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Que fará São Paulo para não parar?, artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Um balanço de fim de ano publicado por este jornal (27/12) aumenta a preocupação com o problema do trânsito na cidade de São Paulo. Diz ele que, dos 2.415.000 veículos novos vendidos em 2007, nada menos que 13,58% ? ou 327.900 veículos ? foram comercializados na cidade de São Paulo, onde já circulavam 3,5 milhões de automóveis e 210 mil caminhões. A eles devem ser somados ainda os veículos dos outros municípios da Região Metropolitana e aqueles que simplesmente transitam pela cidade, de passagem. Ao todo, há quem fale em 6 milhões de veículos na Grande São Paulo. E se sabe que a cada dia vêm sendo emplacados na capital 635 carros e 235 motos (que poluem duas vezes mais que os carros). Nada menos que 1 milhão de veículos estariam em situação irregular. E os atropelamentos já responderiam por 757 mortes em um ano (2006), média de 5,8 por 100 mil habitantes, três vezes superior à da Inglaterra, dos EUA e do Canadá.

Os números trazem imediatamente à memória a argumentação com que foi introduzido o rodízio há mais de uma década, que era a de tirar de circulação cerca de 200 mil veículos por dia. Licenciando agora 635 a cada dia (sem contar motos), chega-se a 190 mil por ano ? isto é, a cada ano se coloca no trânsito o número de veículos que se pretendia retirar com o rodízio. Não espanta, assim, que, num quadro tão difícil, na mesma noite a Câmara Municipal tenha aprovado um projeto de ampliação do rodízio (todos os veículos teriam três horas diárias de restrição, metade de manhã, metade no fim do dia) e outro que simplesmente acaba com o rodízio. Cerca de um mês antes, fora ampliada a zona de restrição da circulação de caminhões.

Sempre que são feitas contas nesse setor, o resultado é espantoso. Já no inventário brasileiro sobre emissão de gases que intensificam o efeito estufa (1994), a cidade de São Paulo aparecia com 24 milhões de toneladas anuais, das quais 78% se deviam a emissões por veículos (relatório do Banco Mundial diz que as emissões no Brasil cresceram 70% depois de 1994). No mundo, o setor de transportes responde por 18,6% das emissões totais, cerca de 4,8 bilhões de toneladas anuais ? e, no ritmo atual, chegará a 9 bilhões de toneladas em 2030. Diz a Organização Mundial de Saúde que a cada ano morrem 750 mil pessoas vitimadas pela poluição urbana.

Outro estudo já citado neste espaço, da Associação Nacional de Transporte Público, afirma que na capital paulista o transporte ocupa hoje mais de 50% do espaço total, se computados o sistema viário e áreas de estacionamento. Meio ou fim? Desperdício, certamente. Vale a pena lembrar estudo do especialista Nelson Choueri, também já mencionado aqui. Partiu ele da estimativa de que 4 milhões de pessoas perdem a cada dia, no trânsito da cidade, três horas, que, somadas, significam 12 milhões de horas por dia. Em 47 semanas de 44 horas cada, ao longo de 35 anos de vida profissional de uma pessoa, serão 72.380 horas. E divididas 12 milhões de horas por 72.380, verifica-se que a cada dia se perdem 165 vidas de trabalho. Multiplicadas por 300 (um ano), serão 50 mil vidas úteis a cada ano ? desperdiçadas.

Que se vai fazer? A Prefeitura paulistana propõe renovar a frota de 15 mil veículos até o final de 2008, para aumentar a eficiência do transporte coletivo e reduzir a poluição. Outro estudioso da área, Adriano Murgel Branco, lembra que, se se conseguir aumentar a velocidade média dos ônibus ? com corredores, trólebus e outros caminhos ?, se vai reduzir proporcionalmente o custo do transporte, porque cada veículo transportará mais passageiros em menos tempo. Com o desperdício de combustíveis, os custos da poluição, a perda de produtividade dos usuários do transporte e a necessidade permanente de aumentar a frota, chega-se a um número que, se fosse possível investir na expansão do metrô, em alguns anos se chegaria a estendê-lo a toda a cidade.

Um bom sonho, distante da realidade do cotidiano, em que não se consegue nem mesmo implantar a obrigatoriedade da inspeção anual de veículos, que está para ser levada à prática há 20 anos, mas continua empacada no Congresso Nacional, onde 3 mil proposituras a respeito se misturam com a disputa entre Estados e prefeituras para saber quem fica com a taxa a ser arrecadada. Por aí seria possível reduzir a poluição, retirar da circulação veículos sem condições, baixar os ruídos (a inspeção também verificaria o seu nível), diminuir os custos no sistema de saúde.

São Paulo já esnobou soluções como a do pedágio em certas áreas urbanas, adotada por Londres e outras grandes cidades ? que resultou em aumento da velocidade do transporte coletivo nas áreas escolhidas e redução da poluição. Já esnobou a solução de pôr à disposição das pessoas bicicletas para entrar nas áreas sob pedágio. Mas se está aproximando do tempo em que terá de ser atualizado o gracejo da atriz Regina Casé: “São Paulo não pode parar, por falta de estacionamento.” Agora, seria: “São Paulo parou, está tudo estacionado.”

Mas algo terá de ser feito. A previsão da Comissão da ONU para População e Desenvolvimento é de que a Região Metropolitana de São Paulo chegará a 20 milhões de pessoas em 2015. A estimativa é de que a indústria automotiva no País continuará crescendo a altas taxas, acompanhando principalmente o aumento do crédito para as faixas da população que até há pouco tinham dificuldade para comprar veículos. E se mantiverem os números de crescimento da frota, serão mais de 300 mil veículos novos a cada ano na área metropolitana.

A campanha eleitoral no Município está batendo às portas. É um tema crucial para a sociedade. Mas não basta que ela se poste diante dos televisores para ouvir propostas. Precisa, ela mesma, organizar-se, discutir, ter as suas próprias propostas. A passividade é que conduziu aos impasses atuais.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 18/01/2008