É grave a situação no território étnico de Alcântara, artigo de Maristela de Paula Andrade
“O fechamento do litoral alcantarense significará a fome, não apenas para esses povoados do litoral, mas para as agrovilas, para todos os povoados que integram o território étnico de Alcântara” . Maristela de Paula Andrade é antropóloga e professora da Universidade Federal do Maranhão. Artigo enviado pela autora ao “JC e-mail”:
A situação no território étnico de Alcântara é bastante grave. Apesar do acordo judicial, de 26/09/2006, homologado pelo Juiz Dr. Carlos Madeira e assinado pelas partes (AEB, CLA e representantes do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara), que obriga o Incra a regularizar o território quilombola, de acordo com o laudo antropológico do prof. Alfredo Wagner de Almeida, a Casa Civil manda excluir as áreas de interesse da AEB para o que esta agência passou a chamar de Centro Espacial de Alcântara.
Esta, segundo seus defensores, seria uma área civil, separada do CLA – Centro de Lançamento de Alcântara, já existente. O CLA perfaz hoje uma área de 8.700 ha, vazia de seres humanos, desde os anos 80, de onde os militares já varreram as populações tradicionais que ali residiam, cultivavam e pescavam.
A Alcântara Cyclone Space, binacional brasileira-ucraniana, e outras empresas por ela contratadas ou sub contratadas Atech (ex ESCA, do escândalo Sivam), Geocret, Terra Byte, Allerce Soluções Ambientais Ltda, apresentaram-se nos povoados Baracatatiua e Mamuna, no litoral de Alcântara, onde se pretende situar esse centro civil, no final do ano passado.
Primeiramente na pessoa da Sra. Laura Urrejola (ex AEB) e, agora, na pessoa do Sr. Reinaldo Mello (diretor de suprimentos da ACS) e outros.
Esses senhores tentam cooptar as lideranças dizendo que tudo já está sacramentado pelo governo federal, que tudo já foi sancionado pelo Congresso e que a eles, quilombolas, não resta senão “negociar”.
Negociar o quê? Água, luz, estrada e telefone público, direitos básicos que estão previstos, inclusive, nas 66 ações oficiais delineadas no âmbito do extinto GEI – Grupo Executivo Interministerial – e atual CENDSA – Comitê Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Alcântara.
A pretexto de realizar “serviços de pré-engenharia” e estudos com vistas ao licenciamento ambiental do empreendimento Cyclone 4, essas empresas estão demarcando pontos dentro dos povoados, como Mamuna; rasgando estradas, inclusive passando por cima de roças, como ocorreu esta semana com a lavoura do Sr. Alex, em Mamuna, e realizando perfurações, tudo sem licença prévia.
O licenciamento ambiental vem servindo de anteparo, de álibi para o avanço do projeto Cyclone Space 4, já que o Brasil está muito atrasado no que toca sua parte no Acordo com a Ucrânia.
No tocante à regularização do território quilombola, ao que se saiba, o Incra-MA já teria terminado o RTDI – Relatório Técnico de Identificação (primeiro passo para a titulação) e, ao que tudo indica, de acordo com as determinações da Casa Civil, desrespeitando o acordo judicial.
O ambiente nas comunidades quilombolas do litoral é de muita insegurança. Há mais de vinte anos vivem esse clima – seja diretamente pela mão dos militares, da Infraero e, agora, supostamente dos ucranianos via Atech e sub-contratadas.
Primeiramente, foram deixados à margem pelo Estado por mais de vinte anos: sem estradas, sem escolas, sem telefone, sem eletrificação. Agora, tudo isto é acenado pela ACS como “compensação” ou como parte de uma suposta “negociação”.
O fechamento do litoral alcantarense significará a fome, não apenas para esses povoados do litoral, mas para as agrovilas, para todos os povoados que integram o território étnico de Alcântara.
Artigo originalmente publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3432, de 17 de Janeiro de 2008.