Trabalho escravo em Mato Grosso: Trabalhadores são libertados de áreas de prefeito e vereador
Risco na produção de explosivos caseiros, dívidas irregulares, alojamentos de lona, sem água potável nem banheiro. Assim viviam empregados de três pedreiras de Nortelândia (MT); duas delas em propriedades de políticos locais
O grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontrou cerca de 40 pessoas – incluindo dois adolescentes, um de 14 e outro de 17 anos – em condições anlogas à escravidão em Nortelândia (MT). A fiscalização libertou as pessoas de duas pedreiras pertencentes a Vilson Ascari (PMDB) e Ataíde Bastos Guimarães (PMDB), respectivamente prefeito e vereador do município, e de uma terceira propriedade, cujo dono não foi identificado pelos fiscais. A operação aconteceu entre 19 e 28 de novembro. Por Bianca Pyl, da Agência de Notícias Repórter Brasil.
A situação era de alto risco, pois os trabalhadores que manipulavam explosivos sem qualquer equipamento de proteção individual (EPI). Raulino Maracajá, procurado do Trabalho que acompanhou a ação, disse ser difícil descrever as condições em que se encontravam os empregados. “Só vendo para crer”, comentou. Os explosivos eram artesanais, feitos pelos próprios trabalhadores, à base de uma mistura de salitre, enxofre e carvão. “Alguns empregados relataram casos de acidentes, em que os empregadores não prestaram socorro. Foi o que aconteceu com um trabalhador que feriu as duas mãos com explosivos e teve que conseguir dinheiro com a família, em Pernambuco, para voltar para casa. Ele chegou a ir ao médico em Nortelândia, por conta própria”.
Os quebradores de pedras viviam em barracos de lonas, sem água potável nem instalações sanitárias. A água utilizada para consumo diário vinha de um córrego próximo aos barracos. Os empregados compravam alimentos na conta dos empregadores em um supermercado próximo. “No final do mês, o valor era descontado do salário dos trabalhadores”, relata um dos subcoordenadores da ação, que preferiu não se identificar por questões de segurança. O pagamento dos funcionários se dava por produção: R$ 300 a cada mil pedras. Os funcionários vinham de Goiás, Pernambuco e alguns eram da região.
Arrendamento informal
Os auditores fiscais e o procurador do Trabalho constataram que os responsáveis pelos trabalhadores eram , responsáveis, respectivamente, pelo trabalho na pedreira cujo dono não foi identificado, na pedreira do vereador Ataíde Bastos e na propriedade do prefeito Vilson Ascari.
O procurador Raulino disse à Repórter Brasil que considerou o caso atípico porque os proprietários não foram responsabilizados pelos trabalhadores. Ele e os auditores fiscais do Trabalho que participaram da ação atribuíram responsabilidade extra aos três intermediários – Silvino Santana Araújo (da área que não teve o dono identificado), Gilmar Gomes (da pedreira do vereador Ataíde Bastos) e José Pedro (da pedreira do prefeito Vilson Arcari). “Os ´empregadores´ [Silvino, Gilmar e José Pedro] também trabalhavam nas pedreiras. Foi um caso difícil, estudamos e vimos que realmente os donos não tinham vínculos empregatícios com os quebradores de pedra”.
Os proprietários fizeram um acordo verbal com os “empregadores”, segundo o auditor fiscal que participou da ação. “O acordo previa o pagamento de 10% do valor das vendas das pedras. Contudo, foi comprovado que os proprietários não estavam recebendo nada. Porém, eles falharam no dever de vigiar suas propriedades e poderão ser responsabilizado na Justiça”.
O vereador Ataíde Bastos Guimarães (PMDB) nega que tenha feito qualquer acordo e que a propriedade seja uma fazenda. “Eu tenho uma chácara de 5 alqueires. Só. Não tem nada de fazenda, como estão dizendo por aí. Eu deixei que eles tirassem a pedra de lá porque não me interessava, eu só queria uma terrinha para quando me aposentar”, defende-se Ataíde. O vereador conta ainda que não conhecia a situação dos trabalhadores porque não tem tempo de ir ao local e que não recebia nenhuma porcentagem do que era extraído. A Repórter Brasil tentou entrar em contato com Vilson Ascari, mas ele não foi localizado na prefeitura de Nortelândia.
Segundo Raulino Maracajá, um relatório sobre a fiscalização será encaminhado ao Ministério Público do Trabalho (MPT) de Cuiabá para que seja feita uma avaliação de como proceder no caso. Uma ação poderá ser ajuizada para exigir o pagamento dos trabalhadores. “O MPT irá verificar se haverá medida judicial e administrativa ou até se os proprietários poderão ser responsabilizados solidariamente”.
Até o momento, não houve pagamento das verbas rescisórias. Apenas o seguro-desemprego para trabalhador resgatado será pago. “Nem todos os funcionários ficaram até o final da fiscalização porque sabiam que os empregadores não teriam condições de efetuar o pagamento”, explica Raulino.
O MPT promoveu a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o prefeito Vilson e o vereador Ataíde. No acordo, eles se comprometem a não arrendar suas propriedades para empregadores que não respeitam a legislação trabalhista. O TAC foi assinado durante uma reunião, na qual os fiscais sugeriram a formação de um sindicato dos trabalhadores. “As pedreiras são uma fonte de renda para muitos moradores e gera receita para o município, portanto o ideal é que se chegue a um acordo para regularizar a situação”, explica o procurador.
Na opinião de Jorge Luiz Souto Maior, juiz do Trabalho e professor da Faculdade de Direito, da Universidade de São Paulo (USP), mesmo considerando os proprietários como arrendantes, não há como excluir a responsabilidade deles pelo que se passa nas terras no que diz respeito às condições de trabalho.
“A legislação do trabalho rural (Lei n. 5.889/73) existe exatamente para coibir que negócios jurídicos firmados pelos proprietários das terras fossem usados como mecanismos de negação de responsabilidades, deixando sem resposta jurídica efetiva os direitos humanos dos trabalhadores rurais. O empregador rural não é aquele que dá ordens aos trabalhadores, é o que se vale economicamente dos resultados do trabalho executado no âmbito rural (art. 2o., da Lei 5.889/73)”, explica Jorge.
O artigo 2º da Lei 5.889/73 estabelece ainda que, quando o proprietário arrenda a terra e recebe de acordo com a produção, ele é, para efeitos jurídicos trabalhistas, o real empregador, sendo, no mínimo, responsável solidário pelos efeitos jurídicos advindos das condições de trabalho impostas aos trabalhadores em suas terras.
O juiz federal explica ainda que todo o aparato do direito que incide sobre o trabalho rural foi estabelecido para que os negócios jurídicos de natureza civil não eliminem responsabilidades. “Buscando, assim, afastar a chaga do trabalho escravo ou do trabalho em condições degradantes. Deve-se punir de forma exemplar aqueles que tiram proveito econômico de tal situação. Mesmo a participação passiva, sem conhecimento da situação, é fator de responsabilização, pois em termos de respeito aos direitos humanos, a ninguém é dado exirmir-se de responsabilidade alegando desconhecimento”.
[EcoDebate, 09/12/2008]
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