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Assentados de Palmas convivem há 7 anos com aterro sanitário

Cerca de 150 toneladas de lixo produzido na capital tocantinense são despejados diariamente em parte da área do Assentamento São João. Apesar dos impactos, 89 famílias tentam tocar a vida como pequenos agricultores

Por Jane Cavalcante, da Agência de Notícias Repórter Brasil.

Araguaína (TO) – Os moradores do Assentamento São João, próximo à capital Palmas (TO), têm um vizinho inusitado desde 2001: o aterro sanitário da cidade. Cerca de 150 toneladas de lixo são despejados todos os dias numa parte da área em que vivem 89 famílias de pequenos agricultores que sobrevivem cultivando hortas e criando gado, galinhas e porcos.

O aterro foi transferido para dentro dos limites do projeto de assentamento – oficializado por Portaria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em janeiro de 1987 – porque o antigo local onde o lixo era depositado acabou sendo inundado com a construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Lajeado no Rio Tocantins, no final de 2001. A área foi escolhida temporariamente” para solucionar um problema “emergencial”.

O primeiro contrato de concessão de uso da área para implantação do aterro, de novembro de 2001, tinha prazo improrrogável de apenas um ano. Quatro meses mais tarde (em março de 2002), foi prorrogado por mais 20 anos.

Em função da flagrante ampliação da área utilizada pelo aterro (53 hectares, mais de cinco vezes a parcela de 10 hectares acordado em 2002), das denúncias de irregularidades referentes à destinação do lixo (inclusive hospitalar) e da necessidade de dar uma solução para o quadro problemático, um novo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi acordado em março deste ano, depois de mais de dez meses de negociações.

Os representantes dos assentados, a Prefeitura de Palmas, o Incra, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Estadual (MPE), o Centro de Direitos Humanos (CDH) e o órgão ambiental estadual Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) acabaram concordando que o lixo continue sendo despejado no local por mais seis anos (72 meses, a partir de março de 2008).

A prefeitura da capital do Tocantins assumiu também o compromisso de indicar outro local para a contrução de um novo aterro dentro de um prazo de três anos, contados da data de assinatura do TAC, e de apresentar projeto de reciclagem e aproveitamento do lixo em seis meses.

O poder municipal também assumiu uma série de obrigações com relação ao pagamento de indenizações das quatro famílias de assentados mais afetadas, à regularização do licenciamento e à elaboração de um estudo de impacto ambiental (EIA/Rima) acerca da adequação e ampliação do aterro atual. O Executivo municipal também prometeu submeter os pareceres técnicos às instâncias competentes, realizar audiências públicas e cumprir medidas compensatórias recomendadas.

Das medidas previstas, entretanto, apenas o pagamento das indenizações foi concluído. O presidente da Associação dos Assentados do Projeto de Assentamento São João, Eldino José da Silva, afirma que a intensificação das chuvas neste período do ano traz uma série de complicações para a saúde dos moradores. “O lixo fica a céu aberto e não está sendo aterrado diariamente. Por essa razão, aumentaram as moscas e o mau cheiro”.

“Inicialmente a comunidade não concordou com a presença do aterro no assentamento. A procuradoria sempre apoiou as decisões deles. Mas depois de muita conversa e negociação, a comunidade aceitou por ser uma medida emergencial e a prefeitura se comprometeu a assumir todas as possíveis conseqüências”, conta o procurador da República Álvaro Manzano.

Para Álvaro, o Assentamento São João de fato é “o mais indicado” para servir de aterro, pois o local onde o lixo é depositado “não está tão próximo assim” da maioria das famílias, que moram a uma distância maior que 1 km dos pontos de descarregamento. Na maioria das cidades grandes brasileiras, minimizou o procurador, “muitas famílias moram dentro do lixão”.

Diferentemente da opinião de Álvaro, uma equipe técnica do mesmo MPF/TO elaborou um estudo de caso apresentado no 22º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, em setembro de 2003, que contestava os critérios da escolha do local para o aterro. “Embora estejamos cientes de que a implantação do ASD [Aterro Sanitário Definitivo] no local onde se encontra em operação o ASP [Aterro Sanitário Provisório/ASP] evitaria a degradação de uma nova área ainda não impactada, não podemos prescindir da elaboração de estudo de alternativas locacionais, segundo o que preconiza a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 001, de 23 de janeiro de 1986, com o objetivo esclarecer as possíveis dúvidas relativas à localização deste empreendimento”, questiona o estudo.

