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Artigo

Contribuições da Unila para a latino-americanização do Brasil, por Elissandro dos Santos Santana

Contribuições da Unila para a latino-americanização do Brasil

Por Elissandro dos Santos Santana

Colunista socioambiental e tradutor do Portal Desacato

Especialista em Sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais

Imagem retirada do site: http://cdn1.mundodastribos.com/wp-admin/uploads/2010/01/unila.jpg

Este é um recorte de artigos que já foram publicados no Portal Desacato, na Revista Peabiru e na Revista Latinoamérica. Desta forma, é importante destacar que as discussões que serão feitas aqui são retomadas de pontos que já foram discutidos e, em alguma medida, novos aportes são acrescentados. Feitas essas considerações, sugiro que partamos para a análise propriamente dita em torno das contribuições da Universidade Federal da Integração Latino-americana para a latino-americanização do Brasil.

Pois bem, no cotidiano acadêmico das práticas e dos saberes na Unila, a partir do encontro intercultural com atores sociais de ensino e de aprendizagem pertencentes a diversos países do universo latino-americano, o discente brasileiro encontra na universidade de fronteira a possibilidade de repensar a própria construção da nacionalidade e, mais importante que isso, de refletir acerca da necessidade do latino-americanizar-se.

É importante colocar que no cenário global hodierno, as fronteiras tornam-se cada vez mais líquidas, fluídas e o fenômeno da integração desponta como necessidade não somente para o crescimento econômico, mas, principalmente, para o encontro de povos, línguas e culturas. Diante de uma sociedade em movimento, já não deve haver espaço para o nacionalismo exacerbado, resistente, pois, na Aldeia Global, o encontro com o outro é condição essencial para o surgimento da consciência nacional com vistas a uma visão transnacional. Na integração de povos surge o novo e as diferenças, e estas, em vez de causarem estranhamentos e preconceitos, podem contribuir para o princípio da criatividade e da cultura da mudança. Diante do novo, o nacionalismo, necessariamente, não precisa ser anulado; ao contrário, desponta como ponto de partida para outros olhares e, assim, ser ponte com arquiteturas culturais outras, propiciando a produção de saberes e, dessa forma, realimentando práticas de produção e designs mentais mais sustentáveis de desenvolvimento sócio-cultural-econômicos na Fronteira Trinacional. As realidades históricas, linguísticas, políticas, sociais e econômicas da região fronteiriça Brasil-Paraguai-Argentina despontam como lócus de pesquisa para análises profundas em torno da dimensão das vozes plurais, logo, polifônicas, a partir das culturas em contato e como esse encontro possibilita a produção de conhecimento e transformação sócio-político-econômica nas comunidades fronteiriças. Diante do estudo dos elementos identidade-cultura pode-se entender o poder da identidade em integração e como tal fator opera a mudança na cultura local por meio da própria linguagem dos sujeitos em ação e atuação em espaços de vivência e transformação do ser local para a consciência do ser planetário.

A localização da UNILA e seu projeto de produção de conhecimento na fronteira é um objeto científico de estudo importante para entender até que ponto os três países em confluência vivem uma integração no Sul, além de verificar quais políticas podem ser repensadas e colocadas em prática para que o encontro de povos propicie um novo olhar em rede e, assim, produza saberes em ação transformadora para além do espaço em questão, atingindo dimensões ainda maiores como todo o MERCOSUL e, até mesmo, em projeções como a UNASUL, a partir de epistemologias próprias, desvinculadas de visões epistemológicas deslocadas emprestadas do Norte. Nesse âmbito, investigar as contribuições da UNILA para a formação de uma identidade latino-americana brasileira a partir de práticas e saberes na própria universidade surge, para além da investigação das contribuições da referida Instituição para o desenvolvimento socioeconômico e formação da identidade cultural latino-americana, como oportunidade para a ruptura com paradigmas colonizadores de pensar o desenvolvimento em espaços multiculturais distintos das nuances do mundo capitalista nortista. Nesse sentido, pode-se mencionar que o estudo em questão contribuirá para o estado da arte em torno das teorias e pressupostos das vertentes e dos olhares pós-coloniais.

