‘O Inferno são os outros’, artigo de Montserrat Martins
Imagem: Corbis
Causa espanto à opinião pública, no mundo todo, que até o prédio da ONU tenha sido alvo do bombardeio israelense em Gaza, assim como escolas, hospitais, centros de imprensa, locais de ajuda humanitária… Sendo que a própria criação do Estado de Israel, em 1948, decorreu de sua aprovação na ONU (num momento histórico, em que o gaúcho Oswaldo Aranha era seu secretário-geral), o que faria este país atacar instituições internacionais que garantiram seu próprio direito à existência como uma nação independente ? Recém findo o holocausto vivido na Segunda Guerra, a criação deste Estado significaria também uma esperança futura de paz, um local para que um povo perseguido pudesse ter seu próprio território. Sabemos que isso não é fácil quando há grupos extremistas – como o Hamas – que até hoje não reconhecem o direito à existência de Israel e recorrem ao terrorismo para isso. É natural que Israel queira se defender do Hamas, uma ameaça real, mas porque o descaso com a vida de tantos civis inocentes e instituições humanitárias internacionais ?
Numa famosa carta de Einsten a Freud, o físico que é considerado o maior gênio da história da humanidade pede ao psicanalista: “Seria da maior utilidade para nós todos que o senhor apresentasse o problema da paz mundial sob o enfoque das suas mais recentes descobertas, pois uma tal apresentação bem poderia demarcar o caminho para novos e frutíferos métodos de ação”. Ao responder, Freud termina sua carta se desculpando ao dizer que “me perdoe se o que eu disse lhe desapontou”, após expor que a solução para a guerra seria o processo de “civilização” dos povos, porque “tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra”, mas “por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará, não podemos adivinhar”.
A esperança de Freud, portanto, residia na longa jornada civilizatória, na qual “sensações que para os nossos ancestrais eram agradáveis, tornaram-se indiferentes ou até mesmo intoleráveis para nós”. Mas como explicar que entre o tão sofrido e perseguido povo judeu, vítima de um holocausto, seja aceitável a morte de centenas de civis inocentes, numa ofensiva violenta que desconsidera os esforços mais elevados da civilização internacional, representado pela ONU e órgãos humanitários ? Como pode um Estado com um povo tão culto e tão sofrido, vítima da barbárie do holocausto, cometer atos que agora vem chocando a humanidade ?
Para além da resposta que Freud conseguiu dar a Einsten, há uma máxima de Sartre que especifica o “ponto máximo” do processo de “civilização”, a compreensão de nossa percepção habitual de que “o inferno são os outros”, ou seja, de que nossa maior dificuldade humana está em ver em nós a nossa própria participação na violência, que atribuímos sempre como tendo causa nos outros. O ápice do processo civilizatório, então, seria desenvolvermos a capacidade de empatia, na qual para um israelense fosse tão dolorosa a morte de uma criança palestina, quanto para um palestino a morte de uma criança israelense. Não basta não ter prazer com a guerra – já que Israel alega que sua ofensiva é uma defesa contra os foguetes do Hamas. Para que não haja guerra, é necessária a compreensão empática de que todos são humanos, seja qual for sua raça ou religião.
Montserrat Martins – Psiquiatra da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Porto Alegre-RS.
* Artigo enviado por Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente da ong Ambiental Acqua Bios e da Academia Livre das Águas, e-mail: ana@ecoeacao.com.br, website: http://www.ecoeacao.com.br
[EcoDebate, 15/01/2009]
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