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Chapada Diamantina: a caixa d’água da Bahia vai secar! por Cristiane Passos

 

CPT

Conhecida por ser uma das principais atrações turísticas do Brasil, por conta de suas belezas naturais, o mundo desconhece a importância que a Chapada Diamantina tem no fornecimento de água para o estado da Bahia, e para o equilíbrio da rede hidrográfica brasileira.

(Cristiane Passos – CPT Nacional)

Refém dos interesses comerciais de grandes produtores rurais, abandonada e maltratada pelo poder público, a Chapada está secando e seus rios estão morrendo. Comunidades ao longo da Chapada já sofrem com a escassez de água, conflitos que podem se tornar mais violentos estão se intensificando na região e a capital soteropolitana também vai sofrer com a falta d’água.

Em Utinga, os índios Payayás já perceberam há uns anos o tamanho do problema e começaram um trabalho de conscientização, articulação política e ação. Hoje, Otto Payayá, avalia que a ação é a única ferramenta que ele ainda crê. “Do governo a gente tá cansado. A gente junta a comunidade e vamos limpar o rio, plantar na beirada dele, fazer algo prático, recuperar a vegetação para que a água volte a correr”, afirmou.

Otto Payayá (foto: Cristiane Passos)
Otto Payayá (foto: Cristiane Passos)

 

Viveiro com mudas produzidas pelos Payayás para reflorestamento (foto: Cristiane Passos)
Viveiro com mudas produzidas pelos Payayás para reflorestamento (foto: Cristiane Passos)

 

A descrença de Otto não é à toa, além do abandono relegado pelo estado à região, quando ele enfim age, o faz sem planejamento e acaba por piorar a situação. O rio Utinga nasce na comunidade de Cabeceira do Rio, distante cerca de oito quilômetros da sede do município de Utinga. Ele é responsável pelo abastecimento de água das cidades de Utinga, Wagner, Lajedinho e Andaraí. Em 1977 foi construída uma barragem na cabeceira da nascente do rio Utinga, literalmente em cima da nascente e de seus fervedouros – nascentes de rios subterrâneos. E para piorar ainda mais, a retirada da mata ciliar na área da barragem provocou o desbarrancamento, o que tem assoreado o rio. O indígena relatou que recentemente conseguiu levar ao local o engenheiro responsável pela obra da barragem e que ele se emocionou ao ver o tamanho do erro que cometeram.

O rio Utinga é apenas um dos vários rios que compõem a bacia do Paraguaçu, responsável pelo abastecimento de várias cidades da região e da capital baiana, Salvador. Assim como o Jacuípe, que abastece, por exemplo, o distrito do município de Piritiba, França. No distrito, a Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A.) joga no próprio rio os rejeitos da estação de tratamento. Além dos rejeitos, uso de agrotóxicos por produtores locais e plantações em área de preservação permanente têm poluído e assoreado o rio, cuja vazão tem diminuído a olhos vistos.

Rejeitos da estação da Embasa em França sendo despejados no rio (foto: Cristiane Passos)
Rejeitos da estação da Embasa em França sendo despejados no rio (foto: Cristiane Passos)

 

O rio assoreado no distrito de França (foto: Cristiane Passos)
O rio assoreado no distrito de França (foto: Cristiane Passos)

 

Seguindo o exemplo dos payayás, assentamentos da região têm se organizado para reflorestar as margens dos rios e assim tentar retomar a riqueza de águas da região. É o caso do assentamento São Sebastião, no município de Wagner, que após ver o rio Utinga quase secando, fez mutirões para plantação de mudas nativas nas margens do rio e para a limpeza do local. Os assentados descrevem com tristeza terem testemunhado o rio secar e os peixes morrerem. Mesmo com as ações, em fevereiro deste ano os assentamentos ficaram sem água. Na cidade de Wagner aconteceu o mesmo.

Sem a presença do poder público, grandes produtores, também impactados pela falta d’água, destilam acusações contra os assentados e pequenos produtores, acusando-os de serem os responsáveis pela escassez de água. Porém, são os grandes produtores que multiplicam bombas para alimentar sistemas de irrigação de suas produções, ao longo do rio. Segundo os produtores, nos últimos 10 anos houve um aumento do plantio irrigado de culturas, que absorvem um grande volume de água, saindo de aproximadamente 200 hectares para mais de 1.000 hectares. Isso é equivalente a mais de 1,6 milhão de plantas, que para manter sua produtividade necessita de 40 litros de água por dia para cada planta[1]. Sem controle, plano de manejo ou fiscalização, boa parte dessas bombas para irrigação não possui sequer outorga de uso do Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia)[2].

Conflitos pela água: a violência iminente

A comunidade do povoado de São José, próximo a Lençóis (BA), ficou 120 dias sem água. Toda sua produção foi perdida. Endividados, pois conseguiram a terra em que vivem através do crédito fundiário e não pela reforma agrária, chegaram a passar fome. Em fevereiro desse ano, quando chegaram ao limite, bloquearam os dois sentidos da BR-242, na altura do km-308. Segundo relato das famílias, policiais militares da CIPA (Companhia Independente de Policiamento Ambiental) dispararam contra os manifestantes. Ninguém ficou ferido. A polícia teria, segundo eles, levado duas pessoas presas e, no trajeto até a delegacia, os próprios policiais teriam quebrado o vidro da janela da viatura e colocado a culpa em um dos manifestantes, que ficou preso por dois dias sob acusação de vandalismo. Ele foi solto somente após o pagamento de fiança no valor de R$ 2.800,00.