O Brasil, por suas peculiaridades, mesmo que possua uma história parecida com a de países vizinhos pertencentes ao MERCOSUL e, também, com a de outros países latino-americanos, distancia-se em alguns pontos como a língua, a geografia e até de elementos históricos específicos importantes para o imaginário e construção de uma nacionalidade brasileira. Esses distanciamentos são responsáveis por noções sobre o ser latino ou não sê-lo na memória coletiva do povo brasileiro. Sabe-se que essa imagética de pertencimento ao mundo latino, seja cultural, social, histórica e, quiçá, econômica, está muito mais presente no discurso de povos dos países vizinhos do que na consciência do brasileiro, o que, no mínimo, é preocupante, pois em tempos globalizantes, o encontro de povos pode ser a válvula para o progresso, despertando a emancipação do elemento criativo e, principalmente, o sentimento de coletividade a partir de aportes empíricos sociais em conjunto, pluralidade de olhares e enfoques, novas formas de organização, aparecimentos de novas demandas e dinâmicas de desenvolvimento e produção socioculturais, reconfiguração de sujeitos em cena entre nações e não somente no seio interno do nacionalismo, construção de novas identidades coletivas mais complexas, geração de novos direitos culturais e ampliação do campo participativo nos marcos de novas formas e arquiteturas de poder.

Ainda que a consciência de ser latino-americano não esteja presente na discursiva de muitos atores sociais no Brasil, que, quando indagados sobre uma identidade latina, afirmam-se brasileiros e desconhecem o sentido de coletividade em continente, a Carta Magna Brasileira, de 1988, traz em seu bojo e corpus o objetivo de unidade com os povos irmãos no Continente. No entanto, ainda que na Constituição haja espaço para essa proposta integrativa, de 1988 até a hodiernidade, o sonho de integração não avançou muito e o Mercado Comum do Sul, porta-voz para a integração, passou por alguns entraves burocráticos e políticos que impediram a consolidação de uma identidade entre povos.

O Brasil, ao que tudo indica, começou a colocar em prática o sonho de integração, seja pela consolidação, em parte, do MERCOSUL, seja pelo projeto da UNASUL, pela tentativa de criação da Universidade do MERCOSUL, canal que seria imprescindível para a geração de conhecimento no Bloco que se pretende muito mais que união aduaneira, um corredor de livre circulação de pessoas com suas culturas e olhares sobre a existência; a existência de tal instituição geraria a cultura do saber em rede, partindo-se do pressuposto de que o conhecimento transforma, mas que, infelizmente, não vingou, de fato, por conta das diferenças nos sistemas educacionais entre os países envolvidos, diferenças estas que, de per si, já corroboram que o sonho de integração ainda não ocorreu nem em vias mínimas. No entanto, a luta por uma integração, ainda que tenha fracassado no plano burocrático no que tange aos emperramentos de sistemas díspares de produção de saberes, ganhou força com a criação de um centro de pesquisa, extensão e ensino na fronteira, com o aval da nação brasileira, que, como potência econômica em consolidação na região, criou a UNILA, uma Instituição comprometida com a integração latino-americana, a partir de fundos e investimentos somente brasileiros, mas que, mesmo assim, recebe estudantes de países do MERCOSUL, principalmente, da Argentina, Uruguai e Paraguai, com o objetivo precípuo de proporcionar o encontro de povos, línguas, culturas e aprender com isso. Diante de uma instituição universitária em vias de consolidação na Fronteira, Trinacional, este projeto desponta como oportunidade para investigar as contribuições da UNILA para a formação da identidade cultural latino-americana entre estudantes e docentes brasileiros na instituição. Para tanto, serão investigados, por meio do discurso, novas perspectivas e percepções sobre o ser latino-americano em operação a partir do contato com o outro em regiões fronteiriças e até que ponto essa mudança de visão cultural constrói a identidade latino-americana brasileira. A Unila, pela localização geopolítica de aprendizagem, cruza saberes do continente na confluência de povos e possibilita a construção e constituição de novas identidades, dentre elas, a de ser latino-americano. Acerca do estado da arte do fenômeno que se pretende investigar, pouco se disse especificamente e, por isso, os resultados alcançados nessa pesquisa servirão para a ampliação do estado da arte do objeto estudado. Claro que no que tange ao elemento cultura e identidade latino-americana muito já fora dito, mas como a revisão bibliográfica teria que ser em perspectiva específica, essa parte de teorização geral que fundamentará o objeto de pesquisa será apresentado na parte que se rotula como referencial teórico.

