Caos e destruição por causa das chuvas têm um só culpado: o poder público. O aquecimento global é inocente
Desde novembro, os capixabas assistem no Estado a dias de chuvas fortes e contínuas, responsáveis por enchentes, enxurradas, deslizamentos, quedas de pontes e aumento do nível dos rios. Segundo a meteorologista Ellen Nóbrega, do Centro Capixaba de Meteorologia e Recursos Hídricos (Cecam), do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), em novembro choveu três vezes acima do esperado, uma média de 400 milímetros na região litorânea. Já dezembro se manteve na média. Mas o que vem por ai não se pode prever. Matéria do Século Diário, Vitória (ES), edição de 10 de Janeiro de 2009.
Isso porque, apesar de dezembro ter mantido um nível esperado, esse volume de chuva pode desmoronar em um dia apenas, ou seja, pode ser mal distribuído, causando sérios riscos para a população. No Estado, a má distribuição das chuvas foi quase uma rotina. As águas invadiram casas, escolas, um hospital em Fundão foi interditado, uma ponte cedeu próximo a Alegre, a estrada foi tomada pela água em Ibiraçu, entre outras centenas de casos.
Diante disso, o que se vê pelas ruas inundadas, além do desespero de quem perdeu tudo, são previsões de dias piores, e ainda “que tudo é culpa do aquecimento global”. Isso não é verdade.
Para a meteorologista Ellen Nóbrega, trata-se de um fenômeno natural que não atingiu só o Espírito Santo, mas as regiões Sul e Sudeste do País, e que pode ser perfeitamente explicado.
“Estamos na época das chuvas. Todo ano isso se repete. Um ano mais intenso, outro menos. Mas não posso falar que isso é mudança climática. Estamos vivendo dias quentes como todo verão, em média 34 graus. Essa temperatura, associada à umidade do Atlântico e da Amazônia, forma as nuvens de tempestade. E são elas que trazem as chuvas fortes, as tempestades, os vendavais e as descargas elétricas”, disse Ellen.
Já para o capitão Anderson Pimenta, do Corpo de Bombeiros do Espírito Santo, “trata-se de uma chuva sem precedentes no Espírito Santo”. Nem a chuva que caiu sobre o Estado em 2004 – considerada até novembro como a mais agressiva – pode ser comparada aos estragos causados por esta temporada, segundo ele.
Segundo dados da Defesa Civil, não há pessoal suficiente para atender a tantas demandas. Faltam departamentos atuantes nos municípios, principalmente no que diz respeito à prevenção, ou seja, muitos não possuem dados sobre construções em áreas de risco, leitos de rios, entre outros riscos.
Mas a chuva intensa e contínua não dá descanso à população, nem aos poucos que precisam garantir sua segurança. Neste contexto, os atendimentos são feitos por prioridade, de acordo com cada risco.
“A Defesa Civil não consegue dar conta, estamos atendendo por prioridades e contando com as defesas civis municipais, sendo que muitas estão praticamente desativadas devido à transição dos governantes após as eleições”, ressaltou o capitão.
Como se vê, a situação é caótica e não adianta culpar o aquecimento global. Ambientalistas alertam que os problemas são gerados pela própria postura da população e seus governantes, e não apenas pela intensidade das manifestações naturais. Para eles, é necessário que no decorrer do ano haja campanhas para alertar sobre áreas de risco, mudanças na infra-estrutura da cidade, limpeza constante, entre outras medidas. Sem isso, garantem, os desastres irão continuar.
Para evitar as chuvas nada pode ser feito. Mas para evitar os desastres, alertou Pimenta, é necessária a atuação constante das sefesas civis municipais. Segundo ele, é dever dessas repartições analisar durante o ano as situações de risco, com o objetivo de orientar e melhorar as condições de vida das pessoas que vivem nessas condições, evitando assim possíveis desastres.
É ainda necessário que haja discernimento dos governantes, como alertam as autoridades. Com a troca de prefeitos, muitos desativaram as defesas civis para escolher uma nova equipe, agravando ainda mais o problema. As que não estão desfeitas acabaram se formando durante a ocorrência das chuvas, o que não ajudou muito, já que os novos prefeitos não levam em consideração a experiência das antigas equipes, segundo informação divulgada pela Defesa Civil Estadual.
Este problema não ocorre apenas no Estado. A informação é deque a falta de dados e de equipes preparadas é um dos principais fatores para o falta de socorro imediato daos afetados pela chuva.
Até 31 de dezembro, dos 5.563 municípios brasileiros, aproximadamente 1.360 não contavam com uma Defesa Civil municipal. No Estado, esse número ainda não foi contabilizado. Sabe-se apenas que os municípios mais afetados pelas chuvas foram Alegre, Apiacá, Barra de São Francisco, Bom Jesus do Norte, Cachoeiro de Itapemirim, Domingos Martins, Guaçuí, Ibatiba, Ibiraçu, Itarana, Iúna, João Neiva, Mimoso do Sul, Santa Leopoldina, Santa Maria de Jetibá, Fundão, Muniz Freire, Marechal Floriano, São José do Calçado, Vila Pavão, Pancas, Afonso Cláudio, Linhares, Colatina e Vila Velha.
