Cientistas alertam para a emergência climática e o crescimento populacional, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Cientistas alertam para a emergência climática e o crescimento populacional, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Ainda crescendo em torno de 80 milhões pessoas por ano, ou mais de 200.000 por dia, a população mundial precisa ser estabilizada e, idealmente, reduzida gradualmente”
Alerta dos cientistas mundiais sobre a emergência climática (05/11/2019)
[EcoDebate] Mais de 11 mil cientistas de todo o mundo, de maneira reiterada, alertam a humanidade sobre a ameaça de uma iminente catástrofe ambiental e declararam que o Planeta está enfrentando uma emergência climática. O manifesto diz que os cientistas têm uma obrigação moral de alertar claramente a humanidade sobre uma possível ameaça catastrófica que pode provocar “sofrimento humano incalculável”.
Exatamente 40 anos antes, cientistas de 50 nações se reuniram na Primeira Conferência Mundial do Clima (em Genebra, 1979) e mostraram que as tendências alarmantes sobre as mudanças climáticas necessitavam de uma ação urgente. Desde então, alarmes semelhantes foram feitos durante a Cúpula do Rio de 1992, o Protocolo de Kyoto de 1997 e o Acordo de Paris de 2015, além de dezenas de outras assembleias globais. No entanto, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) continuam aumentando rapidamente, com efeitos cada vez mais prejudiciais ao clima da Terra.
O alerta, publicado no dia 05 de novembro de 2019 na Revista BioScience (ver link abaixo), apresenta um conjunto de sinais vitais mostrando como o aumento das emissões de CO2, decorrentes do crescimento das atividades antrópicas, está vinculado com o aumento da temperatura do Planeta. Um dos “sinais vitais” apresentados é o crescimento da população (e da economia).
De fato, os gráficos abaixo não deixam dúvida sobre a correlação existente entre o crescimento demoeconômico global e o aumento das emissões de CO2. O primeiro gráfico apresenta a variação da população mundial e as emissões globais de CO2 entre 1880 e 2016. Há uma clara associação entre o ritmo de crescimento das duas curvas, mas com as emissões avançando com maior velocidade.
Nota-se que a população humana, que estava em 1,15 bilhão em 1880, chegou a 2 bilhões de habitantes por volta de 1930, atingiu 3 bilhões em 1960 e 4 bilhões em 1974. O ritmo de crescimento demográfico reduziu um pouco nos anos seguintes, mas manteve acréscimos de 1 bilhão de pessoas a cada 12 ou 13 anos e deve alcançar 8 bilhões de habitantes em 2023. As emissões globais de CO2 que estavam abaixo de 1 tonelada em 1880, chegou a 2 bilhões em 1900, a 4,5 bilhões depois da Segunda Guerra e, durante os chamados “30 anos dourados” deu um salto para quase 20 bilhões de toneladas em 1980. Houve uma certa desaceleração até o ano 2000, com 24,8 bilhões de toneladas e acelerou novamente durante o superciclo das commodities até atingir 36 bilhões de toneladas em 2016. Entre 1880 e 2016 a população mundial foi multiplicada por 6,4 vezes e as emissões 41,3 vezes.
O gráfico abaixo mostra a correlação entre as duas variáveis. A reta de tendência linear indica que 98,8% da variabilidade das emissões globais de CO2 está associada diretamente ao aumento do número de habitantes, ao longo dos anos de 1880 e 2016. Durante os séculos XIX e XX as emissões de CO2 foram lideradas pelos países desenvolvidos, especialmente Estados Unidos e Canadá, Europa, Japão e Austrália. Mas com o processo de convergência da renda global, os países em desenvolvimento, particularmente China, Índia, os Tigres Asiáticos e os países do Oriente Médio passaram a liderar a quantidade de poluição atmosférica. Por exemplo, desde o início do atual século, os 5 países do BRICS já emitem mais CO2 do que os 36 países da OCDE. Os 3 países mais populosos (China, Índia e EUA) são também os 3 maiores poluidores (Alves, 23/10/2019).
Evidentemente, o crescimento da população afeta as emissões de CO2 quanto maior for o padrão de consumo das pessoas e quanto maior o crescimento da economia. Ou seja, as emissões aumentam com o crescimento demoeconômico.
O gráfico abaixo mostra que o aumento das emissões acompanha o crescimento da produção de bens e serviços. O Produto Interno Bruto (PIB) global era, em 1880, de cerca de 2 trilhões de dólares em poder de paridade de compra (ppp), segundo os dados do Projeto Maddison, e passou para pouco mais de US$ 8 trilhões, em 1945, um crescimento médio anual de pouco mais de 2% ao ano. Mas entre 1945 e 1980 o PIB mundial passou para US$ 36 trilhões, com um crescimento médio anual acima de 4%. Este foi o período de maior emissão de CO2. Entre 1980 e 2016, o PIB global desacelerou um pouco (assim como a população) mas ultrapassou a casa de 100 trilhões de dólares (em ppp) em 2016, com um crescimento médio em torno de 3% ao ano.
