‘Não desejamos mal a quase ninguém’, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] “Não desejamos mal a quase ninguém” é o trecho suprimido da música “Toda forma de amor”, do Lulu Santos, na campanha “A gente vive juntos”. É fácil imaginar o motivo, não temos acordo sobre a quem desejar mal – o que reflete o drama do nosso país, dividido entre os que desejam mal a alguns políticos, contra os que desejam mal a outros, adversários daqueles.
Para a evolução de um país, de uma sociedade, não seria necessário um consenso mínimo? Natural na democracia a divergência de opiniões, mas onde um consenso mínimo sobre os nossos maiores males, aos quais seria lícito todos desejaríamos mal ?
Somos contra bandidos e corruptos, certo? Não há consenso sobre quem são os bandidos e quem são os corruptos. Somos contra os assassinos de crianças, somos contra os estupradores – esses crimes hediondos seriam alguns raros consensos, que até os outros presos repudiam. Mas não temos como construir uma civilização repudiando apenas os crimes mais bárbaros.
Lulu Santos foi genial em “Toda forma de amor”, com a ironia do “não desejamos mal a quase ninguém”, que faz parte de sua beleza poética. Não é real que possamos gostar de todo mundo, isso não seria humano, não seria autêntico, seria falso. “Quase ninguém” já é uma enorme evolução civilizatória, significa compreendermos os contextos e as razões de quase todo mundo.
Porque as pessoas riem quando falam em sexo? Riem também das agressões que gostariam de cometer, como no meme “amigo mesmo é quem chega dando uma voadora em quem lhe incomoda”. Freud desvendou a excitação que está presente tanto na sexualidade quanto na agressividade, gerando formas de prazer.
Impossível viver sem desafetos, evoluir é tolerar as diferenças. E a sabedoria é escolher melhor o que deveríamos repudiar. Hoje, no Brasil, não visualizamos um alvo comum, o antagonista a ser enfrentado.
É esse o impasse nacional, a falta de um consenso mínimo que nos permita brincar com a ironia do “não desejamos mal a quase ninguém”
Montserrat Martins, Colunista do EcoDebate, é Psiquiatra, autor de “Em busca da alma do Brasil”.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/07/2019
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A sociedade brasileira, já não se sustenta pois não á valores de coletivo, há valores de individualismo. Na sociedade brasileira, não se faz necessário amar quase ninguém, pois basta suporta-se , amar a si mesmo !