A Dimensão Educativa do Trabalho em um Grupo de Agricultores Familiares de Base Camponesa, por Denise Martins Bloise e Carlos Frederico Bernardo Loureiro
A Dimensão Educativa Do Trabalho Em Um Grupo De Agricultores Familiares De Base Camponesa
Denise Martins Bloise – LIEAS/ FE/UFRJ1
Carlos Frederico Bernardo Loureiro – FE/UFRJ, LIEAS/FE/UFRJ2
Resumo
O presente estudo visa discorrer sobre a questão do trabalho, abordando sua dimensão educativa e fazendo um paralelo com o trabalho de um grupo de agricultores familiares de base camponesa, residentes na Região do Brejal, em Petrópolis, RJ.
Intencionamos discorrer sobre as modificações ocorridas no mundo do trabalho, com ênfase nas análise de Lukács, Organista, Antunes e Marx.
Procuramos analisar o trabalho desenvolvido por esse grupo de agricultores, enfatizando sua característica camponesa, intimamente relacionada ao aspecto educativo do trabalho.
Palavras-chave: Trabalho – Educação – Campo
Abstract
This study aims to discuss the issue of work, addressing their educational dimension and making a parallel with the work of a group of farmers peasant-based, living in Brejal Region in Petropolis, RJ.
We intend to discuss the changes in the world of work, with emphasis on Lukács analysis, Organist, Antunes and Marx.
We tried to analyze the work of this group of farmers, emphasizing his peasant feature, closely related to the educational aspect of the work.
Key-words: Work – Education – Field
1. Introdução.
A ideia deste estudo surgiu da necessidade de pensar a dimensão educativa do trabalho, relacionando-a com o movimento que acontece no campo, particularmente na produção orgânica dos alimentos.
Trabalhamos há tempos com um grupo de agricultores familiares de base camponesa residentes na região do Brejal, no Distrito da Posse, em Petrópolis, RJ, mas especificamente, na Fazenda Pedras Altas, a primeira grande área de produção orgânica do Estado.
Temos tido oportunidade, mais recentemente, de pensar e discutir esta questão do trabalho e como ele se relaciona com a educação. Qual é essa tão falada dimensão educativa do trabalho? Até onde vai essa intrincada relação? E como o trabalho com a terra se relaciona com ela?
Pretendemos começar a responder essas questões e refletir sobre elas, na busca de uma relação com a terra, com o trabalho e de um mundo socialmente mais justo.
2. Considerações sobre o Trabalho.
O mundo do trabalho vem passando por transformações expressivas ao longo das últimas décadas, transformações essas que levantaram questões acerca do trabalho em si e enquanto categoria de análise. Novas relações sociais são estabelecidas e as dinâmicas do processo produtivo sofrem modificações. Percebe-se uma diminuição do emprego estável e assalariado, um aumento do desemprego e do trabalho precário, como prenúncio do fim de uma utopia de crescimento, aponta Organista (2006). Apesar de toda a fragmentação, complexidade e todas as diferenças existentes, ainda podemos apontar o trabalho como categoria estrutural para entender a sociedade contemporânea.
Antunes (1999) reconhece a existência de uma fragmentação, uma heterogeneidade e uma complexidade no mundo do trabalho, que nos leva a perceber a precarização não só nas formas de trabalho como também nas relações no trabalho e nas próprias condições do trabalho. Este, porém, é um movimento complexo que necessita de mediações outras capazes de nos auxiliar na compreensão desta intrincada dinâmica entre o trabalho e a reprodução social.
As transformações que acontecem no mundo do trabalho vão além do próprio trabalho, abarcando a totalidade das relações sociais, sinalizando que a falta de trabalho gera angústias, incertezas e desesperanças para quem sofre com o desemprego. O papel do trabalho ultrapassa a questão da sobrevivência, sendo um modelo de reconhecimento mútuo, o que significa que “é também pelo trabalho que os sujeitos se reconhecem como agentes sociais moralmente aceitáveis.” (ORGANISTA, 2006, p.20). O trabalho, mesmo precário, ocupa uma posição estruturante na vida dos trabalhadores, como se percebe em suas próprias falas.