Para o estudo acerca das contribuições da UNILA para a formação da consciência de uma identidade cultural latino-americana entre brasileiros e povos dos países vizinhos, principalmente, aqueles pertencentes ao MERCOSUL, faz-se necessário aprofundar leituras em torno de uma gama de autores e pesquisadores que tratam a questão da cultura, a língua como mecanismo de interação, integração e produção de saberes, movimentos sociais, identidade cultural, globalização, fronteiras, além de outras noções e epistemes. Diante de todos os conceitos para a compreensão do objeto de estudo em questão, o de maior relevância é a percepção do valor de identidade cultural, haja vista que este consagra e depende de uma série de outros conceitos. Frente à complexidade do termo em baila, será imprescindível recorrer a autores e teóricos como Bakhtin, Bhabha, Stuart Hall, Boaventura Santos, Foucault, Castells, Beired e Barbosa, Bourdieu, Coracini, Morin, Marcuse, Hessen, Galeano, Marx, Capra, Arroyo, Gohn, Laville e Dionne, Heidegger, Bauman, Lipovetsky, Canclini e outros. Torna-se oportuno ressaltar que a noção de identidade cultural latino-americana exige uma profunda reflexão acerca do elemento cultura e, também, de sociedade, já que as sociedades foram construídas ao longo da história da humanidade alicerçadas no cultural. Por cultura, além de outros imaginários, dado que o termo é amplo e complexo, pode-se entendê-lo como o conjunto de produção material e imaterial de um povo e, nisso, reside visão de valor, o que exige rigor na investigação conceitual. Nessa linha, pode-se externar que para a compreensão do sentido de pertencimento latino-americano na fronteira, há que se analisar o fenômeno das culturas híbridas, em um eterno ir e vir. E mais importante, nas regiões de divisa, a partir do encontro de sociedades e seus valores culturais, há a possibilidade da apropriação social da cultura do outro e, nesse apropriar-se, ocorre a dialogicidade para a aprendizagem, partindo de pontos comuns e distantes em espaços parecidos e, ao mesmo tempo, diferentes, atores sociais constroem sentidos diversos. Sendo assim, a identificação cultural é fundamental para um olhar mais integrador sobre a outridade como extensão do próprio ser que olha.

A UNILA oferece essa condição na mistura de culturas, o saber entre sociedades plurais e pertencentes a sistemas político-culturais distintos. No que concerne ao papel social do saber na academia mencionada, é oportuno apresentar o que apregoam Laville e Dionne (1999, p. 51) no que tange à importância para uma pesquisa como esta em vertentes humanas: “As ciências humanas são exercidas em resposta às necessidades concretas da sociedade. (…) surgem em sua forma moderna na segunda metade do século XIX, inspiradas no modo de construção do saber então preponderante em ciências naturais.”. Ainda no tocante ao surgimento das pesquisas nas ciências sociais e humanas e sua função social na produção de saberes, Laville e Dionne (1999, p. 51) pontuam o seguinte: Esses problemas estão ligados a profundas mudanças que as sociedades ocidentais então conhecem nos planos político e econômico. A ordem anterior acha-se suficientemente modificada para que se possa qualificar tais mudanças de revolução.

A partir das necessidades que vão surgindo na fronteira, com confluências e mais confluências, por meio de línguas operando em polifonias culturais e políticas diferentes, aparece a necessidade latente por entender o que é a identidade e, também, o que se entende por fronteira. Acerca desses encontros, Bauman (2005, p. 17), pontua: “Existem comunidades de vida e de destino, cujos membros (segundo a fórmula de Siegfried Kracauer) “vivem juntos numa ligação absoluta”, e outras que são “fundidas unicamente por idéias ou por uma variedade de princípios”.

