O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa
O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa
“A crise climática é a ameaça mais urgente do nosso tempo”
Greta Thunberg
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A ECOnomia sempre busca tirar vantagem da ECOlogia. Mas isto tem o seu preço e a poluição deixa as suas marcas. A emissão de CO2 aumenta o efeito estufa e acelera o aquecimento global. O mês de setembro de 2020 foi o mais quente da série histórica segundo o Copernicus Climate Change Service (C3S), fato que aumenta a perda de gelo nos polos.
O rápido degelo do Ártico é considerado um desastre pela ciência climática e pelos ambientalistas. Mas o comércio internacional vê nesse processo uma oportunidade e busca tirar vantagens da nova configuração das camadas de gelo do polo Norte.
O mapa abaixo mostra que a rota do Ártico entre Xangai e Hamburgo é de 14 mil km, enquanto a rota tradicional (via Canal de Suez) é de 20 mil km. Portanto, uma redução de 30% ou 6 mil km a menos na viagem. Entre Tóquio e Hamburgo a distância da rota do Norte é ainda menor e as vantagens econômicas são maiores para o transporte marítimo.
O aquecimento global é a maior ameaça existencial à humanidade e à civilização. Os últimos 7 anos (2014-20) foram os mais quentes já registrados e a década 2011-20 é a mais quente da série histórica. A atmosfera do Planeta está ficando mais quente e isto tem um impacto devastador em diversos aspectos, pois, além do degelo, amplas áreas da Terra podem ficar inóspitas ou inabitáveis.
O polo Norte tem sido uma das áreas mais afetadas. A figura abaixo (NSIDC da Nasa) mostra a extensão do gelo do Ártico nos meses de setembro de 1996 e 2020. Nota-se que, a extensão de gelo em 1996 era de 7,6 km2 e caiu para 3,9 km2 em 2020, uma redução de 3,7 milhões de km2. Como se vê na figura, o polo Norte ficou mais navegável devido ao degelo.
Reportagem do site Bloomberg (29/12/2017) mostra que à medida que o gelo do Ártico derrete, os dirigentes dos países do Norte sentem que a economia do topo do mundo se aquece. Minas de ouro, estradas e um espectro completo de projetos de energia pontilham o horizonte – com a Rússia liderando o caminho e outros países do Ártico lutando para recuperar o atraso. Investir no topo do mundo não é fácil. Mas os gerentes do Guggenheim Partners passaram os últimos sete anos estudando a região e os últimos três acumulando um banco de dados de 900 projetos planejados, em processo, finalizados, cancelados e desejados da infraestrutura do Ártico.
Alguns dos projetos refletem grandes ambições para atualizar sistemas nacionais, industriais e sociais. Outros são de menor escala e destinam-se a conectar lugares remotos a padrões maiores de comércio. Em conjunto, eles exigiriam algo quanto US$ 1 trilhão em investimentos. Até agora, o dinheiro do petróleo e do gás da Rússia deu ao presidente Vladimir Putin uma vantagem, uma vez que as condições de mudança proporcionam acesso a novas riquezas. A Rússia tem uma liderança esmagadora sobre seus vizinhos com quase 250 projetos potenciais. Finlândia, os EUA e o Canadá seguem o número de itens da lista de desejos. A energia eólica é uma das grandes oportunidades do círculo polar ártico.
Mas todos estes projetos dependem da montanha de gente e de dinheiro da China, que já está buscando avaliar estas novas oportunidades no âmbito da iniciativa “Um Cinturão Uma Rota” (OBOR). Em especial, a China busca se posicionar de maneira estratégica para exercer o domínio econômico na região nas próximas décadas. O centro do mundo pode se deslocar para o Ártico, dominado pelos investimentos da bandeira chinesa, conforme mostra Anne-Marie Brady (2017).
Artigo de Evan Osnos, em The New Yorker (08/01/2018), mostra que tanto a China, quanto a Rússia e os Estados Unidos buscam “se tornar grandes novamente” e assumirem o papel de protagonista do mundo. O inusitado do momento atual é que a busca da China por um papel maior no mundo coincide com a busca dos Estados Unidos, de Donald Trump, por um papel mais reduzido na governança global.
O fato é que volume de transporte de carga ao longo da Rota do Mar do Norte tem aumentado significativamente nos últimos anos. Em 2019, atingiu 31,5 milhões de toneladas. Em 2018, era de 19,7 milhões e, em 2017, era de 10,7 milhões de toneladas, conforme mostra a figura abaixo.
A ironia de tudo isto é que o sucesso econômico do crescimento das atividades antrópicas acontece no contexto do fluxo metabólico entrópico. Quanto mais cresce a economia, a produção de bens e serviços e o transporte, mais aumenta o aquecimento global e o degelo dos polos e dos glaciares. Enquanto a Rússia retira vantagens da redução do gelo do Ártico e os países do Leste Asiático incrementam o uso da nova Rota, o degelo global eleva o nível dos oceanos e pode deixar Tóquio e Xangai (cidades mais ricas da Ásia) debaixo d’água. Ou seja, a Ásia e a comunidade internacional podem naufragar e ficarem afogadas pelo resultado do seu próprio sucesso econômico. A máquina insana e insone de acumulação de riqueza pode provocar tantos danos ambientais que no fim acabe por prevalecer a pobreza humana e ecológica.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Recorde de degelo nos polos em julho de 2019, Ecodebate, 09/08/2019
ALVES, JED. O degelo do Ártico e as emissões do permafrost, Ecodebate, 22/01/2020
Eric Roston. How a Melting Arctic Changes Everything. Part III: The Economic Arctic. Bloomberg, December 29, 2017 https://www.bloomberg.com/graphics/2017-arctic/the-economic-arctic/
Evan Osnos. Making China Great Again, The New Yorker, January 8, 2018
https://www.newyorker.com/magazine/2018/01/08/making-china-great-again
NSR Shipping traffic – Transits in 2019
https://arctic-lio.com/nsr-shipping-traffic-transits-in-2019/
Russia’s Arctic North Sea Route
http://www.russiaknowledge.com/2019/03/09/russias-arctic-north-sea-route/
Nota da redação: em relação ao tema “Degelo do Ártico ”, recomendamos que leia, também:
Ártico Atinge O 2º Menor Nível De Gelo Em Setembro De 2020
Mudanças Climáticas: O Ártico Está Em Transição Para Um Novo Estado Climático
Quanto O Degelo Polar Adicionará Ao Aumento Do Nível Do Mar?
Degelo Da Groenlândia E Da Antártica Pode Adicionar 38 Cm Ao Aumento Do Nível Do Mar Em 2100
O Gelo Marinho Do Ártico Está Derretendo Mais Rapidamente Do Que Se Imaginava
Redução Da Camada De Gelo Da Groenlândia Passa Do Ponto Sem Volta
Novo Estudo Apoia As Previsões De Que O Ártico Poderá Ficar Livre Do Gelo Marinho Em 2035
Emergência Climática: Oceano Ártico No Verão Provavelmente Estará Livre De Gelo Antes De 2050
Emergência Ambiental: O Derretimento Do Gelo Ártico Está Mudando As Correntes Oceânicas
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/10/2020
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