Régua para medir altura da água do rio que abastece a comunidade de São José (foto: Cristiane Passos)
Régua para medir altura da água do rio que abastece a comunidade de São José (foto: Cristiane Passos)

 

Líderes da comunidade têm sofrido constantes ameaças por conta de sua atuação e denúncias feitas. As ameaças, conforme relataram, partem tanto de fazendeiros da região, quanto da polícia. Fazendeiros disseram também a eles que “se virassem” com caminhões pipa ou que “criassem camelos, que não bebem água”. “Quando é da natureza você tem que concordar. Mas a minha sensação é que não era da natureza essa falta d’água, era somente por que tem gente que se acha melhor do que a gente”, desabafou uma das moradoras da comunidade. Temerosos com o rio baixando novamente, os moradores declararam que vai haver mais embate, pois não irão aguentar novamente a falta d’água, quietos.

Bacia do Paraguaçu

A bacia hidrográfica do Paraguaçu é uma das mais importantes para o estado da Bahia, sendo fundamental para o abastecimento de água da região metropolitana de Salvador. Mais de três milhões de pessoas dependem das águas deste rio, cuja bacia se estende por mais de 55 mil km², abrangendo 86 municípios e 10% do território do estado. O Paraguaçu tem suas nascentes em áreas de Caatinga, Campos de Altitude e encraves de Mata Atlântica na Chapada Diamantina. Das nascentes até a foz, na Baía de Todos os Santos, o rio percorre 600 km, cruzando uma região com alta diversidade social, cultural e ecológica. Tamanha importância torna ainda mais preocupante o atual estado de degradação ambiental da bacia[3].

Além da sua importância no fornecimento de água e no equilíbrio da biodiversidade local, a região possui grande potencial turístico e econômico, mas nem mesmo isso tem livrado a Chapada da degradação. Um de seus cartões postais, a Cachoeira da Fumaça, localizada entre os municípios de Lençóis e Palmeiras, que possui 340 metros de altura e é a segunda maior cachoeira do Brasil, também enfrenta problemas com o desequilíbrio das águas na região. Segundo moradores da região, têm aumentado os momentos no ano em que a cachoeira seca. O Poço Azul, outra atração turística, atraente por sua gruta com águas cristalinas que ficam mais azuis com a entrada de feixes de luz do sol, está cercado de plantações irrigadas e que utilizam agrotóxicos.

Poço Azul - atração turística que também está ameaçada pelo uso de agrotóxicos e retirada indiscriminada de água em seus arredores. (foto: Cláudio Dourado - CPT Ruy Barbosa)
Poço Azul – atração turística que também está ameaçada pelo uso de agrotóxicos e retirada indiscriminada de água em seus arredores. (foto: Cláudio Dourado – CPT Ruy Barbosa)

 

De acordo com Rogério Mucugê, da Conservação Internacional e coordenador do projeto “Semeando Águas no Paraguaçu”, todos esses fatores já citados, como poluição, retirada indiscriminada de água, ausência do Estado e de políticas públicas que garantam a conservação do ecossistema local, são agravados ainda pelas constantes queimadas. “A maioria dessas queimadas são criminosas”, afirmou ele. Além disso, espaços de reivindicação da sociedade civil para a resolução de problemas como esses, estão dominados pelos representantes de grandes empreendimentos rurais. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Paraguaçu é um deles. Apesar da ideia de composição diversificada e democrática dos Comitês, a população em geral e as entidades de preservação ambiental são sempre voto vencido nas decisões sobre a Bacia.

Como disse o senhor Ramiro de Souza, do Assentamento São Sebastião, “dizem na televisão que o agro é tudo, mas não é, a água é tudo. Ninguém vive sem água”. Comungando dessa ideia e preocupada com a situação na região, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Ruy Barbosa (BA) dará início a uma campanha de conscientização sobre a necessidade de ações imediatas de preservação das águas da Chapada Diamantina. Articulada com as comunidades locais e organizações de defesa do meio ambiente, ela espera visibilizar a situação crítica das águas da Chapada e, assim, mobilizar a sociedade para salvar esse patrimônio natural, bem como o mais fundamental de nossos recursos naturais, a água.

 

[1] http://folhadachapada.com.br/brasil/folha-da-chapada/chapada-diamantina-rio-utinga-pede-socorro/#more-37

[2] http://www.oparaguacu.com.br/cortado-duas-vezes-o-rio-utinga-sofre-grave-ameaca-de-morte/

[3] http://www.conservation.org/global/brasil/iniciativas-atuais/Pages/iniciativas-bacia-do-paraguacu.aspx

 

Artigo socializado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e reproduzido in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/06/2017

 

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