Odebrecht pagará R$ 30 milhões para encerrar processo por trabalho escravo em obra em Angola
A construtora Odebrecht e duas de suas subsidiárias, Odebrecht Serviços de Exportação e Odebrecht Agroindustrial, terão que pagar R$ 30 milhões por danos morais coletivos em razão de terem mantido mais de 400 trabalhadores em condições análogas à escravidão na construção da usina de açúcar e etanol Biocom, em Angola, na província de Malanje, em 2011 e 2012. As empresas também são acusadas de tráfico de pessoas.
Em primeira instância, as empresas tinham sido condenadas a pagar multa de R$ 50 milhões – a maior quantia por uma condenação no Brasil relacionada a trabalho análogo à escravidão e ao aliciamento de trabalhadores. Na sexta-feira (17), as empresas fecharam acordo com o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Campinas (SP) para pagar R$ 30 milhões e encerrar a ação. O montante será destinado a projetos e campanhas mediante aprovação do TRT e do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas.
Na decisão de 1º grau, o juiz Carlos Alberto Frigieri afirmou que operários brasileiros contratados para a construção da usina na província de Malanje foram submetidos a um regime de trabalho “prestado sem as garantias mínimas de saúde e higiene, respeito e alimentação, evidenciando-se o trabalho degradante, inserido no conceito de trabalho na condição análoga à de escravo”. Segundo o Ministério Público, os trabalhadores brasileiros foram também submetidos ao cerceamento de sua liberdade, inclusive mediante a apropriação de documentos com o propósito de serem mantidos confinados no canteiro de obras, mesmo em dias de folga.
De acordo com o MPT, a maior parte dos operários que participaram da obra no país africano foi recrutada no interior de São Paulo, na região de Araraquara e Américo Brasiliense. “Resultados de exames médicos de trabalhadores que retornaram de Angola, encaminhados pelo Departamento Municipal de Saúde da Prefeitura de Américo Brasiliense, mostram que vários operários apresentaram febre, dor de cabeça, dor abdominal, diarreia, náuseas, fezes com sangue, emagrecimento, e alguns apresentaram suspeita de febre tifoide”, destacou o MPT.
Em depoimentos prestados na Justiça, os trabalhadores relataram que os ambientes na obra não eram limpos e que os banheiros ficavam distantes do local de trabalho. “Permaneciam sempre cheios e entupidos, obrigando-os a evacuar no mato. A água consumida era salobra e a comida, estragada”, segundo relatado ao MPT.
Os operários disseram ainda que a alimentação oferecida continha uma carne vermelha, oferecida como bovina. No entanto, a partir de informações do próprio cozinheiro, os trabalhadores descobriram, segundo o MPT, que tratava-se de carne de jiboia. “Dentro da cozinha do refeitório era comum a presença de baratas e ratos; depoentes alegaram ter visto um rato morto entre os pratos. Quando um dos operários deparou com um macaco na cozinha, desistiu de comer no local, pois sabia que o animal seria morto e servido aos trabalhadores como refeição”, destacou o MPT.
Em nota, a Odebrecht negou as acusações e disse que ontem a ação “foi extinta definitivamente por meio de acordo celebrado com o Ministério Público do Trabalho perante o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região”.
Segundo o comunicado, “a empresa [Biocom] reafirma que zela pelo cumprimento estrito da legislação e respeito às pessoas. Por isso, a premissa para celebração deste acordo foi justamente o fato de que ele não implica qualquer reconhecimento de prática de trabalho escravo, nem de violação de direitos humanos ou de princípios que regem as relações de trabalho pela empresa”.
A Biocom argumenta que, embora nenhuma instituição brasileira tenha comparecido às suas instalações para fiscalizá-la, “as condições de trabalho na empresa sempre foram fiscalizadas e atestadas positivamente por autoridades angolanas (equivalentes ao Ministério do Trabalho e Emprego)”.
Por Bruno Bocchini, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/03/2017
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