A realização do estudo de alternativas locacionais, colocam a engenheira Maria Geraldina Salgado, a antropóloga Kênia Gonçalves Itacaramby, o procurador Mário Lúcio de Avelar e o então estudante de engenharia ambiental, Renato Barreto Faria Pereira, “torna-se imperioso em vista da complexidade da situação, uma vez que o empreendimento foi proposto no interior de uma área de um programa de assentamento para fins de reforma agrária”.

“A promoção do desenvolvimento sustentável”, continua o trabalho, “pressupõe a redução das desigualdades sociais cujos fatores produtores e reprodutores também passam pela questão agrária tais como a concentração fundiária e os conflitos aí resultantes ou mesmo o acirramento desenfreado do esvaziamento demográfico do campo brasileiro, causando o surgimento dos cinturões de pobreza nos centros urbanos”. Ou seja, no caso em questão, os autores do estudo identificaram uma “incompatibilidade de objetivos das políticas (…), uma vez que os autores do EIA/Rima admitem que a instalação do aterro pode ocasionar o êxodo das famílias moradoras da área de influência direta, famílias essas que foram assentadas pelo Incra sob um programa que visa, sobretudo, a redução das desigualdades sociais pela ampliação do acesso à terra”.

O próprio procurador Álvaro reconhece que o acompanhamento dos dispositivos do TAC não é o ideal. Segundo ele, uma geógrafa já recebeu a missão do MPF de fazer um novo relatório sobre a situação. A partir dos resultados obtidos, o procurador adianta que enviará ofícios para os órgãos responsáveis pela fiscalização do aterro antes deste recesso de final de ano. Até esta quinta-feira (18), porém, a geógrafa citada não havia comparecido ao assentamento, de acordo com o presidente da associação.

Questionado sobre o cumprimento das cláusulas sob sua responsabilidade no TAC, o Naturatins informa não ser o responsável direto pelo monitoramento – que caberia à Secretaria Municipal de Meio Ambiente Ciência e Tecnologia (Semact) de Palmas -, mas que estaria acionando a diretoria de fiscalização para averiguar a situação do aterro. Integrantes do CDH de Palmas, que acompanhou as negociações do TAC, informam ainda que não estão mais acompanhando as condições de vida na comunidade.

A Agência de Serviços Públicos (Agesp) de Palmas, responsável pelo aterramento diário do lixo, alega pela sua assessoria de imprensa que o presidente da associação Eldino José Alves participou de todas as discussões e, por isso, julga “ser improcedente a alegação de problemas no Assentamento São João”. Além disso, o órgão destaca que uma licitação para a contratação de uma empresa ou profissional especializado no controle das águas da chuva no aterro sanitário para 2009 está em andamento.

Também por meio da assessoria de imprensa, a Prefeitura de Palmas declara que “mesmo não tendo responsabilidade direta pelos problemas causados, indenizou por danos morais e materiais quatro famílias”. “Então, já não devem existir reclamações, mesmo porque estes moradores já deveriam ter se afastado da área, conforme acordado nas reuniões”, emenda.

Uma das principais promessas do prefeito Raul Filho (PT), reeleito nas eleições de outubro deste ano, reside no projeto de melhorias no processamento do lixo bancado com recursos da Caixa Econômica Federal (CEF). Um montante de R$ 2,7 milhões estaria sendo acordado junto ao Ministério das Cidades para a compra de equipamentos e implantação de técnicas corretas de manejo, minimizando os impactos sociais e ambientais.

As medidas propostas para o assentamento, avalia Eldino, são todas de longo prazo. “A situação da comunidade exige medidas de curto prazo”, completa. E enquanto isso, ele continua a ouvir o mesmo tipo de resposta das diversas partes envolvidas: faltam recursos para cumprir o acordado.

Confira a íntegra do TAC firmado em 31 de março de 2008

[EcoDebate, 20/12/2008]

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