Londres lança orçamento nacional expresso em toneladas de gás carbônico
Proposta coincide com início da reunião sobre mudança climática de Poznan, na Polônia, onde britânicos querem tomar a dianteira
Duas crises infernizam o mundo: a financeira, para ontem, e a climática, para amanhã. Disposto a dar o exemplo na conferência sobre mudança climática que começa hoje em Poznan (Polônia), o governo britânico engatilhou um segundo orçamento nacional, expresso em toneladas de gás carbônico (CO2) e não em libras esterlinas. Por Marcelo Leite, na Folha de S.Paulo, 30/11/2008.
A adoção do orçamento carbônico começa amanhã, com o lançamento da primeira proposta, e vai até 1º de junho de 2009. É a peça central da Lei de Mudança Climática aprovada pelo Parlamento no dia 18. Foi formulada pelo Comitê de Mudança Climática (CCC, na sigla em inglês), um órgão independente de aconselhamento e supervisão do governo na matéria, outra inovação britânica.
Até março, o governo do trabalhista Gordon Brown tem de anunciar se acata a proposta do CCC e justificar as alterações que nela fizer. Seguem-se dois meses de debates parlamentares sobre o orçamento consolidado por Brown.
Em 1º de junho, a peça tem de virar lei, e o governo passa a responder por seu cumprimento, sob a vigilância de revisões anuais do comitê enviadas ao Parlamento. Haverá sempre três orçamentos enfileirados, todos qüinqüenais.
Na primeira leva, para os períodos 2008-2012, 2013-2017 e 2018-2022. Cada um deles terá metas específicas de redução de gases do efeito estufa propostas pelo CCC, de modo a delinear a trajetória para alcançar o objetivo de cortar 80% das emissões até 2050.
A idéia é dar segurança a empresários para que invistam em sistemas de produção com maior eficiência energética. É quase certo que haverá uma meta intermediária, em torno de 30% de corte, para 2020. O Protocolo de Kyoto previa redução de 12,5% para o Reino Unido no período 2008-2012.
O objetivo foi alcançado com folga, em grande medida graças à troca de carvão por gás natural na geração de eletricidade. Mas isso resultou da desregulamentação e da privatização do setor na década de 1980, não de políticas ambientais.
Agora o governo britânico almeja liderar, dando o exemplo, a travada negociação internacional sobre clima. Um corte de 80% nas emissões até 2050 -em todos os países- é tido como necessário para evitar que a temperatura média da atmosfera planetária se aqueça mais que 2C. Acima disso, avaliam cientistas, o clima poderia enlouquecer de vez, com secas graves, tormentas e inundações mais freqüentes.
Até agora as tratativas para distribuir o ônus entre as nações foram paralisadas pela disputa entre países desenvolvidos, maiores responsáveis pelo carbono já emitido, e em desenvolvimento. O Reino Unido pretende romper o impasse dando o exemplo e exibindo metas ambiciosas e uma lei que o obriga a cumpri-las.
Mesmo com a adoção de metas similares pelos EUA de Barack Obama, que prometeu US$ 150 bilhões em dez anos para a pesquisa de tecnologias limpas, o avanço da negociação é encarado com ceticismo. Caso um improvável acordo consiga estabilizar as emissões mundiais nos níveis do ano 2000, ainda assim haveria 75% de chance de a temperatura ultrapassar os 2oC.
A projeção se encontra num relatório da consultoria McKinsey & Company muito citado no governo britânico, “O Desafio da Produtividade do Carbono”, lançado em junho. Combater o pior da mudança climática custaria menos de 1% do PIB de 2050, estima o documento, ecoando cifra do Relatório Stern, de 2006.
A McKinsey fez também a conta do aumento necessário na produtividade do carbono (unidades de PIB por tonelada de CO2) para manter o crescimento da economia mundial na média de 3% -valor que hoje parece irreal. Seria preciso multiplicá-la por dez, passando de US$ 740/t para US$ 7.300/t.
Algo comparável ao aumento da produtividade do trabalho na Revolução Industrial, mas em 40 anos, não 120. David Kennedy, secretário-executivo da CCC, está otimista. Ele acredita ser possível descarbonizar inteiramente a matriz energética britânica até 2050. Para isso, o orçamento de carbono que ajudou a finalizar prevê um leque amplo de medidas, da conservação de energia à eletricidade nuclear.
Haveria lugar ainda para biocombustíveis e créditos de carbono, além de investimentos para desenvolver usinas termelétricas a carvão “limpas”: com captura e injeção subterrânea do CO2.
Um dos grandes nós são as emissões da aviação e da navegação, que não foram incluídas no Protocolo de Kyoto, mas farão parte dos orçamentos carbônicos britânicos e, talvez, do acordo climático que for possível alcançar em Copenhague, daqui a um ano. Sem a inclusão desses setores, seria impossível alcançar a meta de longo prazo: baixar a emissão per capita a algo da ordem de 2 toneladas anuais, na média mundial.
Uma coisa é certa: o governo britânico, entusiasta de mecanismos de mercado como créditos de carbono, está convencido de que a prevenção do aquecimento global depende da coordenação de governos, assim como na crise financeira.
Proposta de comitê pode trazer conseqüências para o Brasil
A proposta de orçamento de carbono que o Comitê de Mudança Climática (CCC) britânico apresentará amanhã ao governo Brown terá conseqüências para o Brasil. Uma das atribuições da comissão independente é estipular o peso dos biocombustíveis na descarbonização da economia do país.
A expectativa é que o CCC recomende teto de 20% para biocombustíveis, até 2020. Aí estaria incluído o álcool que o Reino Unido importa do Brasil.
No futuro, isso dependerá do cumprimento de padrões socioambientais, alerta Joan Ruddock, secretária-executiva do recém-criado Ministério da Energia e Mudança Climática. E não será para sempre: “Pensamos que os biocombustíveis têm um papel útil no curto e no médio prazo”, diz.
David Kennedy, da CCC, também acentua esse papel transitório dos biocombustíveis. Pelo menos os de primeira geração, como o álcool de cana e milho, e de segunda geração, como o celulósico, de resíduos agrícolas, que seria parte importante do esforço de redução de emissões daqui a 15 anos.
As plantas usadas como matéria-prima do álcool contribuem menos para o aquecimento global porque, ao crescer, retiram CO2 da atmosfera. Depois mais carbono será emitido na queima do combustível, mas o saldo pode ser muito favorável, como no caso do álcool de cana comparado à gasolina.
Uma terceira geração, com algas, poderia vir em 40 anos. É a principal esperança para dar solução ao problema hoje inabordável dos combustíveis fósseis e das emissões de carbono na aviação e na navegação.
[EcoDebate, 02/12/2008]
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