Crise de 2008 e urgências para 2009: o colapso da estratégia econômica extrativista, artigo de Eduardo Gudynas
Certamente, um dos fatos mais destacados de 2008 foi o aprofundamento da crise econômica nos EUA e sua extensão às nações industrializadas, terminando por ser de escala global. A primeira crise do século 21 chegou à América Latina e se expressa tanto no aspecto financeiro como na economia produtiva.
Nos últimos meses, repetem-se notícias similares em quase todas as capitais latino-americanas. As exportações começam a cair pela redução das compras nos países industrializados, simultaneamente a uma queda do preço dos principais produtos exportados pela América Latina. O crédito disponível é escasso e a capacidade de manobra dos governos diminui. Alguns exemplos correntes permitem que se tentem várias previsões para 2009.
Na produção agropecuária, pode-se considerar o caso da soja, o principal produto de exportação de países como Brasil, Argentina e Paraguai. Seu preço havia alcançado o pico de 600 dólares a tonelada, para cair ao nível de USS$ 330 por tonelada, sendo as projeções para 2009 de US$ 300 por tonelada. Também sofreu queda o preço do milho, trigo e outros produtos agrários, enquanto que o mercado de biocombustíveis se contraiu.
Em tal cenário, em 2009 seguramente a agricultura intensiva em capital se complicará (como exemplo, a troca de tratores ou colheitadeiras, o uso intensivo de agrotóxicos etc.). A saída para este problema é apostar nas formas de produção cujos custos são menores (especialmente o valor da terra) e até onde permite a rede de infra-estrutura atualmente existente. Conseqüentemente, poder-se-ia esperar avanços de fronteiras, em regiões como aquelas próximas à Estrada do Pacífico (em Rondônia e no Acre), ao redor da BR 163 e outras zonas do “arco do desmatamento amazônico”. O mesmo ocorrerá nas zonas adjacentes do Peru (estrada Interoceânica Sul), no oriente da Bolívia, oriente do Paraguai e norte da Argentina. Paralelamente, a agricultura familiar e camponesa será muito golpeada.
O comércio internacional agropecuário se encaminha rumo a maiores complicações. Os sistemas de ajuda mudarão – por exemplo, a crise econômica faz com que na União Européia os auxílios, baseados em subsídios, fiquem cada vez mais difíceis e se trabalhe com a idéia de impor barreiras alfandegárias clássicas. Entretanto, aos agricultores dos EUA também está cada vez mais difícil o acesso ao crédito. Finalmente, e não é um tema menor, na China (um dos principais destinos de nossas exportações), o Comitê Central do Partido Comunista resolveu, em outubro passado, permitir a compra ou aluguel de terras, tanto para pessoas como para cooperativas e até empresas. Isso terá enormes efeitos no meio rural chinês e haverá que se ver se em 2009 esse novo capitalismo rural permitirá melhorar a produção (com a qual cairão as importações vindas da América Latina).
No entanto, também se observa um desabamento no preço dos hidrocarbonetos, o que em 2009 complicará a situação da Venezuela, Bolívia e Equador (e em parte Peru e Brasil). Como se reduzem as exportações e os preços caíram, as receitas desses países se verão muito rebaixadas. Além do mais, ao longo de 2009 seguramente se desacelerará a exploração, prospecção e exploração de novas jazidas, principalmente no Peru e Equador. A Bolívia mantém estancada sua produção de hidrocarbonetos, inclusive abaixo das próprias metas. Mesmo os enormes investimentos de que precisará a exploração do pré-sal do Brasil também ficarão em stand-by. Um claro exemplo do novo cenário é que a empresa norueguesa que constrói plataformas petroleiras marinas (Sevan Marine) praticamente suspendeu sua montagem devido à falta de crédito, suspendendo todos os encargos da Petrobras.
Finalmente, os preços dos minerais também despencaram. Isso afeta quase todos os países andinos (e mais uma vez o Brasil em parte). Por exemplo, o cobre voltou ao preço observado no final de 2005. As conseqüências já estão sendo observadas e se aprofundarão em 2009: novos projetos de investimento suspensos, a pequena mineração andina muito afetada (como já acontece no Peru), acentuando os problemas de pobreza e com piores performances ambientais.
Tanto no caso dos hidrocarbonetos como no dos minerais, há exemplos históricos em que a queda dos preços internacionais desembocou numa tentativa de compensação por meio de um aumento maiúsculo nos volumes extraídos. As conseqüências ambientais de tal opção foram muito negativas.
As restrições ao crédito e a queda nos mercados globais aumentam a competição pelas exportações e atração de capitais internacionais. Sendo assim, os governos recrudescerão suas resistências em elevar as exigências e a fiscalização ambiental, concebida como uma trava aos investimentos. Há vários exemplos em marcha: no Brasil tenta-se reduzir as exigências de proteção à floresta amazônica, enquanto na Argentina a presidente Cristina Fernandez de Kirchner acaba de vetar lei que impediria a mineração nas geleiras dos Andes.
Todos esses exemplos deixam claro que tal crise econômica representa também uma crise do modelo extrativista de desenvolvimento, um problema mais profundo e de maiores implicações para a América Latina. Muitos governos, desde Néstor Kirchner da Argentina a Alan Garcia do Peru, desfrutaram de um excelente cenário econômico, com alto crescimento sustentado por elevadas exportações. Mas na realidade tal mudança se devia, sobretudo, a fatores externos (alta demanda internacional e preços elevados), e esses governos não aproveitaram a conjuntura para gerar um modelo de desenvolvimento próprio e autônomo. Quase todos os países (incluindo o de Lula) apostaram em aprofundar ainda mais a estratégia econômica extrativista, na qual as estrelas foram o agronegócio, o petróleo, os gases naturais e metais, como alumínio ou ferro.
Os governos não parecem tomar consciência da crise do modelo extrativista. As medidas anunciadas por vários governos para o próximo ano acentuam essa estratégia, apoiando e subsidiando através do Estado a exploração de recursos naturais para oferecê-los aos mercados globais. Por exemplo, Rafael Correa no Equador aposta na promoção da mineração transnacionalizada como saída econômica para seu país.
Tal questão se torna um dos temas urgentes de 2009: a estratégia extrativista, baseada em explorar a natureza para exportar matérias primas aos mercados globais é insustentável, nos aspectos econômicos, sociais e ambientais. Portanto, os governos e também os movimentos sociais devem compreender que segue sendo necessário gerar modelos de desenvolvimento estruturados de outra forma, e, ao invés de exportar matérias primas, passar a utilizar cadeias produtivas próprias. Porém, gerando emprego genuíno e reduzindo o impacto social.
Eduardo Gudynas é analista de informação no D3E (Desenvolvimento, Economia, Ecologia e Eqüidade), centro de investigações dos assuntos latino-americanos sediado em Montevidéu.
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista.
* Artigo originalmente publicado no Correio da Cidadania, parceiro estratégico do Ecodebate na socialização da informação.
Nota do EcoDebate: Sobre o mesmo tema sugerimos que leiam nosso editorial “A Fazenda Brasil e a opção pelo agronegócio exportador”
[EcoDebate, 07/01/2009]
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