Idéias de Mangabeira para Amazônia provocam críticas de ambientalistas
As polêmicas idéias para o desenvolvimento da maior floresta tropical do mundo lançadas anteontem pelo ministro de Ações de Longo Prazo, Mangabeira Unger, provocaram críticas de ONGs e reações distintas entre parlamentares que representam a Amazônia no Congresso. Ciente do potencial explosivo do plano, o filósofo convocou políticos da bancada governista e da oposição para acompanhá-lo na viagem. A lista teve espaço até para o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), comandante da articulação que derrotou a emenda que prorrogava a CPMF e causou um rombo de R$40 bilhões nas contas do Planalto. Por Bernardo Mello Franco e Alan Gripp, O Globo, 17/01/2008
O tucano rejeitou o convite por causa de compromissos partidários em São Paulo, mas fez questão de elogiar o preparo intelectual do ministro antes de opinar sobre suas idéias para a Amazônia. Virgílio afirmou que Mangabeira fez bem em apresentar suas propostas, mas expressou dúvidas sobre a viabilidade de algumas delas, como a canalização de água da floresta para irrigar o semi-árido nordestino.
– É positivo que o ministro proponha um debate nacional sobre a Amazônia, mas algumas de suas teses me preocupam, como a do aqueduto. Isso não é brincadeira. Não sei nem se uma coisa desse porte seria executável – disse o tucano.
Deputada defende ministro de criticas de ambientalistas
Presidente da Comissão da Amazônia na Câmara, a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que se juntou ontem à comitiva liderada por Mangabeira, rebateu as críticas de ambientalistas ao plano. Ela pediu mais compreensão com o papel do intelectual no governo:
– É preciso levar em consideração que várias propostas não têm aplicabilidade imediata. São idéias de longo prazo.
Mesmo admitindo não conhecer bem a idéia, a deputada saiu em defesa da transposição das águas amazônicas para o Nordeste, considerada o ponto mais polêmico do plano de Mangabeira.
– A canalização de água pode não parecer muito factível, mas é, sim – disse a deputada, que vai acompanhar o filósofo numa visita a tribos indígenas.
As idéias de Mangabeira para o desenvolvimento das aldeias amazônicas foram vistas com desconfiança pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Para o conselheiro da entidade na Região Norte, Hidenori Mochiizawa, as experiências que juntaram empresários locais e índios – umas das propostas de Mangabeira – costumam resultar no empobrecimento das aldeias.
– Os índios acham que tudo o que vem de fora é bom. Mas, historicamente, o que vemos é que essas intervenções desestruturam a sua própria cultura e os levam ao empobrecimento. Sempre foi assim com a aproximação dos madeireiros, por exemplo – disse Mochiizawa, que não foi chamado para as reuniões de Mangabeira com representantes da sociedade civil, hoje, em Manaus.
Indigenista faz ressalvas a planos para tribos
O conselheiro também criticou as propostas de “desenvolvimento cultural” dos índios contidas no “Projeto Amazônia”, mas disse não ser contrário especificamente ao aprendizado de duas línguas, também sugerido por Mangabeira. Com uma ressalva:
– Desde que sejam a língua materna e o português. Mais do que isso, só para as tribos que vivem na fronteira com países que falam espanhol.
Presidente do Grupo de Trabalho da Amazônia, que reúne diversas ONGs sediadas na região, o ativista Alberto Cantanhêde criticou o aqueduto:
– Não sei o que ele quis dizer com acúmulo inútil de água na floresta. Se a transposição do Rio São Francisco já provoca tanta polêmica, imagine tirar água da Amazônia para o Nordeste!
‘Falta uma injeção de realismo’
As propostas do ministro Mangabeira Unger para a Amazônia surpreenderam o ambientalista italiano Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra. Ele qualificou algumas das idéias do ministro de extravagantes, e ironizou o projeto de construção de um aqueduto para levar a água da região ao semi-árido nordestino.
Como avalia o pacote de propostas apresentado pelo ministro Mangabeira?
ROBERTO SMERALDI: Por enquanto, as idéias não passam de uma viagem do ministro, como definiu o título da reportagem do GLOBO. Propostas de governo costumam ser apresentadas com estudos, documentos oficiais. Sem isso, fica difícil analisar as idéias do ministro.
A ida dessa comitiva à Amazônia pode trazer novas idéias ao debate sobre o desenvolvimento da região?
SMERALDI: Parece que o ministro organizou uma expedição para descobrir a floresta. Em vez de tirar projetos da cartola, deveria consultar os especialistas que estudam a região há muitos anos.
O ministro afirmou que o Brasil precisa deixar de ter medo de idéias. Concorda?
SMERALDI: O governo já lançou o Programa Amazônia Sustentável, em 2004. Ainda nem tirou as idéias do papel e já vai lançar novas propostas? O papel do governo não é reinventar a roda, mas dizer como os projetos serão executados. Falta uma injeção de realismo ao ministro.
O ministro propôs a construção de um aqueduto para levar água da Amazônia ao Nordeste. É factível?
SMERALDI: Não faltam propostas extravagantes de obras de infra-estrutura neste governo. De onde o ministro quer tirar a água? Quanto vai custar? Falta água no deserto do Saara e sobra no Canadá… Então por que não levar a água da Antártida, em vez da Amazônia? Ou o ministro informa quais serão os impactos e os custos da obra, ou a idéia vai ficar no exercício de imaginação.