EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Crescimento econômico e terrorismo midiático, artigo de Rogério Grassetto Teixeira da Cunha

[Correio da Cidadania] Desde o começo do ano, tenho notado que a mídia tem evocado com insistência o tal “fantasma do apagão”. Especialistas são entrevistados diariamente, articulistas bombardeiam-nos com suas opiniões e passamos a conhecer em detalhes a famigerada “curva de aversão de risco” (gráfico que mostra a altura na qual os reservatórios das usinas hidrelétricas têm que estar em cada época do ano a fim de enfrentarmos sem sustos a estação seca) e a acompanhar sua evolução diária. Isto certamente servirá de forte munição contra a resistência dos ambientalistas às novas hidrelétricas nos rios amazônicos. Já posso até ouvir os argumentos: “estes ambientalistas são contra o desenvolvimento do país”; “são insensíveis à questão do emprego”; “precisamos de energia para o desenvolvimento e os atrasos nos licenciamentos ambientais são um entrave”. E por aí vai.

Creio na intencionalidade da campanha da mídia, pois a tática, de resto, é velha conhecida. Cria-se uma ansiedade na população, que não quer perder seu conforto, polarizam-se as opiniões de forma simplista, tipo bem e mal ou “utópicos” versus “realistas”, não se informa corretamente (ou desinforma-se) e pronto. O resultado é que a dita opinião pública, no Brasil ainda muito longe de ser crítica e consciente, acaba indo na direção que o poder constituído quer. Ou seja, da construção de novas estradas e hidrelétricas, independentemente de suas conseqüências para o meio ambiente.

Na fase crucial da crise ambiental em que nos encontramos agora no mundo (esta sim, uma crise real, e não fabricada), acho isto extremamente lamentável. Com o planeta dando mais e mais sinais de seu esgotamento, e com cientistas e ambientalistas alertando para os riscos da manutenção do modelo econômico atual, a mídia poderia ajudar muito a enfrentarmos a crise que certamente irá agravar-se, propondo discussões sérias e procurando colaborar na conscientização da população.

Obviamente que sei que isto seria esperar demais. A grande mídia, aqui e alhures, encontra-se praticamente toda ela identificada com o pensamento econômico dominante. E este pensamento baseia-se em algumas premissas falsas, cujas conseqüências estão levando o planeta ao colapso, como por exemplo:

1 – O desenvolvimento de uma nação e a qualidade de vida dos povos dependem exclusiva ou majoritariamente de crescimento econômico.

Neste caso, o problema é tanto conceitual quanto lógico. Se definirmos desenvolvimento e qualidade de vida apenas em termos econômico-financeiros médios de uma população, não há como escapar. Porém, desenvolvimento é muito mais do que isto, e restringirmos o conceito àqueles indicadores, ainda mais médios, é muito simplista. Como lembrou José Goldenberg, em artigo publicado (milagrosamente) no Estado de São Paulo de 21/01, qualidade de vida não depende apenas de crescimento, mas principalmente de investimentos em saúde e educação. E se adotássemos outro modelo econômico, qualidade de vida dependeria quase nada do crescimento econômico. No quesito desenvolvimento, eu iria ainda mais fundo, pois prefiro conceituá-lo envolvendo aspectos de desenvolvimento intelectual e cultural, bem como de valores humanos, como cooperação, respeito e solidariedade.

E mais:

2 – A economia mundial e a dos países necessitam de crescimento econômico contínuo e sustentado.

Já esta segunda premissa é falaciosa por dois motivos. O primeiro é que a necessidade de crescimento contínuo não é absoluta, mas relativa. Esta necessidade surge apenas dentro do modelo econômico atualmente adotado, mas não é um imperativo da economia, e muito menos do ser humano.

O segundo motivo é que ela encerra em si uma contradição lógica. Não existe absolutamente nada no universo que tenha crescimento eterno (exceto, talvez, o próprio universo). Até que os economistas criaram esta necessidade para a economia, a fim de justificar alguns desajustes atuais, como as desigualdades dentro e entre povos, por exemplo, e de gerar um mecanismo que a mantenha. Mas isto é matéria para outro artigo.

Ao defenderem sempre a necessidade de mais crescimento – e de mais geração de energia para sustentar este crescimento -, parece que os economistas, desde os prêmios Nobel até os repetidores de suas idéias por aqui, desacoplaram a economia do mundo natural, como se ela estivesse pairando acima dele e fosse independente da natureza. A qualquer um isto parecerá absurdo, mas não há outra forma de entender uma proposta, esta sim completamente absurda, de que precisamos de crescimento ilimitado. Parece que eles esqueceram-se de algo muito simples e sem mistério: como o suprimento tanto de energia quanto de matéria prima é finito, simplesmente não há como manter um crescimento contínuo (claro que parte do crescimento pode dar-se por melhoras nas eficiências dos processos, mas isto também é limitado). É impossível. Simplesmente não há como empregar o adjetivo ‘contínuo’ para a palavra ‘crescimento’, muito menos junto com ‘sustentado’.

Voltando ao nosso problema local, tenho convicção de que, infelizmente, as hidrelétricas do rio Madeira sairão afinal do papel. Imagino que isto alivie a pressão por um tempo. Quando o famigerado crescimento econômico contínuo comer toda a produção energética extra, novas discussões serão iniciadas com os mesmos argumentos e novas hidrelétricas sairão do papel. Talvez, nesta fase, finalmente consigam aprovar as usinas no rio Xingu, depois no Tapajós, depois no Negro, depois … Em cada caso, após a construção das usinas, haverá um período de relativa calmaria. Em seguida, nova crise, novo “fantasma do apagão”, novas discussões … e assim sucessivamente. Até que todos os rios brasileiros, grandes, médios e pequenos, tenham sido transformados numa sucessão de lagos de hidrelétricas (como o Tietê, o Grande, o Paraná e alguns outros já foram). E então não haverá mais onde produzir energia desta fonte. Imagino, quando este dia chegar, com que cara ficarão os economistas e a mídia. Será que neste dia então finalmente eles irão perceber que crescimento econômico contínuo é absurdo?

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
E-mail: rogcunha@hotmail.com

Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado pelo Correio da Cidadania.