A partir das práticas e saberes transformadores em uma universidade de fronteira, pluricultural, portanto, polifônica nas bases, encontra-se o terreno fértil para pedagogias críticas não mais ancoradas na vertente local, mas nos entrelaçamentos de uma pedagogia latino-americana. Acerca disso, Ducasse (2015), no livro “Entramando pedagogías críticas latino-americanas” pondera:

Profesores/as, educadores/as populares, pedagogos/as, trabajadores/as de la educación e investigadores/as podemos aportar en los procesos de transformación social, poniendo a disposición de las comunidades educativas y territoriales todos nuestros conocimientos y saberes. Desde aquí, reivindicamos las pedagogías críticas, puesto que en términos ético-políticos, teóricos, metodológicos y conceptuales, pueden contribuir en la construcción y fortalecimiento de proyectos educativos a nivel local, regional y nacional; pueden vigorizar procesos organizativos de sectores sociales en resistencia; pueden acompañar instancias de sistematización de saberes y de auto-reconocimiento colectivo; pueden motorizar procesos de concienciación integral; pueden ayudar en la reconstrucción de memorias e historias locales; pueden robustecer, en contenido y forma, los espacios participativos, deliberativos y asamblearios de colectividades sociales, entre muchas otras posibilidades.

Na fronteira, as comunidades se fundem recorrentemente e, nessas fundições, culturas entram em choque e, ao mesmo tempo, despontam como oportunidades para o respeito ao outro e busca de soluções. No contato, policulturas dialogam e a esse respeito, Bauman (205, p. 17) pontua: “A questão da identidade só surge com a exposição a “comunidades” da segunda categoria – e apenas porque existe mais de uma ideia para evocar e manter unida a “comunidade fundida por idéias” a que se é exposto em nosso mundo de diversidades e policultural.”. A análise de uma identidade latino-americana suscita, de imediato, como já fora mencionado, a necessidade de conhecer o que se entende por cultura e como essa transita na fronteira. No que tange ao lócus fronteiriço, o fator cultural torna-se ainda mais difuso e complexo, haja vista que nesse não lugar ou entre-lugar, os agentes estão em deslocamentos não somente do ponto de vista físico-geográfico, mas, também, histórico-cultural. Dessa forma, pode-se mencionar que a cultura nesse espaço vive uma eterna diáspora, modificando consciências individuais e coletivas, proporcionando a visão transnacional, sem, contudo, sufocar o sentimento de pertença ao local. Acerca da diáspora das identidades, ao falar sobre as identidades em formação no Caribe, Hall (2003, p. 28) apresenta que luz, então, a experiência da diáspora lança sobre as questões da identidade cultural no Caribe? Já que esta é uma questão conceitual e epistemológica, além de empírica,_o que a experiência da diáspora causa a nossos modelos de identidade cultural? Como podemos conceber ou imaginar a identidade, a diferença e o pertencimento, após a diáspora? Já que “a identidade cultural” carrega consigo tantos traços de unidade essencial, unicidade primordial, indivisibilidade e mesmice, como devemos “pensar” as identidades inscritas nas relações de poder, construídas pela diferença, e disjuntura?

