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Artigo

Cemitérios e enterros sustentáveis, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

“Os mortos governam os vivos”
Augusto Comte

 

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Capsula Mundi, projetada pelos designers italianos Anna Citelli e Raoul Bretzel

 

[EcoDebate] A humanidade já provocou grandes alterações nos ecossistemas do Planeta. Desmatou florestas para explorar as madeiras de lei, fazer carvão e ampliar as atividades da agricultura e da pecuária. Represou rios, drenou pântanos, alterou a paisagem natural. Revolveu a terra para extrair minérios, foi buscar petróleo no fundo do subsolo e emitiu gases de efeito estufa que alteram a química da atmosfera, provocando o aquecimento global e a acidificação dos solos e das águas. Mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas e cresce agressivamente o número de megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes.

Em decorrência de tudo isto, cresce o número de cientistas que dizem que não dá mais para continuar neste ritmo insustentável. É preciso buscar todas as alternativas para evitar a crise ambiental que ameaça o bem-estar de todos os seres vivos do campo e da cidade. Sem dúvida, a humanidade precisa mudar o estilo de vida. Mas há também propostas para se mudar o estilo de morte, reconfigurando os enterros e os cemitérios, para um desenho mais amigável ao meio ambiente.

A antropologia histórica diz: “a cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos”. Antes do surgimento do Homo Sapiens, há 200 mil anos, o gênero Homo já cultuava o espírito e a memória dos antepassados. Na Era Paleolítica, os mortos foram os primeiros a ter uma morada permanente, quer seja em uma caverna, uma cova assinalada por um monte de pedras ou um túmulo coletivo. A “cidade dos mortos” já estava presente, mesmo quando a humanidade era nômade.

As pirâmides do Egito – uma das sete maravilhas do mundo antigo – eram templos construídos para os mortos. Envolveu o trabalho de dezenas de milhares de trabalhadores e escravos, empobreceu a economia e custou a vida de muitos. Sarcófagos luxuosos foram edificados para eternizar as desigualdades sociais. Monumentos funerários foram construídos para satisfazer as aspirações religiosas da transfiguração da hierarquia da sociedade.

Dizem que “O túmulo é o limite das vaidades e pretensões humanas”. Mas muitos túmulos se tornam monumentos à arrogância, à concorrência, à exibição e à presunção das famílias. Diversos cemitérios se tornam atração turística por serem “museus a céu aberto”, onde estão expostas, nos túmulos, obras caras de famosos e variados escultores. Existem cemitérios dos ricos e dos pobres e, mesmo de forma desigual, ambos têm impacto ambiental.

Os cemitérios ocupam cada vez mais espaços e muito material, como aço, madeira e cimento, que são usados para enterrar um corpo e expandir os túmulos. O fluído de embalsamar e cuidar dos corpos (formaldeído) é tóxico. Mesmo o processo de cremação tem impactos, como a quantidade de energia necessária para transformar um corpo em cinzas. Feitas em madeira de lei, as urnas funerárias utilizadas atualmente provocam desmatamento e são um desperdício de recursos naturais em um recipiente a ser consumido embaixo da terra ou no fogo crematório.

Reportagem da revista SCIAM mostra que túmulos em ruínas, com rachaduras permitem infiltração em especial das águas de chuva, problemas provocados pela compactação do solo por raízes de árvores de maior porte, além de negligência de proprietários de jazigos em cemitérios também favorecem de maneira específica a contaminação do lençol freático com impactos ambientais capazes de afetar a saúde pública. O necrochorume, produzido no processo de decomposição orgânica é liberado de forma constante por cadáveres em decomposição e apresenta um grau variado de patogenicidade.

Para a sociedade sobreviver no terceiro milênio, de maneira biocêntrica, vai precisar alterar este ambiente fúnebre e ecologicamente incorreto. Assim como a humanidade superou a idade das cavernas, vai precisar superar a época dos caixões e das impactantes “cidades dos mortos”. Felizmente, já há uma opção mais ambientalmente responsável e que pode dar continuidade ao “ciclo da vida” na Terra.

A ideia inovadora está na proposta de Capsula Mundi, projetada pelos designers italianos Anna Citelli e Raoul Bretzel. Eles desenharam uma cápsula orgânica e biodegradável capaz de transformar os restos mortais em nutrientes para uma árvore. Sem utilizar madeira ou cimento, o corpo é colocado numa cápsula e enterrado. Depois, uma árvore ou semente é plantada acima da urna biodegradável para aproveitar a matéria orgânica gerada pela decomposição do organismo.

O tipo de árvore pode ser escolhido pela pessoa ainda em vida. A comunidade, os familiares ou amigos podem assumir a responsabilidade de cuidar da planta depois da partida da pessoa. Segundo os criadores, a ideia é transformar os atuais cemitérios – lugares bastante tristes e pouco frequentados – em florestas que podem captar o carbono e reverter a Pegada Ecológica que a pessoa deixou em vida. As árvores são uma forma de recuperação ecológica e uma maneira de manter a memória dos indivíduos que passaram para uma outra existência. Uma memória viva, segundo Anna Citelli e Raoul Bretzel.

A Capsula Mundi já é uma alternativa de enterro sustentável para os cidadãos. Mas seria uma grande alternativa ecológica para o mundo se fosse adotada nestes tempos de crise ambiental. Segundo a Divisão de População da ONU, morrem anualmente cerca de 60 milhões de pessoas no mundo. Entre 2095 e 2100 devem morrer cerca de 120 milhões de pessoas por ano. No século XXI são estimados 8,8 bilhões de mortes humanas no Planeta.

