Dialética da agroecologia, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] RIBEIRO (2014) apresenta resenha linear da obra de MACHADO e MACHADO FILHO (2014), que se mostra linear e exaustiva, mas nem por isso menos instigante, reveladora e inspiradora. O livro original foi publicado pela Expressão Popular intitulado de “A dialética da agroecologia” que traz uma importante reflexão e contribuição para um mundo com alimentos sem veneno. A relevância do assunto deve-se pela evidencia da questão mundial da insegurança alimentar e da necessidade de se reavaliar o atual modelo de produção alimentar.
A obra evidencia demonstração da agroecologia como método viável de produção agrícola em condições para substituir o agronegócio e atender a demanda da fome no mundo, diferente das árduas críticas de alguns conservadores.
O autor principal é Luiz Carlos Pinheiro Machado. É engenheiro agrônomo e doutor em agronomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e atualmente é professor universitário de pós-graduação e consultor agropecuário internacional. Com mais de 60 anos de ensino, de pesquisa e extensão é especialista em produção de alimentos limpos.
O coautor é Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho, graduado em agronomia e com mestrado em zootecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorado em ciência animal na University Of Guelph e pós-doutorado em bem-estar animal na University of British, na Columbia. Atualmente é professor do Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Sobre o livro “A dialética da agroecologia”, a publicação demonstra a possibilidade e o dever de se produzir alimentos limpos, afirmando que é realmente possível produzir alimentos sem agrotóxicos e fertilizantes de síntese química em qualquer escala. O livro como alertam os autores, não objetiva constituir-se como um manual, delineando passo a passo as técnicas agroecológicas, mas sim, de apresentar os caminhos viáveis para o método conforme NAVARRO (2014).
Segundo RIBEIRO (2014), a publicação se fundamenta em artigos científicos, de pesquisa acadêmica e também na vasta experiência dos autores. A publicação é uma importante contribuição para a produção de alimentos limpos e um convite para alteração de paradigmas. Ninguém está propondo qualquer ruptura de base insustentável, mas se procura inspirar reflexões para a adoção gradacional de novas realidades.
Conforme RIBEIRO (2014). o livro é organizado em dezoito capítulos, sendo possível perceber uma divisão em três partes, a saber: a primeira parte, do capítulo 1 ao 4, é uma introdução ao tema central do livro que é a produção de alimentos limpos, apresentando justificativas da necessidade de se produzir alimentos pelo método da agroecologia, destacando pesquisas e avaliações ambientais, culturais, econômicas sobre as consequências provocadas pelas empresas responsáveis por este modelo desequilibrado.
A segunda parte, do capítulo cinco ao décimo, é uma reflexão sobre o (des) progresso do agronegócio para a produção alimentar e da necessidade de uma produção que preserve a biodiversidade.
Por fim, a terceira parte, do capítulo onze ao décimo oitavo, é a parte conclusiva, destacando os preceitos da agroecologia, os caminhos e os limites para a produção limpa e, finalizando, as positivas experiências agroecológicas no Chile, na Argentina e no Brasil.
Nos dois primeiros capítulos, os autores destacam que a palavra agroecologia ganhou uma generalização, tornando-se uma panaceia, no sentido de ser associada apenas aos pequenos produtores. Esta limitação artificiosa tanto se repetiu que se tornou uma espécie de manifesto isento de análises adequadas, desqualificando a agroecologia como opção viável para atender a demanda mundial por alimentos.
No entanto, a concepção dos autores é contrária a esta visão hegemônica imposta por interesses. A agroecologia é considerada como um método de produção agrícola que resgata os saberes tradicionais e incorpora os progressos científicos e tecnológicos em harmonia com o meio ambiente, produzindo alimentos e produtos limpos, sem veneno. Através deste método, é possível produzir com qualidade em qualquer escala, sendo, portanto, “uma tecnologia capaz de confrontar o agronegócio, em qualquer escala” (p.36).
Os autores criticam que as empresas do agronegócio que buscam desqualificar o método agroecológico, afirmando, que além da questão da escala, o custo de produção é mais cara do que a convencional. Neste capítulo os autores contribuem com a desmistificação das ideias, demonstrando com exemplos de experiências agroecológica que é possível produzir alimentos em qualquer escala e de que seus custos não são mais caros.
Citam o arroz ecológico produzido no Rio Grande do Sul, cuja safra de 2013 teve o custo da produção em torno de R$ 31,00. Foram colhidas mais de 30 t de arroz, numa safra que o arroz do agronegócio foi vendido por R$ 129,00. O custo é reduzido na agroecologia, por justamente, não usar o agrotóxico e de aproveitar ao máximo a captação da energia solar (p.40, p.282).
O livro denuncia que a pesquisa agropecuária e o governo financiam o agronegócio, enquanto, a agroecologia, sem apoio, se encontra em estágios iniciais e sem qualquer forma de respaldo.
No terceiro capítulo, os autores analisam a produção do campo no Brasil no período antecedente à revolução verde, que foi uma época marcada pela tecnologia ultrapassada no campo. Esta condição propiciou a necessidade de implantação do pacote de modernização no campo brasileiro, e nessa análise apresentam as principais produções e as respectivas formas de produção entre as décadas de 50 a 70, demonstrando um quadro de atraso tecnológico (p.54).
