Estádio do Pacaembu, exemplo virtuoso da integração entre arquitetura e geologia, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos
INTRODUÇÃO
Em atendimento a solicitação a mim feita pela arquiteta Sol Camacho, como suporte a projeto que desenvolve tendo como tema o estádio do Pacaembu, fiz um “mergulho” em pesquisas sobre essa odisséia arquitetônica paulista, com base em que elaborei esse artigo, o qual reputo bastante oportuno para exemplificar as indispensáveis boas relações entre a Arquitetura/Urbanismo e a Geologia. Além, claro, da oportunidade do registro histórico e da divulgação de uma obra e um contexto de bairro que marcaram virtuosamente a história do urbanismo paulistano.
Com pleno reconhecimento da sociedade paulista o Estádio do Pacaembu é popularmente louvado como o grande patrimônio histórico-cultural do esporte no Estado, especialmente pelo que representou e por seu enorme conteúdo emocional na história do futebol paulista, tendo esse sido o motivo destacado de seu tombamento pelo CONPRESP (1988) e pelo CONDEPHAAT (1998).
Reconhecido esse aspecto, há, no entanto, que também se destacar o extraordinário patrimônio arquitetônico representado pelo Estádio do Pacaembu; aspecto que, destaque-se, não passou despercebido dos termos oficiais dos dois atos de tombamento referidos. No âmbito de sua qualidade arquitetônica, considere-se especialmente a perfeita harmonização do projeto e do empreendimento com as feições naturais de ordem geológica e geomorfológica do local em que foi implantado.
Vale aqui reproduzir os conteúdos das duas resoluções de tombamento que tratam essa questão:
CONPRESP – Resolução 04/88
“Artigo 1o – Fica tombado como bem de interesse histórico, cultural, arquitetônico e ambiental, o ESTÁDIO MUNICIPAL “PAULO MACHADO DE CARVALHO”, marco cultural na história desportiva e amostragem do estilo arquitetônico da Cidade de São Paulo.”
CONDEPHAAT – Resolução SC 05/98
“Considerando a importância do Conjunto Esportivo do Pacaembu para a história do esporte paulista, cujas origens remontam a iniciativa de educação pelo esporte de jovens paulistanos, a realização de campeonatos e competições esportivas de caráter nacional e a solenidades cívicas;
Considerando a qualidade de sua arquitetura e de sua implantação que soube inserir projeto de grandes dimensões na paisagem, respeitando-a e ao mesmo tempo valorizando urbanisticamente o bairro do Pacaembu,”
ARQUITETURA E GEOLOGIA
Entendamos, por princípio, o meio físico geológico como o conjunto maior de fatores geológicos propriamente ditos, geomorfológicos, hidrológicos e pedológicos, consideradas todas suas características físicas e seus processos dinâmicos pretéritos e atuais.
Não há intervenção humana no meio físico geológico natural que não provoque algum tipo de desequilíbrio. O corte em uma encosta, o peso de uma barragem, o vazio provocado pela escavação de um túnel, a impermeabilização do solo causada pela cidade, o rebaixamento forçado do lençol d’água subterrâneo, o desmatamento de uma região; enfim, ao modificar as condições naturais preexistentes o homem está interferindo em um estado de equilíbrio dinâmico natural. Como resposta à ação do desequilíbrio há uma mobilização de forças naturais orientadas, como reação, a buscar um novo estado de equilíbrio. Caso esse empenho de busca de um novo equilíbrio se dê isoladamente pela própria Natureza, as consequências para o homem costumam ser catastróficas. Deslizamentos, avarias e acidentes em fundações, recalques de terrenos, colapso de obras subterrâneas, patologias estruturais, violentos processos erosivos, enchentes, etc. Para que essas consequências negativas não aconteçam é necessário que o homem conheça e entenda perfeitamente as características e processos naturais do meio geológico em que está interferindo, de tal forma a melhor adequar seus projetos e estabelecer, ele próprio, uma indispensável condição de equilíbrio entre empreendimento e forças naturais.
Importantíssimo, nesse contexto, termos em conta que os conceitos orientadores de como vão se dar as relações de um determinado empreendimento com o meio natural com o qual interfere são definidos primeira e originalmente nas concepções arquitetônicas que lhe são propostas. É essa concepção arquitetônica, determinante da disposição espacial e do ajuste do empreendimento ao terreno e suas características fisiográficas, que também influenciará, por decorrência conceitual, a escolha dos procedimentos construtivos e as futuras regras de operação e manutenção; todos esses, elementos essenciais nas inter-relações com o meio natural.
Ou seja, será a concepção arquitetônica de partida que determinará o êxito ou o fracasso do empreendimento naquilo que se refere às suas relações com o ambiente geológico-geotécnico, ou de uma forma mais ampla, naquilo que se refere à sua sustentabilidade ambiental. Do que pode se concluir que será essa concepção arquitetônica que, na maioria dos casos, definirá o êxito ou o fracasso financeiro e funcional do empreendimento.
Alguns exemplos práticos são esclarecedores. Ao insistentemente exigir a produção de áreas planas através de procedimentos generalizados de terraplenagem, os projetos arquitetônicos associados à expansão urbana, seja habitacional, seja empresarial, instalados em áreas de relevo mais acentuado tem trabalhado com uma cultura de terra arrasada. Resultado, instalação de áreas de risco a deslizamentos, exposição dos solos mais profundos extremamente susceptíveis á erosão a intensos processos erosivos em cortes, aterros e bota-foras, deterioração precoce da infraestrutura instalada, assoreamento de drenagens, favorecimento de enchentes, etc. Sem dúvida, uma concepção urbanística e arquitetônica orientada conceitualmente para relevos mais acentuados evitaria, de início, todos esses problemas.
Vários outros exemplos poderiam ser relatados, todos testemunhando a extrema necessidade da arquitetura e do urbanismo incorporarem em sua prática os cuidados com as características geológicas e hidrológicas dos terrenos afetados. Como concisa diretriz, podemos entender que está colocado o seguinte desafio à arquitetura: usar a ousadia e a criatividade para adequar seus projetos à Natureza, em vez de, burocraticamente, pretender adequar a Natureza a seus projetos.
- – – –
Nota: Para acessar o artigo na íntegra, no formato PDF, clique no link 190911_estadio_do_pacaembu
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”, Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 11/09/2019
[cite]
PUBLICIDADE / CONTEÚDO RELACIONADO
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate, ISSN 2446-9394,
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.
Parabenizo o Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos pelo excelente artigo publicado.