Flexibilização ou cumprimento da legislação florestal: Quem está com a razão? artigo de André Lima
Têm razão as organizações não-governamentais que propõem um Pacto pelo Desmatamento Zero na Amazônia e o cumprimento da legislação florestal? Têm razão os ruralistas que propõem modificação na legislação florestal pela consolidação das ocupações históricas? Penso, logo existo! Então vejamos.
Além das nove ONGs proponentes do Pacto pelo Desmatamento Zero na Amazônia, proposta lançada no Congresso Nacional, no dia 3 de outubro de 2007, algumas das principais lideranças políticas nacionais que atuam no setor agropecuário têm afirmado concordância em relação à tese de que não é preciso desmatar mais nada na Amazônia para o País consolidar e expandir a produção agropecuária nacional. Cito apenas alguns desses ícones do agronegócio brasileiro que já concordaram publicamente com a assertiva, motivo pelo qual não há porque omitir: ministro da Agricultura Reynhold Stephanes, governador de Mato Grosso Blairo Maggi, secretário de Meio Ambiente de São Paulo Xico Graziano, deputado federal de Mato Grosso Homero Pereira, que é presidente da Federação dos Agricultores de Mato Grosso, professor Roberto Rodrigues ex-Ministro da Agricultura.
Mas por que esse consenso não se torna realidade? O INPE divulgou no final de novembro que 2008 foi mais um ano de massacre florestal na Amazônia, quase 12.000 km2, o que representa pelo menos mais 180 milhões de toneladas de Carbono na atmosfera. Em extensão territorial, chegamos próximo do valor mais baixo da história, entretanto retomamos a curva de alta, interrompendo três anos consecutivos de quedas significativas. Então o consenso pelo Desmatamento Zero seria um daqueles que a ex-ministra Marina Silva batizou de “consenso oco”?
O Plano Nacional de Mudanças Climáticas lançado na semana passada pelo presidente da República fala em recuperar mais de 100 milhões de hectares de pastos degradados no país. A média da produtividade da pecuária em Mato Grosso, por exemplo, estado líder da produtividade agropecuária na Amazônia, é inferior a uma cabeça de gado por hectare, ocupando algo próximo de 25 milhões de hectares do Estado. Um desperdício de solo e floresta inaceitável.
Paralelamente, há um movimento pela alteração do Código Florestal, Lei Federal 4.771 de 1965, que, com as alterações promovidas pela Medida Provisória 2166/01, determina que na Amazônia os imóveis rurais (propriedades ou posses) devem manter, no mínimo, 80% das florestas que, embora não possam ser objeto de corte raso (supressão total), podem ser exploradas sob manejo, dada a evidente aptidão florestal da região.
Alegam os produtores rurais que a Lei nunca foi cumprida, que a culpa é do governo que não fiscalizou, que não é uma lei e sim uma medida provisória, portanto, não tem legitimidade, que a regra foi alterada no meio do jogo, quando produtores rurais já haviam adquirido seus imóveis para utilizar no mínimo 50% de sua área, que as limitações de uso deveriam ser estabelecidas pelo Zoneamento Ecológico-Econômico. Apenas para citar alguns dos “bons” argumentos dos produtores rurais.
Pois bem, por um lado todos concordam (em tese) com a tese do Desmatamento Zero na Amazônia, enquanto os tratores e serras continuam a operar na região e a produtividade média da pecuária permanece inferior a uma cabeça de gado por hectare, ocupando cerca de 70% da área total já desmatada na Amazônia. Por outro lado, há um movimento por “flexibilização” incondicional da lei florestal, capitaneado agora pelo Ministro da Agricultura, para permitir que áreas desmatadas que estejam em uso agropecuário sejam mantidas como tal, portanto, para não aplicar a lei àqueles que, ou desmataram antes da mudança da regra da reserva legal florestal (que era de 50% e passou a ser de 80%), ou aos que mesmo depois da nova regra (junho de 1996, com nova alteração em maio de 2000) a ignoraram solenemente.
Fosse apenas isso! Mais que isso, os agroflexibilistas pleiteam que a anistia geral também se estenda para os que ocuparam mais de 80% de seus imóveis rurais no restante do país, ignorando que desde 1934 vigora a lei que determina a manutenção de, no mínimo, 25% das florestas nativas. Essa regra, com o “novo” Código Florestal de 1965, passou a ser de 20% de manutenção da vegetação nativa a título de reserva legal florestal, somadas às chamadas áreas de preservação permanente (margem de rios, nascentes, terrenos com alta declividade, topos de morros e montanhas). Só isso? Não! Querem mais: anistia geral aos ocupantes de áreas de preservação permanente até 31 de julho de 2007.
Como resolver esse impasse? Querem tudo! E numa tacada só. Misturam deliberadamente conflitos derivados da insaciável ocupação territorial do país inteiro para, na confusão geral, obter o maior benefício setorial possível. Do caos a nova ordem? Todos querem ignorar a lei sob o argumento racional de que a vida real foi incompatível com as leis ambientais, quando na verdade o que aconteceu foi a crença, quase fundamentalista, de que a Lei é para os mais fracos.
Então as leis florestais e os ajustes (ou arremedos?) de 1934, de 1965, de 1989, 1996 e de 2000, de 2001 estavam todos errados e militando deliberadamente contra a produção agropecuária nacional? Culpa dos ambientalistas? Concordar com a tese? Impossível.
Quais são as condições objetivas, os compromissos transparentes, explícitos, públicos e mensuráveis que as lideranças políticas sérias do agronegócio brasileiro e suas entidades representativas assumirão para que de fato cheguemos, no mais curto espaço de tempo possível, ao Desmatamento Zero na Amazônia e também nos demais biomas brasileiros?
O Ministro da Agricultura, em atitude qualificada pelo Ministro Minc como “descompensada”, criticou ambientalistas afirmando que estes só sabem “comer e poluir”, desviando o debate em torno do absurdo de suas propostas. Se é para ir nesse rumo, então deveria a autoridade máxima da agropecuária nacional falar dos “inimputáveis” que comem (e muito bem por sinal), incineram biodiversidade e poluem o clima, os solos e os rios brasileiros custeados com dinheiro público, inclusive dos ambientalistas, a juros subsidiados, e que vivem pedindo flexibilizações, anistias e desonerações. Esse não é o caminho do bom senso. Retomemos a razão.
(André Lima, advogado e pesquisador associado do IPAM, foi diretor de Articulação de Ações da Amazônia e de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério de Meio Ambiente entre 2007/08)
* Artigo originalmente publicado em Clima em Revista, n° 9, Dez. de 2008/Jan. de 2009. Clima em Revista é uma publicação mensal on-line do Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM)
Edição e reportagens: Maura Campanili
[EcoDebate, 07/01/2009]
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Prezado André Lima,
estamos escutando esta argumentação sobrerecuperação de áreas degradadas há muito tempo. Inclusive vendem esta idéia para aqueles que criticam os biocombustíveis, apontando para mais perda de área de floresta.
O que ninguém diz, e não está explícito no palno nacional de Mudanças Climáticas é quanto custa a remediação dos solos degradas e quem irá pagar a conta.
Essa é a pergunta que não quer calar!
Márcia