Crimes socioambientais e o modelo de educação cartesiana, artigo de Eloy F. Casagrande Jr
[EcoDebate] Muita reflexão pode ser feita sobre os crimes ambientais da Vale em Brumadinho e da Samarco em Mariana, em Minas Gerais. Quando um “acidente” que poderia ser evitado acontece, não existe somente uma causa, geralmente é um escalonamento de erros técnicos e humanos, negligencia e excesso de confiança. Podemos citar outros casos semelhantes, sem a grande perda de vidas como estes, mas com enormes impactos socioambientais, quando houve vazamentos de óleo cru de duas refinarias da Petrobrás.
Primeiro no Rio de Janeiro, no ano 2000, quando 1,3 milhões de litros de óleo cru foram lançados na baía de Guanabara pela Refinaria Duque de Caxias. A mancha de óleo se estendeu por uma faixa superior a 50 quilômetros quadrados, atingindo o manguezal da área de proteção ambiental de Guapimirim e diversas praias que são banhadas pela baía. Seis meses depois, no município de Araucária, no Paraná, era a vez do vazamento na Refinaria Getúlio Vargas, onde 4 milhões de litros de óleo cru que poluiu os rios Barigui e Iguaçu até as proximidades do município de Balsa Nova, a mais de 40 km rio abaixo. Nos dias que sucederam ao vazamento, o cenário era de destruição. Em alguns trechos era possível ver a mancha escura do óleo cobrindo o leito do rio e muitos animais mortos. Em ambos os prejuízos econômicos também foram grandes ao impedir o sustento de pescadores e ribeirinhos que vivem nas regiões. Como no caso das barragens de minérios, foi necessária uma segunda tragédia para que as empresas tomassem uma outra atitude quanto as medidas de correção e prevenção a serem implementadas. Se compararmos os casos, vemos que mesmo após ter sido acendida uma luz vermelha, no caso da baía de Guanabara e de Mariana, pouco foi feito para se evitar um segundo “acidente” de maiores proporções.
Porque isto ocorre? Podemos falar da importância dos lucros da empresa e dos seus acionistas sobrepondo-se a preservação ambiental, como também da negligencia do poder público em todas suas esferas, dos licenciamentos facilitados a falta de uma fiscalização mais rígida, da pressão em cima de prefeitos, de lobbies de vereadores, deputados e senadores, que tendo campanhas financiadas por estes setores, os defendem sem ver as consequências dos seus atos. No entanto, podemos também analisar mais profundamente estas ações pelo viés da educação. Todos os atores destas tragédias bem ou mal, receberam uma formação e foram eles que tomaram as decisões, independente dos cargos que ocupam. Técnicos, engenheiros, doutores, CEOs ou mesmo políticos, que tenham cursado apenas o ensino médio, passaram uma boa parte de suas vidas em salas de aulas. Como foi esta formação? O que aprenderam além das leis da física, das fórmulas matemáticas, dos cálculos para construírem tubulações ou barragens, sobre gestão administrativa, gerenciamento de segurança e saúde no trabalho, sistemas de gestão ambiental, marketing político ou empresarial? Que valores lhes foram transmitidos? Quais as questões morais e a ética foram discutidas de acordo com suas profissões? Como a visão mecanicista cartesiana, sem o desenvolvimento da aprendizagem crítica e reflexiva induz a um comportamento egoísta e predador?
O Brasil tem desde 1999, a Lei no 9.795/99, Lei da Educação Ambiental (EA), como ficou conhecida. Aprovada pelo seu Congresso Nacional e sancionada por um presidente, que no seu Artigo 1o, deixa claro o seu propósito: “Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.”
No artigo 4°, são expressos os princípios básicos da EA, citando aqui alguns principais e destacando o direcionamento transdisciplinar que tem devia ter: I – o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; II – a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade; III – o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade; IV – a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas social.
No Artigo 9o, que trata da EA no Ensino Formal, deixa claro que a educação ambiental deve ser inserida na educação escolar e desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, englobando a) educação infantil; b) ensino fundamental e c) ensino médio; II – educação superior; III – educação especial; IV – educação profissional e V – educação de jovens e adultos.
E finalmente no Artigo 10o, também se chama a atenção para a transversalidade que a EA deveria ter: “A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal.” Deixando claro no inciso 1o: “A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino”.
Basta uma rápida vista nos currículos dos cursos das nossas instituições de ensino, de todos os níveis, para ver que isto não acontece. A tradição da educação mecanicista cartesiana se sobrepõe aos valores socioambientais. No ensino médio, isto se expressa no modelo da decoreba e dos testes, onde o preparo se concentra para o aluno passar no vestibular e alcançar uma vaga na universidade. Quanto ao ensino superior, o foco fica no “saber fazer”, apertar o botão, fazer funcionar, com pouca ou nenhuma consideração pela ética, preservação ambiental e proteção social.
A preocupação não é mais formar cidadãos, mas “soldados” para o capital! Vemos isto praticamente em todos os cursos, principalmente na áreas das exatas, do ensino das engenharias, passando pela administração, o direito e a economia. O modelos se repete, onde a regra é se colocar uma disciplina isolada para tratar dos “assuntos da natureza”, sem uma visão sistêmica e interdisciplinar. A transversalidade significa que cada disciplina do curso deveria ser conduzida com uma interface ambiental, demonstrando que os procedimentos e os métodos ali ensinados têm consequências danosas para o meio ambiente e as pessoas. Infelizmente o futuro profissional não vê nada disto, sendo que os próprios currículos engessados ditados pelo Ministério de Educação (MEC) muitas vezes não permitem a mudança.
Ao passarem para a vida profissional, onde o mercado da competição dita regras, estes profissionais se tornam cordeiros obedientes que seguem seu pastor. Não há espaços para questionamentos (pois não aprenderam!), e os que o fazem, sofrem discriminação, são ridicularizados em público, excluídos de decisões importantes, taxados de tolos por não “quererem ganhar dinheiro fácil” ou “ecochatos” e outros pejorativos que ambientalistas já estão acostumados a ouvir.
Por outro lado, fora dos bancos escolares, vemos a partir dos anos 90, em todas as mídias, documentários, campanhas, filmes, acordos internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU), alertas das Organizações Não Governamentais (ONGs) ambientalistas, que o caminho do desenvolvimento econômico que o mundo adotou é insustentável a médio e longo prazo! Não se pode dizer que não temos conhecimento dos fatos, como das mudanças climáticas devido o Aquecimento Global, a poluição dos nossos meios hídricos, do ar e do solo, da extração irresponsável de recursos naturais não renováveis, da perda da nossa biodiversidade, e que tudo, isto pode levar a extinção da nossa própria espécie! Para quem ainda tem dúvidas que civilizações inteiras desaparecem por decisões inconsequentes em relação ao meio ambiente, sugiro a leitura do livro “Colapso”, do Dr. Jared Diamond. Lá encontrarás relatos muito interessantes além das ficções sobre o fim do mundo produzidas para o cinema por Hollywood!
Sim, crimes ambientais poderiam ser evitados se soubéssemos educar nossas crianças, nossos jovens, nossos profissionais, de outra forma. Ou como dizia Paulo Freire: “Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda.”
Prof. Eloy F. Casagrande Jr. PhD em Eng. de Recursos Minerais em Meio Ambiente pela Universidade de Nottingham (Reino Unido); Pós-doutor em Inovação e Sustentabilidade pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa (Portugal), Coordenador do Escritório Verde e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Curitiba.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 07/02/2019
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