Crescimento populacional e colapso social e ambiental de Moçambique, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Crescimento populacional e colapso social e ambiental de Moçambique
[EcoDebate] Moçambique vive uma situação de colapso ambiental. As figuras abaixo mostram como o país foi desflorestado de maneira implacável e rápida em menos de 20 anos. As imagens de satélite mostram o desmatamento em Moçambique de 2000 (esquerda) para 2012 (centro) e as projeções para 2019 (direita), segundo dados do próprio governo de Moçambique.
Moçambique tinha uma situação confortável de superávit ambiental, como mostram os dados da Global Footprint Network. Em 1961, a biocapacidade per capita era de 6,6 hectares globais (gha) para uma pegada ecológica per capita de somente 0,83 gha. Porém, mesmo mantendo uma pegada ecológica muito baixa (de 0,87 gha em 2014) a biocapacidade do país diminuiu radicalmente e atingiu apenas 1,9 gha em 2014. No ritmo dos últimos 50 anos, Moçambique terá déficit ambiental na próxima década.
A economia de Moçambique cresceu durante o superciclo das commodities, especialmente em função da exploração de petróleo e gás. Mas o crescimento da renda per capita passou de algo em torno de US$ 400 na década de 1990 para pouco mais de US$ 1 mil na atual década. Apesar de ter quase triplicado a renda, o país continua um dos mais pobres do mundo e com IDH de somente 0,437, em 2017 (o 180º lugar no mundo). Além do mais a renda apresentou sinais de estagnação a partir de 2016.
Outro problema é a concentração da renda, pois segundo relatório do Banco Mundial, o crescimento anual do consumo familiar per capita, entre 2008 e 2014 foi de 7% para os 20% do topo da pirâmide social e de 2,6% nos 40% da base da pirâmide. A extrema pobreza atinge 50% da população, sendo que 80% dos pobres estão no meio rural.
Os desafios de Moçambique são imensos, pois além de ser um país pobre e muito desigual, sofre com a alta degradação ambiental e o crescimento populacional é um dos mais rápidos do mundo. A população moçambicana era de 6,2 milhões de habitantes em 1950, passou para 30,5 milhões em 2018, deve alcançar 68 milhões em 2050 (crescendo mais de 10 vezes em 100 anos) e 135 milhões de habitantes em 2100 (crescendo cerca de 20 vezes em 150 anos), segundo as projeções médias da Divisão de População da ONU, apresentadas no gráfico abaixo.
Com apoio internacional, as taxas de mortalidade caíram, mas a natalidade continuou alta, apresentando um ritmo lento de transição demográfica em Moçambique. A mortalidade na infância que estava acima de 350 por mil na década de 1950, caiu para menos de 100 por mil no início dos anos 2000 e deve ficar abaixo de 50 por mil em 2050. A taxa de fecundidade total (TFT) que estava em torno de 7 filhos por mulher em 1950 caiu lentamente e ainda está acima de 5 filhos por mulher atualmente. Isto coloca o país com uma das maiores TFTs do mundo. Significa que a população vai continuar crescendo em ritmo acelerado.
Em consequência da lenta transição demográfica, Moçambique possui uma estrutura etária muito jovem, com uma base da pirâmide populacional muito larga. Neste quadro, a razão de dependência também é muito alta e o peso das gerações de crianças e jovens dificulta a decolagem do desenvolvimento e tendem a manter o país preso na armadilha da extrema pobreza.
Nesta situação de muita pobreza, desigualdade social e degradação ambiental, Moçambique foi devastada pelo ciclone Idai, que atingiu o sudeste da África, causando mais de mil mortes e deixando milhões de pessoas em precária situação de sobrevivência. Toda a infraestrutura do país foi severamente afetada pelo ciclone Idai, sendo que milhares de casas, escolas e hospitais foram destruídas e as áreas de cultivo foram inundadas. Segundo estimativas de especialistas, mais de 700 mil hectares de terras agrícolas foram danificadas pelas inundações. Seis semanas depois, um outro ciclone, Kenneth, atingiu Moçambique no dia 25 de abril de 2019, deixando um rastro de destruição no norte do país. Estes fenômenos climáticos extremos devem se transformar em um novo normal e podem transformar os países litorâneos em áreas de difícil habitabilidade.
Somente com a ajuda internacional a situação do povo de Moçambique pode ser minorada, diante de tanta dificuldade. Mas, com certeza, levará muito tempo para que a nação seja reconstruída, sendo que novos efeitos climáticos extremos podem se tornar frequentes na região. O fato é que Moçambique precisa avançar na transição demográfica para aproveitar as vantagens de uma estrutura etária favorável e dar um salto de qualidade de vida.
O apoio da comunidade internacional é fundamental, mas os moçambicanos precisam tomar consciência de seus problemas e tomar medidas para sair da armadilha da extrema pobreza. A ajuda para se levantar é essencial, mas são os próprios moçambicanos que devem caminhar de maneira independente e sustentável.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Referências:
Banco Mundial. Actualidade Económica de Moçambique: Redução na Pobreza, mas Aumento da desigualdade, 14/11/2018
https://www.worldbank.org/pt/country/mozambique/publication/mozambique-economic-update-less-poverty-but-more-inequality
Jill Schwartz. Mozambique Moving Forward With National Natural Capital Program, July 25, 2016
https://naturalcapitalproject.stanford.edu/mozambique-moving-forward-with-national-natural-capital-program/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/04/2019
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