A correlação entre o crescimento da economia e a emissão de carbono é também altamente significativa. O gráfico abaixo mostra que a reta de tendência linear entre as duas variáveis, indica que significativos 96,3% da variabilidade da emissão global de CO2 está associada diretamente ao crescimento da economia mundial ao longo dos anos de 1880 e 2016. Também se pode observar que as emissões, em relação ao PIB, eram maiores na época do petróleo barato e que, nas últimas décadas, as emissões reduziram o ritmo em relação ao crescimento do PIB.
Entre 1880 e 2016, a população mundial cresceu 6,4 vezes, as emissões de CO2 cresceram 41,3 vezes e o PIB cresceu 55 vezes. As emissões cresceram mais rápido do que a população, mas em ritmo menor do que a economia. Mas a associação entre o crescimento demoeconômico e a liberação de gases de efeito estufa é irrefutável.
Desta forma, não dá para ignorar que o crescimento da população – especialmente daquelas parcelas e países que mais avançam da ampliação e na diversificação do consumo – tem um impacto muito grande na emissão de carbono e, consequentemente, no agravamento da crise climática e ambiental. Portanto, é necessário um imenso para mitigar o aquecimento global e para evitar sofrimentos incalculáveis para a vida na Terra devido à crise climática. Somente os “céticos da demografia” podem afirmar que o volume da população não agrava os problemas do meio ambiente.
Porém, ao contrário, há muitos demógrafos que se preocupam com o crescimento populacional. Segundo a demógrafa Hania Zlotnik (2009), a redução do ritmo de crescimento da população mundial pode contribuir para mitigar a crise ambiental. Ela diz: “Existe ampla experiência para mostrar que, com o comprometimento do governo, estratégias e ferramentas para garantir que as pessoas possam exercitar seus direitos reprodutivos efetivamente pode produzir as tendências populacionais que, no médio e longo prazo, contribuem para garantir a sustentabilidade da vida no planeta. Dados os enormes desafios que a conquista da sustentabilidade impõe, não há tempo a perder”.
Assim, o documento “World Scientists’ Warning of a Climate Emergency” (BioScience, 05/11/2019) afirma que: “O crescimento econômico e populacional está entre os mais importantes fatores do aumento das emissões de CO2 em decorrência da combustão de combustíveis fósseis”. Em consequência, diz o seguinte sobre a questão demográfica: “Ainda crescendo em torno de 80 milhões pessoas por ano, ou mais de 200.000 por dia, a população mundial precisa ser estabilizada – e, idealmente, reduzida gradualmente – dentro de uma estrutura que garante a integridade social” (Bongaarts e O’Neill 2018)”.
Em síntese, a humanidade está provocando grandes danos aos ecossistemas e ao clima e está caminhando rumo a um abismo.
Como diria Cartola: “abismo que cavaste com teus pés”. Os cientistas alertam que é preciso reverter os rumos da civilização com urgência. São muitas as tarefas a serem implementadas para evitar uma catástrofe. Mudar o padrão de produção e consumo é a tarefa principal. Mas não dá para ignorar que reduzir e depois reverter o crescimento populacional faz parte das medidas para mitigar o aquecimento global e a perda de biodiversidade, evitando um holocausto biológico.
Abaixo segue (em tradução livre) as recomendações apresentadas no Alerta dos cientistas mundiais sobre a emergência climática:
“Para garantir um futuro sustentável, precisamos mudar a maneira como vivemos, de maneira a melhorar os sinais vitais resumidos em nossos gráficos. O crescimento econômico e populacional estão entre os fatores mais importantes para o aumento das emissões de CO2 provenientes da combustão de combustíveis fósseis; portanto, precisamos de transformações ousadas e drásticas em relação às políticas econômicas e populacionais. Sugerimos seis etapas críticas e inter-relacionadas (em nenhuma ordem específica) que governos, empresas e o resto da humanidade podem tomar para diminuir os piores efeitos das mudanças climáticas. Essas são etapas importantes, mas não são as únicas ações necessárias ou possíveis:
Energia
O mundo deve implementar rapidamente práticas maciças de eficiência e conservação de energia e deve substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis de baixo carbono e outras fontes de energia mais limpas e seguras para as pessoas e o meio ambiente. Devemos deixar os estoques remanescentes de combustíveis fósseis no solo e devemos buscar, progressivamente, as emissões negativas usando tecnologias efetivas para sequestro de carbono e, principalmente, aprimorando os sistemas de captura naturais. Os países mais ricos precisam apoiar os países mais pobres na transição para o abandono dos combustíveis fósseis. Devemos eliminar rapidamente os subsídios aos combustíveis fósseis e usar políticas eficazes e justas para aumentar constantemente os preços do carbono para restringir seu uso.