O quarto capítulo trata de analisar a revolução verde, e destaca a contribuição da Fundação Rockefeller responsável pela exportação da revolução agrícola dos Estados Unidos ao México, que culminou na revolução verde. Outro ponto do capítulo é do período especifico da revolução verde no Brasil e as consequências para as relações sociais e tecnológicas no campo brasileiro.
O quinto capítulo discute sobre os motivos ambientais que permeiam a necessidade da mudança de produção de alimentos limpos e as dificuldade com o processo de transição do modelo de produção. De acordo com os autores, a ruptura não será fácil e que é necessário desconstruir a associação do progresso causado pela revolução verde.
No sexto capítulo, é discutido sobre a importância de preservar a biodiversidade, servindo de alerta aos leitores sobre a relevância da preservação do bioma original.
Dentre as piores enfermidades provenientes da monocultura ocorre o fenômeno da “erosão genética”. Isto é consequência da “severa agressão à biodiversidade” modificando o agroecossistema devido à perda significativa de espécies no ecossistema com o uso de produtos químicos que agridem várias formas de vida. De acordo com os dados apresentados, a taxa anual da extinção de espécies causadas pela ação humana é de 50 a 100 vezes superior aos índices por causas naturais (p.82).
Dessa forma, a biodiversidade reduz-se à medida que se opta pela monocultura, sendo imprescindível fomentar a proteção natural por meio da rotação de cultura, do plantio direto, do respeito às culturas locais, da ausência de agrotóxicos, da proteção do solo contra erosão, da sucessão animal-vegetal e entre outras (p.78). Em seguida, os autores deixam claro que a discussão primordial é de como em curto prazo conseguir atingir a demanda mundial para produzir alimentos contemplando uma produção limpa que preserve a biodiversidade, conforme registra RIBEIRO (2014).
Motivação para não ocorrência de condições de curto prazo que alterem paradigmas é devido ao motivo de todos os procedimentos serem voltadas para avançar na produção de monoculturas, tanto em maquinários, como em outras questões produtivas e administrativas. Dessa forma, os autores entendem que é essencial “o desenvolvimento da pesquisa agrícola no sentido de procedimentos que viabilizem a produção limpa” (p.82).
Com a preservação da biodiversidade a produção agrícola obterá melhor qualidade e integridade (p.82). Por outro lado, a paisagem do campo deixará de ser uma “monotonia dos semelhantes” e passará a construir uma harmonia diversificada da flora e da fauna “em que os pássaros, insetos, bosques, e outros seres intrigarão a mesma sinfonia da natureza a favor da vida!”. (p.82).
No sétimo capítulo, é abordada a concepção de soberania alimentar, que seria a capacidade que um país de tem de alimentar a sua população com os próprios produtos produzidos, podendo importar em alguns momentos, alimentos que não podem ser produzidos no país, tanto por motivos culturais ou agrícolas.
No oitavo capítulo, os autores destacam o uso do agrotóxico e do fertilizante abordando alguns estudos sobre as consequências destes produtos químicos, e a sua associação à aplicação do agrotóxico ao aumento da taxa de suicídio no Rio Grande do Sul e a incidência de óbitos por câncer em agricultores. No entanto, os autores registram que estes estudos são protegidos e escondidos por interesses, mas que nunca são explicitados e com o apoio do “establishment”, que protege os ganhos das empresas, à custa da vida dos agricultores e da população consumidora.
RIBEIRO (2014) assevera que no nono capítulo, os autores apresentam a relevância da biocenose em entender o desenvolvimento dinâmico da vida do solo, melhorando a qualidade do solo e assim, a qualidade do alimento. Neste capítulo, destacam-se a importância de aumentar o carbono orgânico no solo e os caminhos, como a técnica do Pastoreio Racional de Voisin, que sequestra maior quantidade de carbono do solo, e a técnica do plantio direto que aumenta o carbono do solo, a porosidade, os macroporos, e melhora a infiltração do solo implicando na redução da erosão (p.141).
No décimo capítulo, a partir de três pontos, a escala, o tempo e a ruptura os autores debatem a produção de alimentos limpos. A primeira dimensão é a escala. Para que a organização da produção atinja uma ampla produção e que contemple os princípios da agroecologia, deve-se apoderar dos empreendimentos concentradores de capitais intensivos, que hegemonizam as monoculturas (p.155). O segundo desafio é imposto pelo tempo da natureza, que tem uma dimensão diferente do tempo humano. A produção agrícola com qualidade deve respeitar o tempo da natureza, embora este fator seja mais flexível. Por fim, a ruptura é o terceiro paradigma. A ruptura exige e significa em romper totalmente com a forma de produção do agronegócio. Mas isto como se falou tem que ser gradual e planejado para ser responsável.
