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Erradicação do sub-registro enfrenta dificuldades

Para Zilda Arns, há no país problemas com índios, ciganos, além de difícil acesso aos cartórios

A médica Zilda Arns é reconhecida como a brasileira com mais ampla experiência na luta pela cidadania dos mais pobres no país. Ela ensina que dois são os ingredientes para a baixa auto-estima de um cidadão: o analfabetismo e a falta de registro. No Brasil, eles andam juntos. Há 25 anos, quando fundou a Pastoral da Criança, um quarto das famílias que atendia não tinha documentos e era analfabeta. Hoje os índices caíram pela metade, mas ainda preocupam Dona Zilda. Do O Globo, 29/12/2008.

– Era muito comum encontrarmos famílias inteiras analfabetas e sem documentação. Hoje, o problema se restringe mais aos ciganos e aos indígenas. Mas há ainda também muitos problemas com os migrantes, que não têm dinheiro nem estrutura para acessar os cartórios das cidades onde nasceram. Sem documentos, nem os postos de saúde querem atendê-los. Depois, os cemitérios não querem enterrá-los. É muito cruel.

Zilda Arns e sua pastoral participam ativamente da campanha do governo para eliminar o sub-registro. Mas ela também tem críticas:

– Como é que pode uma pessoa muito pobre ter que voltar à sua cidade natal para conseguir uma cópia de certidão? Ou ainda pagar para que o cartório envie seu documento? A certidão é a porta de entrada para a cidadania, mas ela tem estado fechada – afirma.

Zilda Arns se mostra indignada com o fato de o Brasil, que tem um sistema privado de registros, não possuir cartórios totalmente informatizados:

– Hoje, pelo computador, eu acesso 43 mil comunidades da Pastoral, que atende dois milhões de crianças e mães. Como é que o Brasil, que é tão rico, não conseguiu ainda informatizar seus sistemas de registros? Esses cartórios estão muito antiquados. Deveriam ser obrigados a se modernizar.

A fundadora da Pastoral da Criança considera ainda que o governo precisa garantir o respeito aos povos nômades, como os ciganos, os indígenas, caboclos e quilombolas. Os nômades são os mais discriminados nos cartórios, justamente por não terem endereço fixo pela própria cultura.

– Nas campanhas mesmo do governo, fala-se tanto em registro e alfabetização, mas os povos nômades estão excluídos. São inclusive desrespeitados porque não têm endereço fixo. Deveriam explicar que as caravanas são a base da cultura dos ciganos, por exemplo – diz.

Zilda Arns argumenta ainda que é preciso também organizar equipes volantes para fazer os registros dos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e outros povos que vivem distantes dos centros urbanos.

– É mais fácil mandar três pessoas que obrigar 100 a se deslocar pela mata, pelos rios, para chegar a um cartório – avalia.

A coordenadora da campanha nacional de mobilização, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Leilá Leonardos, afirma que Dona Zilda tem razão em sua avaliação. Ela explica que um dos eixos do projeto que visa a erradicação do sub-registro é a informatização dos cartórios. Outro projeto é de inclusão dos povos nômades, dos que vivem nas ruas, sem-teto, além de indígenas, quilombolas e ribeirinhos.

– A proposta é de padronização e informatização. Agora, o sistema brasileiro de registros é privado. Muitos cartórios brasileiros ainda operam com máquinas de escrever. Um de nossos projetos é promover uma linha de financiamento para computadores. Estamos avançando – afirma Leilá Leonardos.

A coordenadora esteve em São Paulo na última semana da campanha e encontrou uma situação assustadora: do total de 6.349 pessoas hospitalizadas há mais de um ano na cidade de São Paulo, 1.312 não têm documentos.

– Isso é só um exemplo. Nós não temos sequer os dados globais do país sobre o número de adultos não documentados. Nem estimativas. Mas estamos trabalhando e temos projetos importantes, já consolidados – argumenta Leilá Leonardos.

Nota do Ecodebate: sobre este tema leiam, ainda, “Erradicação do sub-registro: A cada ano, 400 mil crianças deixam de ser registradas no país“.

[EcoDebate, 30/12/2008]

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