Decrescimento, uma alternativa, artigo de Iosu Perales
Decrescimento, uma alternativa, artigo de Iosu Perales
O decrescimento é uma alternativa econômica? Quando um rio transborda, queremos que decresça e as águas retornem ao seu leito. Trata-se disso. Na realidade, o decrescimento não é uma opção, é uma necessidade – Iosu Perales
IHU
“Diante dessa ideia que quer colocar no centro da vida humana a produção e o consumo, o imaginário coletivo deve ser descolonizado. Vivemos em um planeta de cinco ou mais velocidades que classifica países, regiões e continentes de acordo com seu poderio e sua pobreza. Alguns poucos acima correndo soltos em direção a um crescimento infinito que não é possível, outros muito abaixo sofrendo doenças para eles crônicas”, escreve Iosu Perales, cientista político, especialista em relações internacionais, em artigo publicado por Rebelión, 01-04-2020. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
O decrescimento é uma alternativa econômica? Quando um rio transborda, queremos que decresça e as águas retornem ao seu leito. Trata-se disso. Na realidade, o decrescimento não é uma opção, é uma necessidade.
Atualmente, fala-se muito sobre o dia seguinte em termos dramáticos. Do ponto de vista oficial, estão nos preparando para assumir cortes de todos os tipos em um marco político social autoritário, e agem assim com um enfoque de mais do mesmo, com o objetivo de retornar às receitas de crescimento econômico que mostraram que entre as pessoas e a economia escolhem esta última. Diante desse enfoque fracassado em termos de humanidade e sustentabilidade do planeta – e não de negócios -, defendo a recuperação da palavra decrescimento e a reflexão sobre ela. Deve haver um antes e um depois do coronavírus.
Haverá quem diga que não estou neste mundo e que sou um romântico. Pode ser. Mas se fazemos a pergunta: nosso mundo tem recursos infinitos? A resposta é NÃO. Nesse caso, pode ser sustentada a atual corrida descontrolada que não admite os limites do crescimento? A resposta também é NÃO. Este deve ser o ponto de partida de qualquer proposta para sair desta crise. Sejamos claros: estamos vivendo sob a ditadura de poderes financeiros que colonizaram as instituições políticas até anulá-las. Esse mundo neoliberal é um pesadelo. Nele tudo é vendido e tudo é comprado, até a saúde.
E não apenas isso, a chamada competitividade mudou as empresas de tal maneira que para comprar certos produtos, neste caso produtos de saúde, é preciso ir à China, que vende seus produtos em dinheiro e ao maior lance. É a lei dos custos mais baratos. Nos países europeus, desmantelamos nossas capacidades produtiva e colocamos muros que não podemos saltar. Essa globalização deve ser substituída por outra que enfatize a cooperação, a unidade e as decisões globais.
Uma terceira característica do modelo neoliberal é o endividamento dos países para crescer, sendo que imediatamente precisam crescer para pagar a dívida. É uma lógica perversa que prende países.
Decrescimento não é voltar à penúria, ao atraso. Isso será dito por mal-intencionados intelectuais e políticos que se apegam com as unhas a um neoliberalismo já insuportável. O neoliberalismo é uma traição às pessoas, aos povos – Iosu Perales
Decrescimento não é voltar à penúria, ao atraso. Isso será dito por mal-intencionados intelectuais e políticos que se apegam com as unhas a um neoliberalismo já insuportável. O neoliberalismo é uma traição às pessoas, aos povos. Ao contrário, o decrescimento nos convida, nas palavras do professor basco de economia Koldo Unceta, a “empreender mudanças estruturais na maneira de organizar a produção e a distribuição a serviço das pessoas e de acordo com a preservação dos recursos”.
Isso requer tomar consciência da diferença entre desenvolvimento e desenvolvimento ruim. O último é insaciável e devora tudo, confundindo crescimento permanente com desenvolvimento e prosperidade. Em outro sentido, teria que ser realizada uma redução regular e controlada da produção para assentar um novo paradigma de prosperidade.