No décimo primeiro capítulo, se destacam os pilares da agroecologia como a trofobiose; o ciclo de etileno no solo e a transmutação dos elementos. A trofobiose é uma técnica que consiste em aumentar a resistência natural da planta contra parasitas. O ciclo etileno no solo é uma importante forma de nutrição das plantas. E por fim, a transmutação dos elementos com baixa energia é a formação de uma nova espécie por meio da mutação com menos energia, diferente da transmutação tecnológica.
No décimo segundo capítulo, os temas são as dimensões da agroecologia que possui as seguintes dimensões além da escala, que são sociais, políticas, econômicas, ambientais, energéticas, culturais, administrativas, técnicas, éticas e de soberania alimentar. A segurança alimentar é contemplada dentro da soberania alimentar, uma vez que a concepção é alicerçada em defender uma ampla e diversificada produção permitindo a alimentação mundial. No entanto, o mesmo não acontece ao inverso. Ou seja, a soberania alimentar não é contemplada na idéia de segurança alimentar, tornando necessário um cuidado quanto aos conceitos conforme DESMARAIS (2013) e VALÉRIO (2011).
A função da Organização das Nações Unidas (ONU) em estabelecer o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), tem como consequência a abertura do comércio e por sua vez, o barateamento do preço da comida importada leva ao endividamento dos camponeses locais pelos empréstimos agrícolas.
Embora o livro não procure representar um manual com detalhes sobre a produção limpa de alimentos, mas sim uma indicação dos caminhos básicos, os autores apresentam no décimo terceiro capítulo as técnicas limpas, como a rotação de culturas, o plantio direto, a aleopatia e as plantas companheiras.
No décimo quarto capítulo discute-se o manejo integrado de pragas avaliando a sua importância e a dificuldade de operacionalização em lavouras de extensas áreas.
O capítulo seguinte, o décimo quinto, é dedicado a apresentar o método do pastoreio racional de Voisin, considerada como a coluna vertebral da agroecologia, destacando o momento em que o método é inserido no Brasil, sua finalidade e o seu funcionamento.
No décimo sexto capítulo se trata das realizações agroecológicas destacando o uso do pastoreio racional de Voisin no projeto alegria de Taquara/RS, em Magallanes na patagônia chilena, e no projeto “El Verdadero Paraíso” na província de Santa Fé na Argentina. E também o adubo orgânico utilizado no arroz ecológico produzido pelo Movimento dos Sem Terra (MST) no RS, que conseguiu aumentar sua produção em 71 sacas/ha e manter o baixo custo de produção.
No décimo sétimo capítulo, os autores abordam a experiência da horticultura ecológica como caminho para a produção limpa e destaca dois impasses sobre a sua realização.
Inicialmente, o paradigma é referente à escala da produção, pois as experiências positivas a nível econômico restringem-se apenas a escalas locais. O segundo impasse é referente à disponibilidade de sementes limpas, uma vez que, o mercado é importado sendo dominado pelas transgênicas.
No capítulo final, intitulado de “As inadiáveis responsabilidades de pesquisa”, os autores fazem um alerta aos pesquisadores agrícolas como responsáveis à situação de degradação ambiental e social, colocando a pesquisa a serviço da melhoria produtiva da agricultura industrial que culminou na sua expansiva propagação e divulgação ilusórias.
RIBEIRO (2014) assevera concluindo que a principal contribuição da publicação se refere a desmistificar a prática agroecológica, principalmente quanto a escala. E que o atual modo de produção seja o único modelo e caminho possível para a demanda alimentar mundial. O livro foi organizado durante oito anos sendo um dos mais completos sobre a temática do caminho para a produção limpa e das experiências agroecológicas.
Nos resta saudar esta iniciativa e desejar que encontre terreno fértil para sua evolução na contribuição para melhoria da qualidade ambiental do planeta compartilhado por toda civilização humana.
Referências:
DESMARAIS, Annette Aurélie. A Via Campesina: a globalização e poder do campesinato. Tradução de Carlos Alberto Silveira Netto Soares. São Paulo: Cultura Acadêmica; Expressão Popular, 2013.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2007.
MARTÍNEZ-TORRES, María Elena; ROSSET, Peter Miguel. La Vía Campesina: the birth and evolution of a transnational social movement. Journal of Peasant Studies, v.37, n.1, p. 149-175, jan. 2010.
VALERIO, Valmir José de Oliveira. Alimentar ou ser Alimentado? A Expansão da Agroindústria Canavieira e a Soberania Alimentar em Flórida Paulista/SP. 2011. 123f.
NAVARRO, Zander. Fadas, duendes e agricultura. O Estado de São Paulo. 30 de outubro de 2013. Digital.
RIBEIRO, Leandro Nieves, Resenha de “A dialética da agroecologia: contribuição para um mundo com alimentos sem veneno” Revista Nera – Ano 17, Nº. 25 – Julho/Dezembro de 2014 – ISSN: 1806-6755 pp 187/191
MACHADO, Luis Carlos Pinheiro; MACHADO FILHO, Luis Carlos Pinheiro. A dialética da agroecologia: contribuição para um mundo com alimentos sem veneno. São Paulo: Expressão Popular, 2014. 360p.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/05/2018
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