Como a economia está matando o planeta: um tema a ser discutido por Henrique Cortez
Como a economia está matando o planeta: um tema a ser discutido por Henrique Cortez
O relatório “Special report: How our economy is killing the Earth”, publicado pela revista New Scientist, é, acima de tudo, uma provocação. Embora de 2008 ele continua assustadoramente atual, porque seus questionamentos continuam sem respostas e a crise ambiental ampliou-se. O relatório preocupa-se, acertadamente, em formular questões e motivar o debate porque, sem reflexão crítica, talvez não tenhamos futuro.
Em primeiro lugar, o artigo reconhece o óbvio: nosso modelo de desenvolvimento é insustentável.
Vivemos em um planeta finito com recursos igualmente finitos, logo o conceito de desenvolvimento baseado na expansão infinita da economia não funcionará por muito tempo.
Pena que, reconhecer o óbvio, nem sempre seja simples.
Desde o início da era industrial, os padrões desenvolvimento foram concebidos a partir da relação produção e consumo. Deste período inicial, os conceitos de preço, valor e custo, embora diferentes, guardavam uma lógica nas suas razões e proporções.
A globalização e a finaceirização da economia criaram um modelo em que preço, valor e custo já não guardam relação entre si. Criaram, na verdade, um modelo apenas baseado no consumo desmedido e na especulação.
É esta a questão essencial colocada pelo artigo: só encontraremos a necessária sustentabilidade planetária se mudarmos o modelo de desenvolvimento e, com ele, os atuais fundamentos econômicos.
Redesenhar a economia mundial seria um feito inédito e só poderia acontecer se realizado coordenadamente por todos os países. Ou seja, não vai acontecer.
Vou usar a questão do consumo insustentável como exemplo.
O modelo produção/consumo precisa vender cada vez mais, em escala maior do que o crescimento populacional. Para isto investe pesadamente no marketing, produzindo uma onda consumista sem paralelos na história. Ao mesmo tempo, todos os produtos devem ficar obsoletos o mais rápido possível, justificando sua substituição, mesmo que desnecessária. O desperdício é incentivado e o consumo desenfreado endeusado.
É evidente que isto demanda cada vez mais recursos naturais e energia, logo, nossa pegada ecológica fica cada vez maior.
Muito bem, digamos que uma onda de regulação global tente reduzir este processo, a começar pela obrigação de reduzir a obsolescência, ao mesmo tempo em que, por programas de eficiência energética, reduz a energia agregada ao produto.
O primeiro impacto seria a redução da demanda de recursos naturais e de energia, mas, ao mesmo tempo, também reduziria a demanda industrial e, com ela, a oferta de empregos na indústria.
Menos empregos e produção também reduziriam a arrecadação de tributos, o que poderia enfraquecer toda a rede de proteção social oferecida pelos governos.
Com base no raciocínio acima, os desenvolvimentistas são ferrenhos defensores do crescimento da produção, do consumo e, evidentemente, da carga tributária.
Segundo eles, sem isto, o resultado seria uma catástrofe econômica em escala global.
Certo? Não necessariamente.
Uma grande parte deste modelo de desenvolvimento é virtual e meramente especulativo, como ficou demonstrado nas recentes crises financeira internacional e alimentar.
Na crise alimentar ficou demonstrado que a produção de alimentos é mais do que suficiente para garantir a segurança alimentar de toda a população do planeta, mas, o modelo especulativo encarece os produtos, impedindo que os mais pobres tenham acesso aos alimentos, perpetuando o ciclo da fome.
Algo parecido acontece com os produtos e com os serviços.
Muitas empresas obtêm mais da metade de seus lucros no mercado financeiro e, para isto, tornam-se grandes investidores nas bolsas de valores. Para manter o ritmo de seus lucros buscam papeis mais lucrativos e, por consequência, de maior risco.
Enquanto wall street, a economia virtual, esteve desconectada de main street, a economia real, o cassino especulativo enriqueceu muita gente, mas agora, com a crise, quando os papeis perderam a gordura especulativa e retornaram ao seu valor real, a conta ficou com o contribuinte. É da essência deste capitalismo especulativo que o lucro seja privado e o prejuízo seja socializado.
É a forma ilógica da relação de preço, valor e custo que permite que um tênis que custa US$ 25 seja vendido por US$ 400. Toda a economia global possui incontáveis casos como este e, por isto, é uma economia com muito mais dígitos do que seu valor real.
Isto também permite que executivos, nos EUA, tenham um salário de US$ 17 mil por hora e que recebam generosas bonificações pelos lucros que oferecem aos acionistas, mesmo que sejam lucros meramente especulativos.
É o caso do preço do petróleo que, no recentemente, variou de US$ 60 para US$ 140 e agora está pouco acima de US$ 30, sem qualquer relação real com a produção e o consumo. As variações de consumo foram irrelevantes e os grandes consumidores mundiais continuam com a mesma demanda maciça. Outro claro caso de especulação.
É isto que está em questão, o que realmente deve ser entendido como desenvolvimento, como deve ser medido e incentivado.