Diante de atores sociais pertencentes a culturas distintas, um aprende com o outro e se do lado de lá, os vizinhos latino-americanos já se sentem como rede, com seres dialógicos cultural, histórico e em outras questões, a partir da experiência na UNILA, será possível perceber o outro e suas bagagens culturais de sentir a diferença do lado brasileiro. Para a investigação em torno do papel da universidade na transformação da mentalidade cultural do Brasil para a consciência cultural de ser latino-americano além de brasileiro, contribuindo para o nascimento do agente pertencente a um Continente com histórias, culturas e geografias diversas, recorrer-se-á à noção Bakhtiniana de que a cultura do outro só se revela mais e melhor, a partir do olhar do outro. Diante desse outro, será possível transitar pelo campo das descobertas, dos achados, das revelações, das tomadas de conhecimento, das línguas em contato, das produções de sentido entre o eu e o outro. Na fronteira, mais especificamente, na Tríplice Fronteira, as tensões nos contatos entre povos com culturas que se encontram, mas, ao mesmo, tempo, diferem-se através da língua, da forma de conceber e enxergar o mundo geram o acontecimento discursivo e, consequentemente, a troca, a partilha e a construção de novos sentidos. A pesquisa em torno da identidade é um campo subjetivo e deveras voltado ao campo das Humanas, mas, apesar da subjetividade, pode ser referência para outras pesquisas acerca da arte de estudo em torno do tema em questão. E ao recorrer à noção Baktiniana de cultura, levar-se-á em consideração o olhar desse autor sobre a importância da pesquisa em Humanas, quando coteja as possibilidades entre as investigações em exatas e a investigação nas humanas.

Qualquer objeto do conhecimento (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido a título de coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado a título de coisa porque, como sujeito, não pode, permanecendo sujeito, ficar mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico. Dilthey e o problema da compreensão. Os múltiplos aspectos da eficácia na atividade cognitiva. A atividade eficaz do sujeito na cognição da coisa muda e na cognição de outro sujeito, ou seja, a atividade dialógica do cognoscente. A atividade dialógica (e seus graus) do sujeito submetido ao ato de cognição. A coisa e a pessoa (o sujeito) como limites do conhecimento. Graus de reificação e de personalização. Caráter de acontecimento da cognição dialógica. O encontro. O juízo de valor como elemento necessário da cognição dialógica. Ciências humanas — ciências que tratam do espírito — e ciências das letras (a palavra que é ao mesmo tempo parte constitutiva delas e objeto comum de estudo). (1997, p. 404)

A dialogicidade das Humanas é uma noção muito cara à proposta de pesquisa em torno das Contribuições da UNILA para a formação da identidade cultural latino-americana entre estudantes brasileiros em contato com povos de países vizinhos, pois, partindo-se do olhar dialógico, como instância para a produção do conhecimento apregoado por Bakhtin, perspectiva aceita por outros teóricos que discorrem sobre cultura e identidade, pode-se entender que na fronteira, não somente nos limítrofes geográficos entre países, mas no interior do Brasil e dos países do MERCOSUL e da América Latina em geral, o contato entre povos implica diálogo, negociações e, na UNILA, espaço voltado para a produção de conhecimentos, essas zonas de conflitos e tensões em busca do acontecimento emancipador, implicará em aceitar o abalo de certezas, problematizando, sempre que possível, as explicações que não comportam réplicas e, assim, possibilitando uma epistemologia de pensar no Sul.

Ao longo da história do Continente Latino-Americano, muitos problemas ficaram sem respostas viáveis, dado que as instituições sociais sempre recorreram a saberes e valores do Norte, cabendo destacar que, em muitos casos, as realidades e diversidades do Sul não encontraram guarida na arquitetura mental dos nortistas. No quadro mundial multipolar atual, a formação de blocos desponta como diálogos necessários para o enfrentamento de crises a partir dos elementos fortes na cultura de intersecção e a América do Sul, especialmente, o MERCOSUL, precisa encontrar novas rotas, construir os próprios caminhos de progresso, a partir, claro, dos valores identitários que possui e não ancorada no olhar de outros, distantes físico-econômico-histórico-culturalmente. Concernente à urgência de uma epistemologia do Sul, Boaventura, ao discorrer sobre o ponto de mutação urgente de uma colonialidade para uma descolonialidade do Sul, coloca que é preciso um novo pensamento, um pensamento pós-abissal. Será possível? Existirão as condições que, se devidamente aproveitadas, poderão dar-lhe uma chance? A partir das noções de Epistemologia do Sul de Boaventura, a América do Sul pode revisitar a história que nunca foi própria, mas contada pelo colonizador e, nesse revisitar, recontar a história, uma nova história, com um discurso do Sul e não mais do senhorio do Norte. Partindo-se do pensamento do pesquisador e pensador Boaventura, os latino-americanos podem refletir sobre o papel da recontagem da história e, ao fazê-los, aprenderão que existe o Sul, a transitar pelo Sul, a partir do Sul para o Sul e com o Sul. No Sul haverá a obrigação de dialogar, e, essa dialogicidade presente em todos os atos de comunicação, fenômeno importante para o descortinar da ignorância, coaduna com o que afirma Morin (2003, p. 9) sobre a forma como se processa o conhecimento no mundo atual: Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários.

