ordenamento jurídico brasileiro voltando `a defesa das pessoas com deficiência, mas que nem sempre tem sido cumprido.
A falta de cumprimento dessas normas e princípios legais é uma violência, um desrespeito aos direitos humanos fundamentais em geral e das pessoas com deficiência em particular e não podemos mais tolerar. Nossos governantes não podem continuar omissos e coniventes com esta situação, sob pena de não terem a legitimidade suficiente para continuarem governando, já que excluem parcelas consideráveis da população, empurrando milhões de pessoas de todas as idades para um abandono social e econômico criminoso.
Neste caso, é importante que também os órgãos de fiscalização e controle, como as defensorias públicas e os ministérios públicos da União e dos Estados sejam mais atuantes, mais presentes na fiscalização desses preceitos legais, afinal, no caso do Ministério Público (Federal e estadual) o mesmo é alcunhado de “fiscal da Lei”, só que muitas vezes isto não acontece e milhões de brasileiros e brasileiras continuam sendo desrespeitados, excluídos quando se trata, por exemplo, das administrações municipais.
Se você é eleitor e também contribuinte, procure observar quantos candidatos deficientes para prefeitos e vereadores existem em sua cidade/município, procure verificar se das propostas ou agenda dos candidatos (para prefeitos e vereadores) consta alguma coisa em relação ao atendimento `as pessoas com deficiência em seu município.
Ainda é tempo para você, eleitor ou eleitora, além de analisar a vida e as propostas dos candidatos, também cobrar dos mesmos e, depois dos eleitos, que das politicas públicas municipais as pessoas com deficiência não continuem excluídos como tem acontecido até agora.
Este é o nosso maior desafio. Uma democracia só existe quando as pessoas não apenas exercem o seu direito de votar, mas também, como munícipes, cidadãos, cidadãs e contribuintes sejam contemplados nas diversas obras e serviços públicos, que, volto a repetir, não é favor prestado de forma magnânima pelos governantes de plantão, mas um direito concreto por parte da população.
O orçamento público, desde o âmbito municipal, estadual até o federal, não é constituído de dádivas dos poderosos, mas sim, fruto de uma imensa e injusta carga tributária que recai sobre o lombo e os ombros da população e, de forma regressiva, como é o Sistema tributário brasileiro, que pesa muito mais sobre as camadas mais baixas da sociedade e de imensa parcela brasileira excluída totalmente dos “frutos” do desenvolvimento nacional, do que das elites dominantes e grupos econômicos poderosos que continuam mamando nas tetas do governo!
Por tudo isso é que a INCLUSÃO SOCIAL, econômica, politica e cultural em geral e das pessoas com deficiência é fundamental, é um passo decisivo para continuarmos sonhando com um mundo melhor e construirmos um município, um Estado e um Brasil mais igualitário, mais justo, mais humano e mais desenvolvido.
JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, socólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email profjuacy@yahoo.com.br Twitter@profjuacy
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/10/2020
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