Carta da Lapa, dos bispos da Bacia do Rio São Francisco
CARTA DOS BISPOS DO VELHO CHICO
CARTA DA LAPA
Primeiro Encontro dos bispos da Bacia do Rio São Francisco
À luz do Evangelho, em comunhão com o Papa Francisco e inspirados pela carta encíclica “Laudato Sí”, nós, bispos da bacia do Rio São Francisco, representando onze das dezesseis dioceses, diante do processo de morte em que este Rio se encontra e das consequências que isto representa para a população que dele depende, assumimos de forma colegiada a defesa do Velho Chico, de seus afluentes e do povo que habita sua bacia. Como pastores a serviço do rebanho que nos foi confiado, constatamos, com profunda dor:
(a) o sumiço de inúmeras nascentes de pequenos subafluentes e, em consequência, o enfraquecimento dos afluentes que alimentam o São Francisco;
(b) o aumento da demanda da água para a irrigação, indústria, consumo humano e outros usos econômicos, sem levar em conta a capacidade real dos rios de ceder água;
(c) a destruição gradativa das matas ciliares expondo os rios ao assoreamento cada vez maior;
(d) a decadência visual dos rios e da biodiversidade;
(e) o aumento visível dos conflitos na disputa pela água em toda a região;
(f) empresas sempre fazem prevalecer seus interesses e o Estado acaba por ser legitimador de um modelo predatório de desenvolvimento.
Tudo isso vem gerando a destruição lenta e cruel da biodiversidade do Velho Chico e, consequentemente, sua morte gradativa. Diante dessa triste realidade, enquanto bispos da bacia do Rio São Francisco e pastores do rebanho que nos foi confiado, propomos:
1. Sermos uma “Igreja em Saída”: Ir ao encontro do povo e, como pastores, convocar os cristãos e as pessoas sensíveis à causa, para juntos assumirmos o grande desafio de salvar o rio da morte e garantir a vida humana, da fauna e da flora que dele dependem;
2. Sermos uma “Igreja Missionária”: Realizar visitas às nossas comunidades, missões, peregrinações, romarias e estabelecer um diálogo aberto com as pessoas para que entendam e assumam, à luz da fé, o cuidado com a “Casa Comum”, particularmente, a defesa do nosso Rio;
3. Sermos uma “Igreja Profética”: Elaborar subsídios educativos sobre meio-ambiente e o modo de preservá-lo. Utilizar os meios de comunicação, rádios, periódicos diocesanos para levar ao maior número de pessoas a boa nova da preservação da vida;
4. Sermos uma “Igreja Solidária”: Reforçar as iniciativas populares de recomposição florestal, recuperação de nascentes, revitalização de afluentes; incentivar a ética da responsabilidade socioambiental capaz de gerar um modo de vida sustentável de convivência com a caatinga, o cerrado e a mata atlântica; defender políticas públicas para implementação do saneamento básico, apoio à agricultura familiar, manutenção de áreas preservadas, a exemplo dos territórios das comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, etc.
5. Finalmente, declaramos nossa posição em defesa do “Repouso Sabático” para os nossos biomas a fim de que possam se reconstituir. Particularmente, uma moratória para o Cerrado, por um período de dez anos. Durante esse período não seria permitido nenhum projeto que desmate mais ainda o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica, biomas que alimentam o Rio São Francisco e dele também se alimentam.
6. Nesse sentido chamamos as autoridades federais, os governadores, prefeitos, deputados, senadores, o Ministério Público, para que assumam sua responsabilidade constitucional na defesa do Velho Chico e do seu povo.
Que São Francisco, padroeiro da Ecologia e do Rio que traz o seu nome, nos inspire a cuidar da Criação. Que o Bom Jesus da Lapa, de cujo Santuário provém a água da torrente, abençoe e dê vida ao nosso Velho Chico e ao povo do qual ele é pai e mãe. Bom Jesus da Lapa, 1º Domingo do Advento de 2017.
Bispos Participantes
Dom José Moreira da Silva – Bispo de Januária (MG) Dom José Roberto Silva Carvalho – Bispo de Caetité (BA) Dom João Santos Cardoso – Bispo de Bom Jesus da Lapa (BA) Dom Josafá Menezes da Silva – Bispo de Barreiras (BA) Dom Luiz Flávio Cappio, OFM – Bispo de Barra (BA) Dom Tommaso Cascianelli, CP – Bispo de Irecê (BA) Dom Carlos Alberto Breis Pereira, OFM – Bispo de Juazeiro (BA) Monsenhor Malan Carvalho – Administrador Diocesano de Petrolina (PE) Dom Gabriele Marchesi – Bispo de Floresta (PE) Dom Guido Zendron – Bispo de Paulo Afonso (BA)
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 07/12/2017
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Muito interessante a carta assinada por tantos bispos, inclusive D. Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra.
De fato, as nascentes estão desaparecendo e, sem uma política de preservação das matas ciliares, a tendência é de piorar. As iniciativas populares de recomposição florestal, recuperação de nascentes e revitalização de afluentes devem ser estimuladas.
Sugiro, também, que, a par do reconhecido aumento de demanda de água para consumo humano, citado na carta, deva ser estimulado o reuso dessa mesma água.
Mas, Paulo Afonso, o erro está em focar apenas as calhas dos cursos d’água, como é comum nas rodas ambientalistas. As matas ciliares protegem as calhas de agressões externas e criam as condições para sobrevivência de elementos da flora e da fauna que têm nelas os seus ambientes de vida favoritos. O problema básico do Velho Chico (como o de muitos outros rios brasileiros) é a falta de quantidade de água. E quantidade de água é fruto do manejo das pequenas bacias hidrográficas que sustentam as nascentes e os córregos que compõem a bacia maior. A própria Lei das Águas (a 9.433) diz que a bacia hidrográfica é a unidade básica de gestão de recursos hídricos.
As vazões dos rios dependem da aplicação dos conhecimentos presentes na “hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas”. Sem isso não haverá salvação. Fico desestimulado, por vezes, e irritado, muitas vezes, quando percebo que encontros, seminários, simpósios, cartas etc., servem para encher o tempo de muitos, mas não resultam em enchimentos de nossos aquíferos subterrâneos, onde começam nossas farturas ou faltas de água. Outro erro é acreditar que a aplicação do Código Florestal, apenas, será suficiente. Quem pensa assim mostra desconhecimento da “hidrologia aplicada a pequenas bacias”.