A região da Fronteira Trinacional precisa integrar-se para, a partir dos pilares da amizade política, histórica e cultural, encontrar soluções para os problemas da região, em parceria, mas isso só será possível quando houver uma consciência coletiva de identidade cultural latina. Nessa linha, é crucial entender que os movimentos sociais na fronteira, seja do lado paraguaio, no Brasil ou na Argentina, possuem intersecções e é imprescindível entender como funcionam essas pontes de amizade. No que concerne aos movimentos sociais na América Latina, faz-se oportuno apresentar o que coloca Gohn (2014, p. 24) acredita que as dicotomias, sempre presentes nos debates internacionais sobre os movimentos, mudam de foco para local/global, Norte/Sul. Novas versões teóricas são desenvolvidas na América Latina com as teorias pós-coloniais; novas expansões ocorrem nas teorias já existentes, tais como as culturalistas; estudos e pesquisadores das teorias marxistas retomam o debate da identidade de classe dos movimentos; e teorias que tinham a hegemonia na América do Norte tais como a da Mobilização Política, do Paradigma Norte-Americano, penetram na realidade latino-americana e passam a ser eixos referenciais básicos para muitos pesquisadores.

A Universidade da Integração Latino-Americana possui o papel de despertar o poder da consciência identitária e, mais importante ainda, o papel da ação em rede, em conexão. Na convivência, no contato, no encontro, os conflitos e tensões, situações propícias para a resolução de problemas a partir do elemento comum e das diferenças, a Unila, na fronteira, configura-se como espaço para a polifonia dialógica, para a dança de culturas na alegria do encontro. Acerca desse encontro, Santana (2016) coloca que para a compreensão dos trânsitos culturais a partir das práticas de saberes na Unila é oportuno pontuar que os intercâmbios e trânsitos culturais entre sociedades coincidem com o surgimento das aglomerações humanas ao longo da história.

Na hodiernidade, processos como os descritos anteriormente, surgem arvorados no conceito de interculturalidade, termo usado para classificar a convivência democrática entre culturas múltiplas, portanto, diferentes, buscando a integração sem a anulação da diversidade cultural entre os povos. Na fronteira, mais especificamente, na Fronteira Trinacional, as tensões nos contatos entre povos com culturas que se encontram, mas que, ao mesmo, tempo, diferem-se através da língua, na forma de conceber e enxergar o mundo geram o acontecimento discursivo e, consequentemente, a troca, a partilha e a construção de novos sentidos.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikail. Estética da criação verbal. São Paulo Martins Fontes, 1997. — (Coleção Ensino Superior)

BAUMAN, Zigmunt. Identidade. Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Minas Gerais, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.

CARDOSO, Gustavo. JACOBETTY, Pedro. Navegando pela crise: culturas de pertencimento e mudança social em rede. In CASTELLS, Manuel. CARDOSO, Gustavo. CARAÇA, João. A crise e seus efeitos. As culturas econômicas da mudança. São Paulo: Paz e Terra, 2013.

DUCASSE, Fabian Cabaluz. Entramando Pedagogías Críticas Latinoamericanas. Santiago de Chile: Editorial Quimantú, 2015.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

GOHN, Maria da Glória. BRINGEL, Breno M. (orgs). Movimentos sociais na era global. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.

LAVILLE, Christian. Dionne, Jean. A construção do saber. Manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed; Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

SANTANA, Elissandro dos Santos. A construção da identidade latino-americana brasileira a partir das práticas e saberes na Unila. Foz do Iguaçu, PR: Revista Peabiru, 2016.

 

in EcoDebate, 14/10/2016

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