Meio ambiente e os princípios da prevenção e precaução, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] A civilização humana vive em um estágio evolutivo das relações sociais que é muito complexo, caleidoscópico e multifacetado, que caracteriza o que tem se denominado classificar como sociedade de risco, segundo manifestações sintetizadas da obra de grandes ícones como Ulrich Beck.
Os pensadores e operadores do direito atribuem para a palavra princípio, em sua raiz latina última, significa ‘aquilo que se toma primeiro’ (do latim “primum capere”), designando o início, começo, ponto de partida. Princípios e diretrizes fundamentais de uma ciência ou de uma normatização legal, segundo José Cretella Júnior, ‘são as proposições básicas, fundamentais, típicas e conspícuas, que condicionam todas as estruturas subsequentes’.
O filósofo Aristóteles já dizia que nada alcança a inteligência sem passar pela percepção. E para Descartes, a percepção se confunde com a inteligência. Para Leibniz, percepção e inteligência são estados transitório e integrados, que envolvem processos múltiplos.
O permanente incremento da busca daquilo que a civilização humana no seu atual estágio autopoiético dentro do sistema hegemônico concebe como sendo obtenção de maior conforto e lazer, se reduzem a obtenção de melhores condições de consumo e maximização de sensações sensoriais.
Mas isto acaba gerando desequilibrada utilização de recursos naturais, fato que compromete o futuro do planeta terra, já que as ações patrocinadas pelo meio social ou socioeconômico, são altamente degradantes. Talvez a inteligência na sociedade moderna esteja se reduzindo a fase da percepção para frustração do filósofo peripatético Aristóteles. Ou exclusivamente a estímulos hedonistas.
Mas diante desse cenário, se explicita que meio ambiente e saúde são vetores indissociáveis, e o ordenamento jurídico nacional tem contemplado esta relação. Sem pretensão de exaurir o tema, se destacam correlações entre meio ambiente, a saúde e os princípios que o direito tem desenvolvido e praticado, particularmente os princípios da prevenção e da precaução, que são basilares do Direito Ambiental Brasileiro.
Várias apropriações de meio ambiente se desenvolvem especificamente na área do direito. Mas todas harmônicas e confluentes com os princípios gerais expressos em legislações e em regulamentações ou resoluções expedidas pelos vários órgãos do arcabouço institucional brasileiro.
Entre os especialistas, verificamos a existência de diversas definições sobre “meio ambiente”, algumas abrangendo apenas os componentes naturais e outras refletindo a concepção mais moderna, considerando-o como um sistema no qual interagem fatores de ordem física, biológica e socioeconômica.
Meio ambiente pode ser simplificado como as relações geradas pelas interações entre elementos do meio físico que podem ser sintetizados em rochas, solos, águas superficiais e subterrâneas, ar, geomorfologia e climas. Os constituintes do meio biológico, que são a flora e a fauna. E os elementos do meio socioeconômico que representam todas as intervenções antrópicas.
Mas em direito o conjunto é ampliado com propriedade. O jurista José Afonso da Silva defende que meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas suas formas.
Já para o doutrinador José Ávila Coimbra, considera meio ambiente como sendo “o conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro de padrões de qualidade definidos”.
Na legislação pátria, o inciso I, do artigo 3º, da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/81), define meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Desta forma, a expressão “meio ambiente” deve ter uma significação ampla, não se referindo apenas à natureza, mas sim a uma realidade complexa, resultante do conjunto de elementos físicos, químicos, biológicos e socioeconômicos, bem como de suas inúmeras interações que ocorrem dentro de sistemas naturais, artificiais, sociais e culturais.
O vocábulo saúde também deve ser compreendido de forma abrangente, não significando somente à ausência de moléstias, mas sim a completo estado de bem-estar físico, mental e social de um indivíduo. Que depende muito das condições ambientais e de vida. Tanto existenciais como profissionais.
Nesse sentido, é válida a diretriz que se extrai da disposição contida no artigo 3º da Lei nº 8.080/90, onde se consigna que “a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”.
Logo o termo “saúde” engloba uma série de condições que devem estar apropriadas para o bem-estar completo do ser humano, incluindo principalmente o meio ambiente equilibrado.
Os princípios utilizados como diretrizes fundamentais pelas práticas jurídicas, fornecem a base para a criação de leis e são a essência das normas de direito. Vale ressaltar que o Direito Ambiental, que visa a manutenção de um perfeito equilíbrio nas relações do meio antrópico com as dimensões físicas e biológicas do meio natural, possui alicerces próprios, que são decorrentes não apenas de um sistema normativo ambiental, mas também do sistema de direito positivo em vigor.
Dentre os diversos princípios do Direito Ambiental, cumpre destacar os princípios da prevenção e da precaução.
O princípio da prevenção se caracteriza pela prioridade que deve ser dada para as medidas que evitem o estabelecimento de atentados para as condições ambientais que se considera em equilíbrio, de maneira a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar sua qualidade.
Pelo princípio da prevenção, permite-se a instalação de uma determinada atividade ou empreendimento, impedindo, que esta ação antrópica cause danos futuros, por meio de medidas mitigadoras ou de caráter preventivo que se comprovem eficazes e eficientes através de ações de monitoramento propostas pelo empreendedor e aprovadas pelo órgão licenciador.
Paulo de Bessa Antunes ressalta que existe “um dever jurídico-constitucional de considerar as condições do meio ambiente quando se for implantar qualquer empreendimento econômico”. Conforme este doutrinador, a Carta Magna obriga todo empreendedor a proteger o meio ambiente ao exercer sua atividade econômica, razão pela qual se conclui que o princípio da prevenção impõe o equilíbrio entre o desenvolvimento sócio-econômico e a preservação ambiental.
O princípio da precaução, por outro lado, é um estágio além da prevenção. A precaução tende à não permitir a realização do empreendimento, se houver risco de dano irreversível, enquanto a prevenção busca estabelecer uma compatibilização entre a atividade e a proteção ambiental.
Assim, pelo princípio da precaução, quando existe risco ou incerteza científica sobre a ocorrência ou possibilidade de dano ambiental, o empreendimento ou a atividade sequer podem e devem ser licenciadas para implantação. Neste sentido, o ordenamento jurídico brasileiro é bastante claro, sobre a indissociabilidade dos temas concernentes à saúde e ao meio ambiente. E para tanto emprega em defesa da qualidade ambiental e qualidade de vida do povo, os princípios da prevenção e precaução,
A atuação dos operadores jurídicos, utilizando os princípios da prevenção e da precaução é de fundamental importância, pois estas diretrizes restringem e até mesmo proíbem o estabelecimento de um empreendimento que potencialmente ofereça riscos à natureza e à saúde da população.
Não existe mais nada a fazer, além de saudar o estágio evolutivo alcançado pelas normas positivadas do direito brasileiro na proteção do meio ambiente. Por isto se defende tanto que a atividade de licenciamento seja interativa e permanente. Pois só assim princípios fundamentais podem ter sua materialidade efetivada.
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Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/03/2017
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