Direitos humanos e mudanças climáticas, artigo de Foster Brown, Padre René Salizar e Eduardo (Cazuza) Borges
[A Gazeta] O dia 10 de dezembro representou o 60o aniversário da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este documento da Organização das Nações Unidas (ONU) tem servido como uma inspiração para constituições nacionais e convênios internacionais, e ao mesmo tempo, tem mostrado adistância entre as palavras e as ações de países na garantia dos direitos humanos. Em 1948, quando foi assinada a Declaração Universal de Direitos Humanos em Paris, a sombra da Segunda Guerra Mundial afetou as delegações. A guerra, um dos piores violadores de direitos, continua espalhada com 25 conflitos acontecendo no mundo. Porém, existe um novo violador de direitos humanos que não foi concebido sessenta anos atrás: as mudanças climáticas.
O Estados Unidos têm sido um violador crescente destes direitos nos últimos anos, com a doutrina Bush de iniciar guerras e justificar o uso de tortura. Existe a esperança de que o novo presidente Barrack Obama possa parar esta tristeza nos EUA e ao redor do mundo. Mesmo assim, locais como Guantanamo e Abu Ghraib, sítios de tortura, continuarão sinônimos de violações humanas, um legado que vai levar no mínimo uma geração, se não muitas, para superar.
No entanto, o pior legado para direitos humanos poderá ser o aumento de um gás traço, o dióxido de carbono, conhecido como gás carbônico, que pode afetar a Terra durante centenas ou milhares de anos. O aumento deste e outros gases oriundos da queima de combustíveis fósseis (cerca de 80% do total) e de desmatamento e mudança no uso da terra (20% do total) está levando à preocupação de que o clima da Terra vai se desestabilizar. Onze academias de ciência, incluindo as do Brasil, China e India, alertaram em 2005 que as mudanças climáticas são reais e já estão em curso com alguns impactos inevitáveis. Estas academias concluíram que o desafio é adaptar estes impactos em curso e tentar mitigar os impactos piores que poderão vir. A comissão de direitos humanos da ONU notou que os direitos civis, sociais, políticos, econômicos — enfim, os direitos humanos — estão inter-ligados a estas ações e sem promovê-los não existirão soluções duradouras para as mudanças climáticas.
Estamos no meio de um experimento único na nossa Terra onde estamos alterando não só a composição da atmosfera, o uso do solo e a vida nos oceanos. Vamos adicionar também mais dois bilhões de pessoas até 2050, daqui a 42 anos, para chegar a nove bilhões no mundo. Quando a Declaração Universal foi assinada, a população total da Terra era um pouco mais de dois bilhões. Vamos ter o desafio de melhorar a qualidade de vida, não só para os cerca de três bilhões de pessoas que ganham o equivalente a menos de 2,5 dólares por dia no mundo atual, mas também para os bilhões que vêm nas próximas décadas.
Se as tendências de mudanças climáticas se mantêm, os primeiros a serem impactados serão os mais vulneráveis, tipicamente os mais pobres, seja em áreas urbanas periféricas onde os serviços de abastecimento, saúde e educação são mais precários, ou em áreas rurais, onde frequentemente os mais pobres estão em terras marginais, com pouco resiliência, se houver secas ou inundações prolongadas.
Os eventos extremos recentes na Amazônia Sul-ocidental são uma pequena amostra do que pode acontecer se as projeções de mudanças climáticas estiverem perto da realidade para as próximas décadas. Em 2005, a variabilidade climática produziu uma seca severa e os incêndios associados danificaram centenas de milhares de hectares de florestas e áreas agrícolas, provocando a destruição de casas e cultivos de produtores rurais. Logo depois, as inundações de 2006 em Rio Branco e na Amazônia boliviana atingiram dezenas de milhares de pessoas.
É possivel conceber meios para melhorar a qualidade de vida de todos os habitantes e manter a Terra funcionando mesmo com nove bilhões de pessoas. Para isto serão necessárias revoluções sociais, especialmente de relações entre pessoas e países, e revoluções tecnológicas, com meios para melhorar a qualidade de vida com um mínimo de consumo de energia e de recursos naturais. Também precisaremos rever os valores predominantes na atual sociedade, baseada no exarcebado materialismo em detrimento de valores humanos, éticos e fraternos. Estas grandes transformações precisam acontecer rapidamente e têm como pré-condições a paz e a implementação do direito de acesso efetivo a informações relevantes a estas transformações, acoplada ao direito de participar em decisões coletivas. Sem o envolvimento efetivo e duradouro de grande parte das sociedades neste Planeta, estas transformações não aconterecerão.
A premissa para estas transformações acontecerem é que o clima não esteja desestabilizado severamente. Se tivermos um aumento rápido do nível do mar, flutuações abruptas na temperatura e chuvas nos trópicos e mais eventos climáticos extremos, os governos e sociedades vão estar tão ocupados com a sobrevivência que seria difícil desenvolver alternativas sociais e tecnológicas que precisam de investimentos na escala de décadas para dar frutos.
Existem algumas coisas que podem ser feitas agora. Primeiro, as negociações para o tratado sobre clima estão avançando rapidamente em preparação para a reunião de Copenhagen em dezembro de 2009. Estas negociações envolvem o pagamento para manter florestas em pé, via desmatamento evitado ou redução de emissões de desmatamento e degradação florestal (REDD), como mecanismos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Podemos encorajar as delegações nacioniais a incorporar conceitos de direitos humanos nestas negociações. Segundo, devemos reforçar a responsabilidade histórica dos EUA e Europa por esta situação. Eles são responsáveis por mais da metade do acúmulo oriundo da queima de combustível fóssil desde 1850 e têm uma responsabilidade ética e financeira proporcional para ajudar a resolver o problema. Também não podemos negar que os países em desenvolvimento têm hoje uma contribuição crescente para o acúmulo de gases de efeito estufa por optarem pelo mesmo modelo de desenvolvimento dos países industrializados. Terceiro, podemos desenhar um futuro que amplie o potencialidade dos seres humanos e que funcione dentro da ética e dos limites biofísicos que temos na Terra.
O nosso desafio no momento é agir para que os direitos humanos sirvam como base fundamental na luta para controlar os impactos das mudanças climáticas. Afinal são os nossos filhos, sobrinhos e netos que poderão celebrar, no centenário da Declaração Universal em 2048, um mundo habitável para toda a humanidade com justiça, paz e harmonia com a natureza.
Se tivermos sucesso, eles terão algo de verdade para celebrar.
Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da Universidade Federal do Acre (UFAC) e cientista do Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazonia (LBA) e do Parque Zoobotânico da UFAC e Membro do Comitê Científico do MAP.
Padre René Salizar, Paróquia de Ibéria, Madre de Dios, Peru, coordenador peruano do mini-MAP Direitos Humanos e Coordinador Provincial de la Mesa de Concertación para la Lucha Contra la Pobreza.
Eduardo (Cazuza) Borges, coordenador Geral do Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre – PESACRE, membro do mini-MAP Direitos Humanos.
* Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, de Rio Branco (AC), em 10/12/2008.
[EcoDebate, 08/01/2009]
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