O pico dos nascimentos no mundo, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O pico dos nascimentos no mundo, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Dezembro é considerado o mês da natalidade tanto na estória de Jesus de Nazaré, como na estória de Hórus, no Egito (1.400 anos antes de Cristo). Na maior parte da história humana a alta natalidade era muito valorizada para se contrapor às taxas de mortalidade infantil.
O número de nascimentos no mundo veio crescendo ao longo da história, estava em torno de 100 milhões de bebês por ano em 1950 e chegou a 140 milhões por ano no quinquênio 2010-15.
O pico dos nascimentos (máximo de bebês nascidos por ano) deve atingir 143 milhões por ano, no quinquênio 2045-50 e deve declinar ligeiramente para abaixo de 140 milhões no final do século XXI, segundo a Divisão de População da ONU (Revisão 2017).
Se o número de nascimentos permanecer aproximadamente em torno de 140 milhões por ano, o tamanho da população vai depender do nível da esperança de vida ao nascer (Eo). Para uma Eo de 75 anos a população chegaria a 10,5 bilhões de habitantes (140 milhões vezes 75). Se a Eo for 80 anos a população mundial chegaria a 11,2 bilhões de habitantes no final do século. Se a Eo alcançar 90 anos então a população mundial poderia chegar a 12,6 bilhões de pessoas em 2100 (140 milhões vezes 90).
Embora deva haver uma certa estabilidade no número global de nascimentos ao longo do século XXI, o quadro varia segundo os diferentes grupos de países. O número de nascimentos nos países desenvolvidos (os mais ricos e com maior IDH) está em 13,7 milhões por ano, no quinquênio 2015-2020 e deve cair para pouco abaixo de 13 milhões no quinquênio 2095-2100. O número de nascimentos nos países em desenvolvidos (os países de renda média) está em 95 milhões por ano, no quinquênio 2015-2020 e deve cair fortemente até ficar próximo de 70 milhões no quinquênio 2095-2100. Já o número de nascimentos nos países muito menos desenvolvidos (os países de baixa renda) está em 32,1 milhões por ano, no quinquênio 2015-2020 e deve subir para quase 50 milhões no final do século.
Portanto, os dados da Divisão de População da ONU mostram que o nascimento de bebês do mundo não é homogêneo. Nos países de renda média e alta, o número de nascimentos já está em declínio. Mas este declínio é compensado pelo aumento dos nascimentos nos países mais pobres e com menores níveis de cidadania.
O relatório Situação da População Mundial 2017, do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), alerta para o aumento das desigualdades e falhas na proteção dos direitos reprodutivos das mulheres, em especial as mais pobres. O relatório diz: “A menos que as desigualdades recebam atenção urgente e que as mulheres, em especial as mais pobres, sejam empoderadas para tomar decisões sobre suas próprias vidas, os países podem ter que enfrentar ameaças à paz e ao cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)”.
A falta de garantia dos direitos sexuais e reprodutivos pode se estender a todos os objetivos globais, ressalta o relatório intitulado “Mundos Distantes: Saúde e direitos reprodutivos em uma era de desigualdade”. A demanda não atendida por serviços de saúde, incluindo o planejamento reprodutivo, pode enfraquecer as economias e sabotar o progresso já alcançado em direção ao cumprimento do primeiro ODS, de eliminação da pobreza.
Na maioria dos países pobres e muito menos desenvolvimentos, as mulheres em situação de exclusão social têm menos opção de planejamento reprodutivo, menos acesso a atendimento pré-natal e são mais propensas a terem partos sem a assistência de um profissional de saúde. Isto aumenta a gravidez indesejada e prejudica a saúde das mulheres e dos bebês. A falta de acesso a serviços como creches também limitam as mulheres na busca por empregos. Para as mulheres que estão no mercado de trabalho, a ausência de licença maternidade remunerada e a discriminação que muitas enfrentam no trabalho quando engravidam acabam sendo uma “penalidade pela maternidade”. O alto número de gravidez indesejada e não planejada na adolescência é um problema particularmente grave para as meninas pobres que tendem a reproduzir o ciclo de pobreza e de falta de alternativa de mobilidade social ascendente.
A cidadania é o melhor contraceptivo. Sem dúvida, a redução do número de nascimentos nos países muito menos desenvolvidos (os mais pobres) ajudaria a criar um bônus demográfico que seria bom para o avanço das condições de vida da população e para a proteção do meio ambiente.
O importante não é a quantidade de nascimentos, mas sim a qualidade de vida que se quer dar aos bebês e jovens de todo o mundo.
Referências:
ALVES, J. E. D. CORREA, S. Demografia e ideologia: trajetos históricos e os desafios do Cairo + 10. R. bras. Est. Pop., Campinas, v. 20, n. 2, p. 129-156, jul./dez. 2003.
http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/rev_inf/vol20_n2_2003/vol20_n2_2003_3artigo_p129a156.pdf
ALVES, J. E. D. Políticas populacionais e direitos reprodutivos: o Choque de civilizações versus progressos civilizatórios. In: CAETANO, Andre J., ALVES, Jose. E. D., CORRÊA, Sonia. (Org.). Dez anos do Cairo: tendências da fecundidade e direitos reprodutivos no Brasil. 1 ed. Campinas: ABEP/UNFPA, 2004, v. 1, p. 21-47.
http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/outraspub/cario10/cairo10alves21a48.pdf
ALVES, J. E. D. As políticas populacionais e o planejamento familiar na América Latina e no Brasil. Textos para Discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, v. 21, p. 1-50, 2006. http://www.ence.ibge.gov.br/publicacoes/textos_para_discussao/textos/texto_21.pdf
ALVES, J. E. D. O Planejamento familiar no Brasil. Ecodebate, Rio de Janeiro, 01/06/2010
http://www.ecodebate.com.br/2010/06/01/o-planejamento-familiar-no-brasil-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
UN Population Division (2017). World Population Prospects: The 2017 Revision
https://esa.un.org/unpd/wpp/
UNFPA. Mundos Distantes: Saúde e direitos reprodutivos em uma era de desigualdade, 2017
http://www.unfpa.org.br/novo/index.php/situacao-da-populacao-mundial
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/12/2017
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Será que em um mundo entrando em colapso ambiental uma expectativa de vida de 90 anos para o futuro pode ser esperada?
Um estudo demográfico que eu gostaria de ver seria o quanto os aumentos de mortalidade esperados com desastres climáticos, fome por diminuição da produção agrícola por causa da depleção dos solos e da produção de pescado por causa da sobrepesca, aumento de doenças por causa da poluição, etc devem afetar a expectativa de vida mundial, e quais as populações futuras que são realmente esperadas, levando-se em conta estes fatores.
Olá Mariana,
Estes cenários da Divisão de População da ONU são baseados no famoso ceteris paribus (ou seja, tudo o mais ficando igual). Não vale para o caso de um colapso ambiental e civilizacional. No caso de retrocesso do bem-estar humano todas as projeções terão que ser refeitas. Mas as projeções atuais continuam válidas para um caso hipotético e podem servir para demonstrar o tamanho da queda que os colapsos podem provocar.
Abs e boas festas, JE