Yamazoe, da floresta e das árvores
Engenheiro agrônomo, ele dedicou a vida ao estudo das árvores brasileiras. E garante: elas podem ser rentáveis
O engenheiro agrônomo paulista Guenji Yamazoe sempre teve interesse pela área florestal. Mas, quando ingressou na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), o assunto era tão incipiente que havia apenas “uma cadeira de silvicultura”, conta. Mesmo assim, formou-se em 1963 e, dois anos depois, ganhou uma bolsa do Ministério de Educação do Japão para estudar nas Universidades de Hokkaido e de Kiushu. Por dois anos, aprofundou-se no estudo de florestas. Por Fernanda Yoneya, O Estado de S.Paulo, 21/01/2008
“Foi no Japão que meu interesse por florestas aumentou”, diz o nissei de 72 anos, nascido em Mairiporã (SP). Por ser um país montanhoso e de geografia acidentada, o território agricultável no Japão é limitado. Talvez por isso, lá exista uma grande tradição florestal: as florestas ocupam 68% do território – e 42% desta área, ou 10 milhões de hectares, são plantadas.
Para o agrônomo, existe uma estreita relação dos agricultores japoneses com o plantio de árvores. Lá, conta Yamazoe, “é uma necessidade, uma forma de garantir água para os cultivos de arroz e uma fonte de fornecimento de madeira”. Aqui, avalia, o cultivo de árvores é visto como obstáculo ao desenvolvimento da agropecuária.
A vida do engenheiro agrônomo se confunde com a do Instituto Florestal de São Paulo. Começou a trabalhar lá em 1968, quando o instituto ainda era chamado de Serviço Florestal e pertencia à Secretaria de Agricultura – hoje, é da Secretaria do Meio Ambiente. Recém-contratado, foi supervisionar uma unidade em São Miguel Arcanjo. “O serviço era puramente administrativo”, recorda. Yamazoe voltou à sede em 1970 e cuidou da parte orçamentária do órgão até 1980. Depois, assumiu a direção geral do instituto e em 1984 tornou-se diretor da divisão de Florestas e Estações Experimentais.
Andando pela área do instituto, Yamazoe mostra, orgulhoso, uma área de 2 mil metros quadrados, plantada em 1974 e 1976, com 32 espécies nativas. O plantio é chamado carinhosamente pelo agrônomo de “experiência de fundo de quintal”, já que o terreno fica no “quintal” da casa onde ele morou com a família por 36 anos. A área foi batizada de Bosque do Banzé, em homenagem ao cachorro da família que morreu na época e foi enterrado onde hoje está plantado um exemplar de jequitibá branco. Plantados em 1976, um jatobá e um pau-marfim são outras atrações do bosque e motivo de orgulho do agrônomo.
Yamazoe também se anima ao falar de um projeto recente de plantio. Em 2000, foi instalado no Parque Estadual Alberto Löfgren (Horto Florestal), no Instituto Florestal, na capital paulista, o Arboreto Comemorativo dos 500 Anos do Brasil, com o plantio de 500 árvores de 24 espécies nativas diferentes, mais 50 cerejeiras do Himalaia. O arboreto, com área de um hectare, marcou a comemoração de 500 anos do descobrimento do País e as cerejeiras simbolizam a cooperação entre Brasil e Japão. Universidades, escolas, empresas e associações que aderiram ao projeto pagaram R$ 100 por árvore. Hoje, o local recebe a visita de mais de mil estudantes de ensino fundamental por mês. Para o agrônomo, não existe método de educação ambiental mais eficiente. “Eles descobrem, por exemplo, que o pau-brasil ainda existe, que não está extinto.” Outra prova de que o investimento compensa é que o arboreto, em sete anos, já seqüestrou 39 toneladas de carbono.
Aposentado há dois anos, Yamazoe não se esquece do tempo em que trabalhou e morou no instituto. “A desvantagem de morar no trabalho era quando aparecia alguma emergência de fim de semana – normalmente algum incêndio – e não tinha como fugir”, ri. Mas não se arrepende: “Criei meus filhos lá e tinha a facilidade de morar perto do emprego. Sinto-me um privilegiado.”
