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Queimadas na Amazônia: De Birnam Wood a Dunsinane Hill; da Amazônia ao Planalto Central, artigo de Hugo Cavalcanti Melo Filho

Nuvem de fumaça durante incêndio em área da Floresta Amazônica perto de Porto Velho, em 21 de agosto de 2019. - Reuters/Ueslei Marcelino/Direitos reservados / EBC
Nuvem de fumaça durante incêndio em área da Floresta Amazônica perto de Porto Velho, em 21 de agosto de 2019. – Reuters/Ueslei Marcelino/Direitos reservados, in Agência Brasil

 

Macbeth shall never vanquished be until great Birnam Wood to high Dunsinane Hill shall come against him”.

 

[EcoDebate] Nesta semana, um texto atribuído a Tarso de Melo, intitulado “A queda do céu”, no qual o autor comenta, de forma poética, os efeitos das queimadas na Amazônia sentidos pelos moradores da cidade de São Paulo, terminava com uma advertência: “a floresta vem visitar, vem avisar. Vai cair o céu”. Não pude deixar de associar o aviso ao vaticínio feito por um dos espíritos conjurados pelas bruxas consultadas por Macbeth e que transcrevi em epígrafe: “Macbeth jamais será vencido até que a grande Floresta de Brinam vá até as alturas do Monte Dunsinane”.

Não é necessário explicitar as óbvias semelhanças entre a tragédia shakespeariana e a desgraça brasileira, iniciada em 2016. Talvez registrar que esta supera aquela em termos de traições, vilania e torpeza. Menciono a profecia citada apenas para relembrar que Macbeth foi vencido, porque a floresta terminou indo ao seu encontro.

Em dezembro de 2017, o então candidato Jair Bolsonaro declarou, em Manaus, que o Brasil dificilmente manteria sua soberania sobre a Amazônia e que, para salvar ao menos uma parte dela, seria necessário firmar parcerias com países como os Estados Unidos, para a exploração de recursos minerais, projeto que passaria, necessariamente, pelo avanço nos territórios indígenas demarcados e retirada da cobertura vegetal. A campanha de Bolsonaro se manteve no mesmo diapasão até a eleição: reserva indígena é zoológico, o problema da Amazônia são as ONGs, vamos explorar nióbio e outras pérolas que foram, digamos, devidamente assimiladas pelos destinatários.

Pouco depois de empossado e após visita aos Estados Unidos, Bolsonaro afirmou, em entrevista à emissora de rádio Jovem Pan, que tratou com Donald Trump a abertura da exploração da região amazônica em parceria com os Estados Unidos:

Quando estive agora com Trump, conversei com ele que quero abrir para ele explorar a região amazônica em parceria. Como está, nós vamos perder a Amazônia, aquela área é vital para o mundo”.

Em 19 de julho, em encontro com jornalistas estrangeiros, Bolsonaro afirmou que os dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, que mostram o aumento do desmatamento da Amazônia nos últimos meses, eram mentirosos. Disse, ainda, suspeitar de que Ricardo Galvão, diretor do instituto, esteja “a serviço de alguma Ong”. O diretor rebateu as acusações e foi substituído alguns dias depois. Os dados do Inpe mostravam que entre janeiro e junho de 2019 houve um desmatamento de 213 km² na região amazônica.

Na esteira das declarações e atitudes do presidente, dos ataques às políticas ambientais, aos ambientalistas e aos órgãos de fiscalização, fazendeiros da região amazônica não se fizeram de rogados e promoverem, entre os dias 10 e 11 de agosto, o “dia do fogo”. Como consequência, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais chegou a registrar quase oito mil focos de incêndio.

Enquanto o governo negava a extensão do problema e, depois, responsabilizava as organizações não governamentais pelas queimadas, o mundo inteiro se voltou para o desastre ambiental que se processa no Brasil. Manifestações em defesa da Amazônia foram convocadas em todos os continentes. Alemanha e Noruega cancelaram doações para o Fundo Amazônia e foram esnobados por Jair Bolsonaro.

O Secretário Geral da ONU, Antonio Guterres, manifestou profunda preocupação com os incêndios na floresta amazônica e afirmou que a Amazônia deve ser protegida. Por fim, o presidente francês, Emmanuel Macron, convocou a cúpula do G7 a discutir os incêndios na Amazônia na reunião que será realizada no próximo final de semana. Foi o bastante para que o governo brasileiro atacasse os países europeus, ao argumento de que pretendem tirar vantagens econômicas com as questões ambientais, e Bolsonaro se voltasse contra o presidente Macron, acusando-o de disseminar fake news.

Todos os dias, o comportamento do presidente brasileiro nos estimula a considerá-lo um louco assessorado por lunáticos. Nos últimos dias não tem sido diferente, porque o quadro de devastação, a gravidade dos fatos simplesmente não autorizariam as falas e atitudes de Bolsonaro, fosse ele são. Entretanto, abalizadas opiniões de psicanalistas e cientistas políticos nos indicam que tudo não passa de jogo de cena e que há um propósito muito bem definido por trás disso. No caso da Amazônia, a intenção foi declarada ainda na campanha presidencial: dar ensejo a uma intervenção estrangeira, entregar as riquezas minerais brasileiras aos Estados Unidos da América, ao custo do sacrifício da fauna e da flora amazônicas, do meio ambiente planetário, da soberania nacional.

Resta saber se a Floresta Amazônica subirá o Planalto Central contra o tirano. Se os cidadãos do mundo seremos soldados da floresta, em defesa da biodiversidade, das reservas indígenas e dos rios. Se marcharemos em manifestações em todos os lugares; se denunciaremos as mentiras e tramas em artigos, pesquisas e fotografias. Até que prevaleça o bom senso e que se ponha fim à devastação.

 

Hugo Cavalcanti Melo Filho é juiz do trabalho em Pernambuco,

Doutor em Ciência Política, Professor da UFPE e

integrante da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/08/2019

[cite]

 

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