Augusto Comte dizia “Os mortos governam os vivos”. Agora podem comandar de uma maneira ecológica. Seria como ressuscitar em uma árvore que desse flores e frutos e gerasse sementes para outras árvores, com a transmigração do espírito ecológico e da herança biológica. E cada cemitério seria uma floresta.

A Terra seria um lugar muito melhor para se viver se, ao invés de demandar recursos da natureza para os funerais ao estilo da “cidade dos mortos”, todos adotassem um enterro sustentável, utilizando a Capsula Mundi. Cada pessoa morta poderia virar uma planta e fazer parte de uma imensa floresta de bilhões de árvores que poderiam, além de abrigar a biodiversidade e recuperar as nascentes e veios d’água, retirar gás carbônico da atmosfera e lançar oxigênio no ar. Sem dúvida, nesta nova perspectiva, o mundo poderia reduzir o aquecimento global, sendo, ao mesmo tempo, mais verde, menos funesto e mais vivo.

Referência:

José Eduardo Mendonça. Eternamente sustentável, 24/04/2016

Derek Markham. Capsula Mundi aims to help you turn into a tree after you die, Tree Hugger, 27/05/2016

Mina Lee. How ‘Green Burials’ Allow People To Be Environmentally-Responsible After Death, 02/06/2016

Pedro Kemerich et al. Cemitérios como Fonte de Contaminação Ambiental, SCIAM

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, 29/06/2016

[cite]

 

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

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3 thoughts on “Cemitérios e enterros sustentáveis, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • Ou também se pode doar órgãos, doar os corpos para pesquisa científica (muitas pesquisas médicas precisam de partes humanas para serem feitas) e instrução médica (faculdades de medicina precisam de um suprimento constante de corpos para o ensino dos alunos), e o que sobrar depois disso, cremar (cremar exige uma energia inicial alta, mas provoca muito menos poluição que enterrar). Ah, e nada de caixões metidos a besta para a cremação. Quanto mais simples melhor, se quiser algo ornado, use uma pequena urna para as cinzas (ou as jogue em algum lugar bonito, como o oceano ou uma floresta).

    A ideia da Capsula Mundi é bonita, mas esbarra no grande problema de não ser comercial. Quando estiver sendo vendida ao lado de caixões nas funerárias, pode ser uma alternativa, mas até lá, é sacanagem pedir a uma família que já está em luto para tentar encontrar uma dessas. Claro, todo produto precisa de compradores iniciais, mas este é um caso em que a designer deveria pensar primeiro em distribuição ampla do produto mais do que em desenhos conceituais.

    Lembrando que os mortos CONTINUAM soltando necrochorume nessa modalidade de enterro. O necrochorume, a bem da verdade, não é tão pior assim que o chorume sem prenomes. Em quantidades pequenas, ele pode ser facilmente absorvido pela vegetação, e serve de adubo a plantas (sabe o do pó viestes e ao pó voltarás? Da vida vieste e a vida te reclamarás).

    Patogênico? Tudo depende de como a pessoa morreu Em alguns tipos de morte, os mortos deveriam ser obrigatoriamente cremados, pois são altamente contaminantes… ex. mortos de febres hemorrágicas, como ebola. Mas não é esse o tipo de morte mais comum, e nem câncer nem deficiência cardíaca nem acidente de trânsito são contaminantes assim.

    O problema dessa bodega é o número de pessoas que morrem, e o fato de que não é socialmente aceito enterrar a vovó no jardim (nem uma boa ideia, por diversos fatores epidemiológicos e criminológicos, mas o comentário já está grande).

    Os mortos são reunidos em um cemitério, e a área recebe necrochorume demais para que a vegetação local consiga usar tudo como adubo. A capsula mundi ajuda nisso, mas não é miraculosa, se cemitérios grandes a usassem, também haveria necrochorume indo para o lençol freático. Fazer cemitérios verdes, com o máximo possível de vegetação, de espécies adequadas de preferência (algumas absorvem mais chorume que as outras. Via de regra, espécies pioneiras e com capacidade de grande absorção de toxinas, como quaresmeiras e manacás, são ideais), ajuda também, e é uma política mais fácil (a mania nossa de asfaltar, cimentar e concretar tudo hoje em dia é um dos grandes problemas, e isso poderia ser resolvido com a administração dos cemitérios, ao invés de com as famílias em luto, muito mais eficiente e menos cruel).

  • Extremamente viável essa cápsula mundial, já que até depois de mortos, nós humanos ainda conseguimos impactar o meio ambiente , por que não se tornar um SER sustentável?

  • O artigo aborda um assunto de grande relevância, mas logo se vê que a cápsula Mundi não soluciona o problema dos restos mortais humanos, por duas razões, no mínimo: 1ª) continua existindo o problema do excesso de necrochorume; 2ª) com população humana tão grande – e ainda em crescimento – em alguns decênios todas as terras do planeta esstariam cobertas por florestas, e, como sabemos, o capitalismo segue o caminho inverso.

    De tudo que foi dito no artigo e nos comentários, podemos chegar à conclusão de que a única solução para esse problema e para tantos outros derivados do regime capitalista, seria a redução da população humana, por meio do controle da reprodução, no máximo, a, no máximo, 10% da atual.

    É evidente que isso implicaria a substituição, em todo o planeta Terra, do capitalismo pelo Socialismo. Sabemos que a possibilidade dessa transformação não existe, portanto, deixamos claro que essa observação – não se trata de uma proposta – está imersa, apenas, no campo teórico.

Fechado para comentários.