CPT/MG denuncia que continua impune o ‘acidente’ criminoso com 14 bóias-frias mortos e outros 18 feridos
Tragédia do Modelo de “Desenvolvimento” do Campo Brasileiro
Nós da Comissão Pastoral da Terra – CPT – manifestamos nossa indignação e exigimos justiça em vista da tragédia que resultou na morte de 14 bóias-frias e 18 feridos que trabalhavam na lavoura do café na fazenda Vargem Grande, propriedade de José Ananias Coutinho, dia 19 de agosto de 2008 na cidade de Santo Antônio do Amparo (centro-oeste do estado de Minas Gerais) no trecho da rodovia Fernão Dias, quando um caminhão que transportava 32 bóias-frias tombou.
Dia 16/11/2008, Frei Gilvander Luís Moreira e Ana Maria Turolla, em nome da CPT, visitaram o bóia-fria sr. Sebastião Sérgio Martins (RG MG9.163.740, CPF 414818956-72, nascido em 11/07/1963 (45 anos) internado, em Belo Horizonte, no Hospital João XXIII (Pronto Socorro), na enfermaria 705.5.
Em conversa com o sr. Sebastião, que fala sentindo muitas dores e com sua esposa, a sra. Rita de Cássia Dutra Martins, apuramos o seguinte:
O acidente criminoso com o caminhão de bóias-frias, dia 19/08/2008, uma terça-feira, matou na hora 14 bóias-frias, sendo 5 de uma única família. Outros 18 ficaram gravemente feridos. No caminhão estavam 32 bóias-frias, mas o fazendeiro José Ananias Coutinho estava insistindo com o motorista que devia levar 45 trabalhadores para aproveitar a viagem. “Se o caminhão tivesse lotado com 45 homens, não teria sobrado nenhum vivo”, diz chorando sr. Sebastião.
O caminhão “toco” (caminhão curto) era antigo, em condições péssimas, tanto é que perdeu o freio.
Sr. Antônio dos Santos Silva, um dos sobreviventes, após ficar muito tempo no Pronto Socorro XXIII, foi transferido para o Hospital Cristina Machado, em Sabará, MG.
O sr. Sebastião Sérgio Martins, desdentado (não sei se os dentes se quebraram no “acidente”), ficou uns 15 dias em estado de coma no Pronto Socorro João XXIII. Já fez várias cirurgias, após esperar muito por vaga nos centros cirúrgicos do João XXIII. Pegou pneumonia. Teve que fazer traqueostomia, após a pneumonia. Teve que fazer várias cirurgias plásticas por causa das escaras que contraiu nas costas, nas pernas e pés, por falta de melhores cuidados no hospital. No dia 13/11/2008 fez cirurgia de escaras nos dois pés. Está imóvel no leito hospitalar. Não consegue se mover sozinho. A esposa, dona Rita, está senda boa samaritana ao lado dele, mas o Hospital João XXIII não permite que acompanhante fique ao lado do paciente e nem oferece alimentação para a acompanhante que, vários dias fica sem comer por falta de dinheiro. Sem movimentos das pernas e braços (sem força), sr. Sebastião precisa urgentemente de reabilitação fisioterapêutica, mas só pode ser feita em outro hospital e após sarar as escaras e as cirurgias por causas destas.
O Sr. Sebastião chora muito quando olha para o celular com a fotografia de uma das filhas dele. “Estou com muita saudade de meus filhos. Este celular eu dei para minha filha quando recebi meu primeiro salário há três anos atrás, na colheita do café na Fazenda Vargem Grande”, desabafa chorando o sr. Sebastião.
Sr. Sebastião trabalhou na Fazenda Vargem Grande, na colheita de café, nos últimos três anos (2006 a 2008), 5 meses por ano, de junho a outubro. Em 2006 trabalhou sem carteira assinada. Em 2007, a carteira de trabalho do sr. Sebastião, que estava nas mãos do fazendeiro José Ananias Coutinho, foi assinada da seguinte forma: admissão: 01/06/2007; saída: 27/07/2007. E os outros 4 meses de trabalho sem carteira? Em 2008, na carteira está: admissão em 02/06/2008 e sem saída, pois aconteceu o “acidente” criminoso enquanto sr. Sebastião trabalhava. Parece que as carteiras dos bóias-frias, que estavam nas mãos do fazendeiro José Ananias, no momento do “acidente”, foram assinadas somente após o acidente e com apenas 1,5 mês entre a admissão e a demissão e com data retroativa. Aqui configura desrespeito a leis trabalhistas.
Sr. Sebastião Sérgio está recebendo auxílio-doença por acidente de trabalho: R$415,00 por mês.
O fazendeiro José Ananias não veio visitar nenhum dos bóias-frias no hospital. Apenas a mulher do fazendeiro esteve no Hospital João XXIII visitando o adolescente que foi retirado rapidamente do hospital.
Na Fazenda Vargem Grande, os bóias-frias ganhavam por produção na colheita do café: R$10,00 por balaio (= 60 quilos). Um trabalhador consegue, no máximo, colher quatro balaios por dia, totalizando R$40,00 por dia de salário bruto. Tudo por conta do bóia-fria: comida, água, transporte e moradia.
Os bóias-frias saíam de casa às 6:00hs da manhã. De caminhão, chegavam à Fazenda Vargem Grande às 7:00h e trabalhavam até às 16:00hs. Pegavam o caminhão de volta para Santo Antônio do Amparo às 16:30h. Chegavam em casa lá pelas 18:00h. Moram na periferia da cidade, em casas da COAB, com muitas mensalidades a serem pagas.
A morte dos 14 bóias frias não é fruto do acaso e nem de um inesperado e trágico acidente. É sim o resultado nítido da perversidade de um pseudomodelo de desenvolvimento: excludente e do totalitarismo do lucro.
Dados da CPT estimam a existência de 30 mil trabalhadores rurais submetidos a trabalhos “forçados” em situação análoga à de escravidão. Confiram, por exemplo, o Filme documentário em DVD “NAS TERRAS DO BEM VIRÁ – Irmã Dorothy”.
Exigimos que os familiares das vítimas sejam justamente indenizadas e que as autoridades competentes punam os responsáveis e que adotem as medidas necessárias para que fatos como estes não se repitam. Que os dirigentes do Estado possam repensar a atual política de desenvolvimento para o campo brasileiro que continua privilegiando os ganhos dos investidores, na contramão da qualidade de vida dos trabalhadores rurais.
P/ Comissão Pastoral da Terra – CPT Minas – www.cptmg.org.br
Frei Gilvander Luís Moreira – gilvander@igrejadocarmo.com.br
Ana Maria Turolla – anaturolla@yahoo.com.br
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[EcoDebate, 24/11/2008]
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