MODELO DE CULTIVO
Este ano, Yamazoe planeja aproveitar os festejos do centenário da imigração japonesa no Brasil para divulgar e instalar os primeiros projetos na comunidade nipo-brasileira do projeto “Florestas de uso múltiplo”, modelo de cultivo florestal que pode tornar viável o plantio de árvores nativas com o auto-custeamento da produção. “É até irônico: embora o Japão tivesse tradição florestal, o trabalho de muitos imigrantes japoneses no Brasil era desmatar e abrir espaço para lavouras de café. Essa tradição de plantar árvores ficou adormecida por 100 anos.” Para ele, o desinteresse para as atividades florestais se explica pela falta de tradição florestal do Brasil e pela ausência de uma política florestal consistente e de incentivo. “A resistência de produtores em cultivar espécies nativas normalmente vem do alto investimento, demora no retorno financeiro e dificuldade técnica de manejo.”
Pelo modelo de reflorestamento proposto por Yamazoe, porém, investe-se na diversificação de produtos, em busca de um manejo sustentável da área produtiva. “Para o agricultor, que precisa de retorno econômico, o modelo pode ser adotado em áreas de reserva legal, que podem ser exploradas comercialmente.” A idéia é que o agricultor lucre enquanto a floresta for crescendo, com cultivos anuais (milho e soja, por exemplo), frutas e extração de madeira, com cada grupo plantado dentro de uma faixa e obedecendo a critérios agronômicos.
A curto prazo, em quatro a cinco anos, já haverá produção de frutos com potencial econômico, como araçá, uvaia, cambuci, cabeludinha, grumixama etc, além de sementes de espécies pioneiras, que têm crescimento rápido e vida curta. A médio prazo, a partir de 10 a 15 anos, o agricultor poderá lucrar com a extração de madeira branca, como guapuruvu, tamboril, anda-açu e caixeta, além da produção de palmito juçara, cujos frutos podem ser aproveitados para a produção de alimento. A longo prazo, em 30 anos, já haverá a possibilidade de produzir madeira nobre, como jatobá, jequitibá e guanandi. Para o agrônomo, o mais importante é não ficar se lamentando sobre o desmatamento e investir no replantio de árvores nativas, “que não demora e não é tão difícil quanto se pensa”. A fiscalização ostensiva adotada para frear o desmatamento, para ele, é ineficiente e cara.
Yamazoe espera que, assim como os primeiros 100 anos da imigração japonesa foram marcados pela excelência da comunidade nipo-brasileira na produção agrícola, o próximo centenário seja lembrado pelo avanço das atividades florestais no País, de forma a conciliar preservação ambiental e ganhos produtivos. “Ao longo dos anos, temos constatado uma consciência florestal da comunidade, o que me leva a apostar em uma mobilização para um plano de reflorestamento.” Para ele, é preciso pensar além dos ganhos econômicos. “Em termos ambientais, ter um jatobá na propriedade é uma valorização e tanto. Vale a pena cortá-lo para extrair a madeira ou não?”, questiona. “Penso que mesmo que não haja um centavo de lucro, o saldo será positivo. Em último caso, sobra a floresta, o que já é muita coisa.”
Sementes não germinaram, mas são símbolos
O Instituto Florestal manteve, por 25 anos, uma rica parceria técnica com a Japan International Cooperation Agency (Jica), órgão do Ministério dos Negócios Estrangeiros do governo japonês. De abril de 1979, com o início do projeto Pesquisas Florestais no Estado de São Paulo, a abril de 2004, com o encerramento do projeto Pesquisa em Conservação de Florestas e do Meio Ambiente, foram compartilhadas pesquisas nas áreas de manejo de bacias hidrográficas, recuperação
florestal e controle de erosão.
O agrônomo Guenji Yamazoe relata que, em 1951, o instituto recebeu uma carta do reitor da Universidade de São Paulo (USP) com uma solicitação do reitor da Universidade de Hiroshima, que pedia mudas e sementes. A solicitação, conta Yamazoe, fazia parte de uma campanha de recuperação de áreas verdes da cidade japonesa, que havia sido atingida pela bomba atômica em 1945, fato que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial. Foram enviadas pelo então Serviço Florestal sementes de 20 espécies, das quais 19 eram de plantas nativas. Em julho de 1992, quase 40 anos após a campanha, Yamazoe, em viagem ao Japão, passou pela Universidade de Hiroshima, onde teve acesso às sementes enviadas, todas catalogadas e registradas. “A germinação das sementes deve ter sido nula, pois foram pelo menos dois meses de viagem de navio. Mas o valor simbólico do gesto marcou definitivamente as atividades do Instituto Florestal.”