Área próxima ao Parque Nacional do Xingu vira cemitério de árvores
Milhares de troncos queimados se espalham por 2 mil hectares de terra nua e arenosa, tingida pelo carvão e cinzas, no município de União do Sul, no norte de Mato Grosso, a 700 km de Cuiabá. É um cemitério de árvores em plena Amazônia. A área fica a 49 quilômetros do Parque Indígena do Xingu, uma das regiões mais protegidas do País. O extermínio dispensou a motosserra: a derrubada foi feita no arrasto de correntes com tratores. José Maria Tomazela, O Estado de São Paulo, publicado pelo 24Horas News, 06/02/2008 – 22h19
A clareira gigante denuncia o avanço do desmatamento em direção ao parque nacional. A soja e a pecuária já se instalaram nos limites da reserva e põem em risco as cabeceiras do Rio Xingu, um dos grandes afluentes do Amazonas. União do Sul, com suas serrarias e carvoarias, não aparece na lista dos 19 municípios mais desmatadores de Mato Grosso elaborada com base em dados do Deter, o sistema de detecção de desmatamentos em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A divulgação dos números colocou em confronto, na última semana, o governador do Estado, Blairo Maggi (PR), e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Eles sobrevoaram juntos a região na quarta-feira. A ministra teria ficado tão impressionada com o que viu que endureceu as negociações com o governador.
Um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva obriga o cadastramento e restringe atividades em propriedades onde houver desmatamento. Boa parte das matas na região de Marcelândia e União do Sul, no lado oeste do parque, é de florestas virtuais: debaixo das copas ralas foi tudo explorado ou consumido pelo fogo. O raleio (técnica de desbaste) possibilita o despejo de sementes de capim com avião e a formação de pasto. A entrada de um gado quase invisível sob a mata consolida a ocupação, que não é detectada pelos satélites.
Na área da derrubada, o processo de desmatamento foi abreviado. Os autores optaram pelo “correntão” para acelerar o desmate. O piloto Tiago Petroski Decol, que nasceu no distrito de Analândia do Norte e há vários anos sobrevoa a região, calcula que a derrubada começou entre julho e agosto do ano passado.
Neste período, de 15 de julho a 15 de setembro, as queimadas são proibidas no Estado. Após o uso do fogo – única fase em que o início do desmatamento pode ser detectado – entra o correntão. “Foi quando estava bem seco, pois as esteiras das máquinas não afundaram muito no chão.”
O trator de esteiras é usado porque o de pneus encalha. A corrente grossa de aço é presa nas máquinas que avançam paralelamente no sentido da derrubada. Para possibilitar o arrastão, é feito antes o corte da madeira mais nobre e de troncos grossos. “As serrarias da região até brigam por essa madeira”, afirma Decol.
Do alto, vêem-se os montes de toras e pó de serra em estabelecimentos nas periferias de União do Sul e Marcelândia, incluído o distrito de Analândia do Norte. Marcelândia está na lista dos municípios campeões de desmatamento. “As cidades surgiram como vilas madeireiras”, lembra Decol. Quando a matéria-prima rareia, as áreas de mata são repassadas a pecuaristas e, depois, a agricultores.
O corte raso com o correntão é a forma mais bruta de desmatamento. As árvores são arrancadas com a raiz e tudo o que há sobre o solo – plantas, animais, filhotes, ninhos e insetos – vai de roldão. “É o meio mais destruidor, coloca a mata no chão com bicho e tudo e queima.”
Para escapar dos satélites, os transgressores das leis ambientais inovam. Os polígonos de derrubada são inferiores a 25 hectares, áreas que se tornam invisíveis para o Deter. Outra estratégia para burlar a vigilância eletrônica é derrubar a mata pelas margens, de forma gradual, numa largura não superior a 20 metros por vez. A floresta é “comida” pelas bordas.