Mais de quatro mil casas foram danificadas pelo aumento do nível de água ou deslizamentos de encostas. Ao todo, foram contados 10.250 desalojados, ou seja, pesosas que precisaram deixar suas residências e se encontram de casas de amigos ou parentes. Outras 4.241 pessoas estão desabrigadas e foram acolhidas em abrigos públicos ou em escolas.
Já deram entrada de decretos para a decretação de Situação de Emergência os municípios de Jerônimo Monteiro, São José do Calçado, Bom Jesus do Norte, Marechal Floriano, Água Doce do Norte, Itapemirim, Vila Velha, Santa Leopoldina, Domingos Martins, Baixo Guandu, Iconha, Viana, Irupi, Alegre, Mimoso do Sul, Vargem Alta, Ibatiba, Itarana, Apiacá e Guaçuí.
Com o reconhecimento do governo federal, o decreto de Situação de Emergência também permite, em algumas situações, que os moradores afetados possam sacar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ou ainda que agricultores tenham prazo estendido para pagar empréstimos rurais.
A partir da análise da temperatura do oceano, influência dos ventos, entre outros fatores, a meteorologista Ellen Nóbrega afirma que há a expectativa de que ainda chova um total de 200 milímetros até o final de janeiro, o que pode ocorrer de forma distribuída ou não, trazendo ainda mais transtornos para a vida do capixaba. Ela explica que a população terá que conviver com as chuvas até março, quando é encerrada a época das chuva. Até lá, deverão sofrer os municípios das regiões serrana, oeste, noroeste, norte e a região do Caparaó.
Diante disso, a orientação da Defesa Civil é para que os capixabas saiam o mais rapidamente possível dos locais de risco e se abriguem em casas de familiares e que dêem prioridade à vida e não aos bens materiais.
E o aquecimento global?
Apesar da resistência de vários setores que buscam justificar o aumento de chuvas ao aquecimento global, os debates sobre o assunto não cessam. Entretanto, grande parte dos especialistas alerta que é precoce afirmar que as chuvas que atingiram o Sul e o Sudeste do País sejam conseqüência do Efeito Estufa.
Há, sim, aqueles que defendem essa tese. Segundo o climatologista Carlos Nobre, do Centro de Pesquisa do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em entrevista para a “Folha de S. Paulo”, as conseqüências da emissão de gases do efeito estufa já podem ser avaliadas na região Sudeste do Brasil.
Um estudo publicado na “Science Express”, associada à revista “Science”, também afirma que durante os próximos cem anos as chuvas poderão aumentar três vezes mais se a emissão de gases causadores do aquecimento for mantida.
Entretanto, até agora todas estas afirmações foram descartadas pelos meteorologistas. A explicação mais aceita no momento é que algum fenômeno climático esteja por trás das chuvas. Segundo informações do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe), divulgadas em “O Globo”, a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) gerou um bloqueio, ou seja, um encontro de massas de ar tropical que vêm do Atlântico Norte e da região amazônica, com outras massas que vêm do Atlântico Sul e que acabaram ficando paradas em cima das regiões afetadas.
Esse fenômeno foi classificado pela meteorologista do ClimaTempo Aline Tochio como um típico fenômeno de verão. “Concordo com todos aí. Não tem a ver com aquecimento global. A frente fria que entrou no ano passado ficou bloqueada pelo ar seco que estava no Nordeste e que é mais denso que a massa de ar frio. Com o vento úmido que sopra do mar para o continente seria inevitável que não chovesse. Afinal, é uma frente fria parada sendo alimentada pela umidade do oceano”, explicou.
Conclusões à parte, o fato é que a população está sentindo que as chuvas estão a cada ano mais intensas, seja pela força, pelo volume de água ou mesmo pelo curto período em que as ruas trocam de cara e viram praticamente rios, restando, desta forma, aos municípios se organizarem. Afinal, o próximo ano virá e, com ele, fenômenos semelhantes vão acontecer. A chuva, alertam os especialistas, não há como ser detida, mas há, sim, como cobrar do poder público medidas preventivas tanto na estrutura das cidades como na área da Saúde, evitando mortes como as duas já registradas no Espírito Santo por leptospirose.
Com a falta de estrutura apresentada pelas municipalidades em todo o País, como, por exemplo, a ausência de dados sobre pessoas que vivem em áreas de risco no Estado, o alerta da Secretaria Nacional de Defesa Civil é que outras mortes podem ocorrer em toda a região afetada com a continuidade das chuvas.
[EcoDebate, 13/01/2009]
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