O relatório “Special report: How our economy is killing the Earth”, publicado pela revista New Scientist, não pretende de esgotar o tema ou propor as alternativas. Também não tenho esta pretensão, nem que seja porque, nem de longe, tenho as respostas. Alias, acho que ninguém tem.
Fica, no entanto, o alerta de que este modelo não vai funcionar por muito tempo, na exata medida em que os recursos naturais se esgotam e que as mudanças climáticas podem colocar a economia e a sociedade diante de uma catástrofe planetária.
Precisamos debater estes temas e encontrar as alternativas mais viáveis enquanto ainda temos tempo.
Henrique Cortez é jornalista e editor da revista eletrônica EcoDebate.
** Abaixo transcrevemos, no original em inglês, Special report: How our economy is killing the Earth.
Special report: How our economy is killing the Earth
New Scientist magazine, 16 October 2008, page 40-41
THE graphs climbing across these pages (see graph, right, or explore in more detail) are a stark reminder of the crisis facing our planet. Consumption of resources is rising rapidly, biodiversity is plummeting and just about every measure shows humans affecting Earth on a vast scale. Most of us accept the need for a more sustainable way to live, by reducing carbon emissions, developing renewable technology and increasing energy efficiency.
But are these efforts to save the planet doomed? A growing band of experts are looking at figures like these and arguing that personal carbon virtue and collective environmentalism are futile as long as our economic system is built on the assumption of growth. The science tells us that if we are serious about saving Earth, we must reshape our economy.
This, of course, is economic heresy. Growth to most economists is as essential as the air we breathe: it is, they claim, the only force capable of lifting the poor out of poverty, feeding the world’s growing population, meeting the costs of rising public spending and stimulating technological development – not to mention funding increasingly expensive lifestyles. They see no limits to that growth, ever.
In recent weeks it has become clear just how terrified governments are of anything that threatens growth, as they pour billions of public money into a failing financial system. Amid the confusion, any challenge to the growth dogma needs to be looked at very carefully. This one is built on a long-standing question: how do we square Earth’s finite resources with the fact that as the economy grows, the amount of natural resources needed to sustain that activity must grow too? It has taken all of human history for the economy to reach its current size. On current form it will take just two decades to double.
In this special issue, New Scientist brings together key thinkers from politics, economics and philosophy who profoundly disagree with the growth dogma but agree with the scientists monitoring our fragile biosphere. The father of ecological economics, Herman Daly, explains why our economy is blind to the environmental costs of growth (“The World Bank’s blind spot”), while Tim Jackson, adviser to the UK government on sustainable development, crunches numbers to show that technological fixes won’t compensate for the hair-raising speed at which the economy is expanding (“Why politicians dare not limit economic growth”).
Gus Speth, one-time environment adviser to President Jimmy Carter, explains why after four decades working at the highest levels of US policy-making he believes green values have no chance against today’s capitalism (“Champion for green growth”), followed by Susan George, a leading thinker of the political left, who argues that only a global government-led effort can shift the destructive course we are on (“We must think big to fight environmental disaster”).
For Andrew Simms, policy director of the London-based New Economics Foundation, it is crucial to demolish one of the main justifications for unbridled growth: that it can pull the poor out of poverty (“The poverty myth”). And the broadcaster and activist David Suzuki explains how he inspires business leaders and politicians to change their thinking (“Interview with an environmental activist”).
Just what a truly sustainable economy would look like is explored in “Life in a land without growth“, when New Scientist uses Daly’s blueprint to imagine life in a society that doesn’t use up resources faster than the world can replace them. Expect tough decisions on wealth, tax, jobs and birth rates. But as Daly says, shifting from growth to development doesn’t have to mean freezing in the dark under communist tyranny. Technological innovation would give us more and more from the resources we have, and as philosopher Kate Soper argues in “Nothing to fear from curbing growth”, curbing our addiction to work and profits would in many ways improve our lives.
It is a vision John Stuart Mill, one of the founders of classical economics, would have approved of. In his Principles of Political Economy, published in 1848, he predicted that once the work of economic growth was done, a “stationary” economy would emerge in which we could focus on human improvement: “There would be as much scope as ever for all kinds of mental culture, and moral and social progress… for improving the art of living and much more likelihood of it being improved, when minds cease to be engrossed by the art of getting on.”
Today’s economists dismiss such ideas as naive and utopian, but with financial markets crashing, food prices spiralling, the world warming and peak oil approaching (or passed), they are becoming harder than ever to ignore.
Read more:
Special report: The facts about overconsumption
The two sets of graphs, right, illustrate how human activity has changed since the beginning of the Industrial Revolution, and the impacts that our societies have had on the Earth as a whole.
All figures are taken, with the kind permission of the publishers, from:
Steffen W, Sanderson A, Tyson P D, Jäger J, Matson P, Moore III B, Oldfield F, Richardson K, Schellnhuber H-J, Turner II B L and Wasson R J (2004) Global Change and the Earth System: A Planet Under Pressure. The IGBP Book Series, Springer-Verlag, Berlin, Heidelberg, New York, 336 pp
Specific references used are as follows:
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