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‘Expertise’ e governança ambiental, Parte 2/6, artigo de Roberto Naime

 

artigo

 

[EcoDebate] LÉTORNEAU (2014) manifesta que a “expertise” se desenvolveu porque as questões a serem tratadas são altamente complexas e demandam uma abordagem extensiva e competente. Sempre se ressalta neste espaço a complexidade que é a característica da sociedade moderna.

Se faz apelo ao especialista porque qualquer outro não estaria em condições de tratar essas questões de maneira igualmente satisfatória. Esse processo é resultado direto da especialização, a qual se desenvolveu progressivamente e continua a fazê-lo. Mas deve manter a visão holística e não sucumbir aos apelos de fragmentação.

Esse processo está também ligado a uma estrutura de custos e de riscos que pertence a diferentes domínios de objetos ou preocupações. Solicitam-se os “experts” para tomar a boa decisão porque esta implica enfrentar os riscos apresentados pela situação de maneira eficaz e porque se deve chegar a ela em uma estrutura de custos aceitável.

Ocorre demandar por uma opinião especializada precisamente porque ela responde a necessidades que não poderiam ser tratadas adequadamente de outro modo.

Uma grande vantagem da “expertise” é que muitos pontos não precisam ser explicados em detalhe e podem ser rapidamente comunicados, por resumos ou acrônimos.

A rapidez de comunicação permite também uma velocidade maior nos tratamentos do caso em questão. A expertise é assim um fenômeno de grupo, há comunidades de especialistas que são necessárias para o seu exercício. E uma resultante da crescente complexidade social.

O poder do conhecimento especializado vem de seu monopólio relativo sobre um campo de questões e repousa também sobre seu caráter mais ou menos indispensável. Em uma sociedade complexa, é um poder intangível.

Ocorre manifestar que isto gera um potencial de chantagem ou de dependência vindo desses especialistas ou daqueles que tornam acessíveis estas interpretações.

Por isso um medo e um ressentimento mínimo surgem na população, que nutre uma dose de respeito e até temor pelo caráter prestigioso do especialista. LÉTORNEAU (2014) ressalta que por essa razão, temos forçosamente necessidade também, como sociedades, de possuir certos mecanismos que nos confiram poder sobre os peritos. E a maioria deles estima preferível, sem dúvida, controlar-se a si mesmos.

Mantendo a autonomia, mas já se sabe que isto torna a sociedade refém dos especialistas. Que geram aura de mistificação desnecessária e muitas vezes manipuladora.

As “expertises” são domínios de prática, lugares de intervenção, campos privilegiados que são vistos como reservados a certas pessoas, espécies de territórios no interior dos quais um especialista se encontra como senhor em seu reino.

As “expertises” são muito frequentemente ligadas às práticas profissionais e são demandadas justamente por causa disso.

Quer se trate do encanador ou do cirurgião especializado num certo domínio, o “expert” é sempre ao mesmo tempo reconhecido por uma comunidade de especialização. E se distingue assim, do homem leigo, que não é um “expert”.

Obter e conservar uma “expertise” exige uma certa dose de esforço e dedicação de tempo, que especifica e distingue o “expert” de todos os outros. Com efeito, tempos de formação mais ou menos longos são necessários e a “expertise” deve também manter-se por um processo contínuo de atualização.

Quais são as extremidades do espectro da expertise. Certamente, o “expert” está separado e é distinto dos outros. Cada pessoa que sabe escrever possui uma expertise, mas isso não a torna um “expert” na escritura.

Os engenheiros, mas também os marceneiros e trabalhadores menos especializados, podem reclamar uma “expertise”. Sempre que um saber prático ou teórico tem necessidade de ser explicado, ensinado e praticado para ser compreendido, tem-se um tipo de “expertise”.

As “expertises” podem também ser hierarquizadas, há o cirurgião e o super-cirurgião com uma reputação que ultrapassa fronteiras.

LÉTORNEAU (2014) diz que há expertises mais leves de adquirir e conservar do que outras. Numa extremidade do espectro, certos saberes práticos são relativamente fáceis de adquirir, enquanto, na outra extremidade do mesmo espectro, eles o são muito pouco, até se tornarem muito difíceis de se adquirir ou muito custosos para produzir e obter, ou mesmo para se conservar.

Como o mercado não dá informações adequadas sobre o valor das coisas, contrariamente ao que pretende o mito do mercado, o custo da expertise para terceiros não é necessariamente proporcional à sua raridade ou à dificuldade de obtê-la (VICTOR, 2008).

Qualificando os saberes práticos e técnicos como sendo “expertises”, tenta-se pelo menos situá-los no mesmo patamar de outros saberes mais “profissionais”. A “expertise” não é somente a propriedade de uma casta de diplomados tendo um título reconhecido por uma universidade ou outra instituição prestigiosa de formação (AGRAWAL, 1995).

As “expertises” práticas são às vezes tão incomunicáveis a terceiros como aquelas dos universitários, podendo igualmente ser indispensáveis. São saberes que se aprendem tanto no espaço de trabalho quanto nas escolas e que têm caráter especializado e não evidente para terceiros.

As visões da “expertise” são muito diferenciadas. Certos atores e autores reivindicam o título de “experts” para certos grupos, definindo, por exemplo, o que é um especialista, de um ponto de vista jurídico, em seguro, propriedade intelectual, imobiliário, ou questões técnicas e científicas.

Existem, assim, associações de especialistas como se fossem antigas corporações da pré-revolução francesa. Outros têm uma visão mais ampla da “expertise”, uma visão mais inclusiva, similar ao que se concebe. Especializações não devem ser mistificações ou apanágios.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

 

Nota da redação: Sugerimos que leia, também, a parte anterior desta série de artigos:

‘Expertise’ e governança ambiental, Parte 1/6

 

Referências:

AFEISSA, H. F. (Ed.). Éthique de l’environnement. Paris: Vrin, 2007.

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LÉTOURNEAU, Alain, O problema da expertise e as questões da governança ambiental, Sci. stud. vol. 12 no. 3 São Paulo jul./set. 2014, http://dx.doi.org/10.1590/S1678-31662014000300007

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/11/2018

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