Poluentes de vida curta
Precisamos reduzir rapidamente as emissões de poluentes climáticos de curta duração, incluindo metano, carbono preto (fuligem) e hidrofluorcarbonetos (HFCs). Isso pode retardar os ciclos de feedback climático e potencialmente reduzir a tendência de aquecimento de curto prazo em mais de 50% nas próximas décadas, salvando milhões de vidas e aumentando o rendimento das culturas devido à redução da poluição do ar.
Natureza
Devemos proteger e restaurar os ecossistemas da Terra, tais como fitoplâncton, recifes de coral, florestas, savanas, pradarias, pântanos, turfeiras, solos, manguezais e gramíneas marinhas que contribuem muito para o sequestro de CO2 atmosférico. Plantas marinhas e terrestres, animais e micro-organismos desempenham papéis significativos no ciclo e armazenamento de carbono e nutrientes. Precisamos reduzir rapidamente a perda de habitat e biodiversidade, protegendo as florestas primárias, especialmente aquelas com reservas de alto carbono e outras florestas com capacidade de sequestrar rapidamente o carbono, ao mesmo tempo em que aumentamos o reflorestamento e a arborização em grande escala. Embora a terra disponível possa ser limitadora em alguns lugares, até um terço das reduções de emissões necessárias até 2030 para o acordo de Paris poderiam ser obtidas com essas soluções climáticas naturais.
Alimento
Comer principalmente alimentos à base de plantas e reduzir o consumo global de produtos de origem animal, especialmente gado ruminante, pode melhorar a saúde humana e reduzir significativamente as emissões de GEE. Além disso, isso liberará áreas de cultivo para o cultivo de plantas humanas tão necessárias em vez de alimentos para animais, ao mesmo tempo em que libera algumas pastagens para apoiar soluções climáticas naturais. Práticas de cultivo como lavoura mínima que aumentam o carbono do solo são de vital importância. Precisamos reduzir drasticamente a enorme quantidade de desperdício de alimentos em todo o mundo.
Economia
A extração excessiva de materiais e a superexploração de ecossistemas, impulsionadas pelo crescimento econômico, devem ser rapidamente reduzidas para manter a sustentabilidade a longo prazo da biosfera. Precisamos de uma economia livre de carbono que aborde explicitamente a dependência humana da biosfera e políticas que orientem as decisões econômicas de acordo. Nossas metas precisam mudar do crescimento do PIB e da busca de riqueza em direção a sustentar ecossistemas e melhorar o bem-estar humano, priorizando as necessidades básicas e reduzindo as desigualdades.
População
Ainda crescendo em torno de 80 milhões pessoas por ano, ou mais de 200.000 por dia, a população mundial precisa ser estabilizada – e, idealmente, reduzida gradualmente – dentro de uma estrutura que garante a integridade social. Existem políticas comprovadas e eficazes que fortalecem os direitos humanos enquanto diminui as taxas de fecundidade e diminui os impactos do crescimento populacional sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e sobre a perda de biodiversidade. Estas políticas devem tornar os serviços de planejamento familiar disponíveis para todas as pessoas, removendo barreiras ao seu acesso e buscando alcançar equidade total de gênero, inclusive estabelecendo o ensino primário e secundário como uma norma para todas as pessoas, especialmente meninas e mulheres jovens”
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Os países pobres e de renda média lideram a emissão global de CO2 no século XXI, Ecodebate, 23/10/2019
Global Carbon Project https://www.globalcarbonproject.org/
Maddison Project Database, version 2018 https://www.rug.nl/ggdc/;
BONGAARTS J, O’NEILL BC. Global warming policy: Is population left out in the cold? Science 361: 650–652,17/08/2019 http://demographic-challenge.com/files/downloads/dba87c53530fb9f6776c29cff5820115/science-361.pdf
HANIA ZLOTNIK. Does Population Matter for Climate Change? In: Guzmán, José Miguel, George Martine, Gordon McGranahan, Daniel Schensul, and Cecilia Tacoli, eds. 2009. Population Dynamics and Climate Change. New York: UNFPA, and London: IIED (International Institute of Environment and Development)
https://www.unfpa.org/resources/population-dynamics-and-climate-change
WILLIAM J RIPPLE, et. al. World Scientists’ Warning of a Climate Emergency, BioScience, 05/11/2019
https://academic.oup.com/bioscience/advance-article/doi/10.1093/biosci/biz088/5610806
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/11/2019
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