Geralmente, o PIB nos é apresentado como o indicador de avanço de uma sociedade. Não dizem avanço em que direção, mas é que o PIB inclui mais más que boas práticas e atividades. A propósito do PIB, não sendo em nada simpatizante de Robert. F. Kennedy, resgato suas palavras de 1968, alertando que o PIB “não mede nem nossa virtude, nem nossa coragem, nem nossa inteligência nem nosso aprendizado. Mede todos os detalhes, exceto o que dá verdadeiro sentido à nossa vida”.
O decrescimento leva em consideração a justiça ambiental que nos lembra o conflito entre quem obtém lucro e quem sofre dano ecológico. Quando daremos um respiro ao planeta? Estou pensando em grandes obras e infraestruturas que prejudicam seriamente o meio ambiente. Mas também penso em trabalhos em escala local que procuram fazer parte de um modelo de sociedade que apresenta buracos negros.
Um exemplo próximo: Que sentido faz construir um metrô em uma cidade cujo maior prazer é caminhar pela baía respirando a brisa do mar? Qual é a vantagem para a saúde global da cidade, que tem seu charme e fama merecida em seu tamanho médio, para percorrê-la a pé. Com o que está acontecendo e acontecerá, não é mais ético, mais progressivo e mais ecológico usar seu custo para atender muitas pessoas vulneráveis na própria cidade? Por que há tantos medíocres na política? Por que tão pouco talento? Por que há tanta incapacidade de inovar e imaginar um mundo, um país, uma cidade, mais amáveis?
O decrescimento propõe, entre outras medidas: compartilhar o trabalho, reduzindo a jornada de trabalho, aumentando a população empregada, uma renda básica mínima para garantir que todos tenham renda para viver com dignidade – Iosu Perales
Em todos os níveis da sociedade, estamos enlouquecendo. O desenvolvimentismo ou o desenvolvimento ruim reativa obras faraônicas, o consumo e o endividamento. Pois bem, o decrescimento é parar e pensar que, se o único objetivo da vida é produzir e consumir, tudo é um absurdo, uma humilhante ideia que deve ser abandonada, segundo Cornéluis Castoriadis (filósofo, sociólogo, economista e psicanalista greco-francês). Uma ideia patética que, aliás, é amplamente usada na política quando se diz as “para as pessoas o que importa é comer”. Quem pensa assim tem uma ideia nefasta da sociedade e deveria ter vergonha.
O decrescimento propõe, entre outras medidas: compartilhar o trabalho, reduzindo a jornada de trabalho, aumentando a população empregada, uma renda básica mínima para garantir que todos tenham renda para viver com dignidade. Trata-se também de mudar um estilo de vida que cria frustração e infelicidade.
Diante dessa ideia que quer colocar no centro da vida humana a produção e o consumo, o imaginário coletivo deve ser descolonizado. Vivemos em um planeta de cinco ou mais velocidades que classifica países, regiões e continentes de acordo com seu poderio e sua pobreza. Alguns poucos acima correndo soltos em direção a um crescimento infinito que não é possível, outros muito abaixo sofrendo doenças para eles crônicas. Devemos resgatar a consciência de que somos UMA espécie e que nos salvamos todos ou ninguém, é fundamental.
Todos falharam. Os cientistas, os governos, as instituições mundiais, todos. Submergidos nos desafios de mais e mais crescimento, não souberam avaliar a ameaça real na forma de uma pandemia, manifestando uma falta de preparo para enfrentar perigos pouco conhecidos. Porque é preciso dizer que houve quem advertiu de uma possível pandemia muito agressiva e suas palavras foram tomadas como as de um excêntrico bilionário. Bill Gates disse isso em 2005. Optou-se por deixar passar sua advertência para não alarmar e criar insegurança nos mercados financeiros. Assim funciona esse mundo.
(EcoDebate, 03/04/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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