Essa precarização, segundo Organista (2006), vai além de uma tendência, configurando-se como uma realidade nas atividades dos que atuam por meio de relações informais de trabalho, seja da informalidade moderna – terceirizados, subcontratados, cooperativados, consultores, etc, seja da baixa informalidade – camelôs, biscateiros , etc.
Na falta do trabalho formal (de carteira assinada), o trabalho informal pode ser capaz de manter o trabalhador vivo, dando-lhe, além da sobrevivência física, dignidade. As questões ligadas à moral, direito, justiça se fundam no trabalho e o ultrapassam, atingindo a totalidade social. É preciso ter em mente que o capital tem feito uso com frequência do trabalho precário, subcontratado, cooperativado, terceirizado a fim de flexibilizar as regulamentações e recompor sua taxa de lucro, como Organista (2006) explica. Porém na falta de uma participação no mercado formal, com perspectiva de carreira e aposentadoria, o trabalho, ainda que precário e informal, fortalece a condição de ser trabalhador. O capital precisa encontrar soluções para o ordenamento social, comprovando a centralidade do trabalho para a compreensão da sociedade contemporânea.
Organista (2006) debate as ideias de Lukács, expressas na obra “Para uma Ontologia do Ser Social”, quando este deixa clara a relação dialética existente entre o mundo dos homens e a natureza. O mundo dos homens se diferencia da natureza, uma vez que tem por base atos teleologicamente postos; já a natureza possui uma causalidade dada. Todavia, o ser social somente se constitui, enquanto ontologicamente diferente da natureza, à medida que desenvolve relações complexas com o mundo natural. E a categoria que vai fazer a mediação entre o ser social e a natureza é exatamente o trabalho, convertendo causalidade dada em causalidade posta.
É a categoria do trabalho que possibilita a existência social. Assim sendo, o trabalho, enquanto intercâmbio orgânico com a natureza, constitui e é constituído pelas relações sociais entre os homens. A centralidade da categoria trabalho apontada por Lukács(2012), desvela uma diferença essencial entre o trabalho, enquanto intercambio orgânico e para sempre inalienável do homem com a natureza, e o trabalho abstrato que produz a mais-valia, forma histórica de exploração do homem pelo homem. Dentro dessa visão a sociedade não existe sem trabalho.
O primeiro ato histórico do homem é o de produzir seus meios de vida. É através do trabalho que o homem alcança a produção e reprodução de sua vida, tanto material quanto social – ao trabalhar, o homem atua sobre a natureza, suprimindo barreiras e criando objetos idealizados anteriormente como resposta às exigências da realidade. As relações sociais colocam necessidades que exigem de respostas, às quais são fornecidas pelas atividades que o trabalho apresenta, enquanto mediador homem (sociedade) e natureza.
Então, o agir do homem fornece respostas às necessidades do mundo objetivo, constituído por uma prévia-ideação, ou seja, uma posição teleológica, que por sua vez movimenta os meios indispensáveis para a transformação do real. Porém, a natureza é regida por leis próprias, causalidades que o homem não tem o poder de suprimir, mas de apenas transformar – o que significa que o ser-em-si das coisas (a natureza) não pode se transformar em algo diferente de suas propriedades imanentes. O homem precisa conhecer a propriedade natural do elemento para dar uma finalidade diferente daquela para a qual ele (elemento) existe.
Existe uma relação dialética entre o homem e a natureza – o homem ao agir sobre a natureza, transformando-a, muda ao mesmo tempo a sua própria natureza.
“Há uma relação dialética entre dominação e dependência, entre o homem que, no pôr teleológico, age transformando a natureza, mas que também por ela é transformado, posto que precisa conhecê-la para pôr causalidades.” (ORGANISTA, 2006, p.137).
Antunes (2007) discorre sobre as questões relativas ao mundo do trabalho, abordando as transformações que se deram a partir do último quartel do século XX. As mudanças que ocorreram nos países capitalistas avançados provocaram mutações na materialidade e na subjetividade do ser social. Nessas transformações ganham destaque o enorme avanço tecnológico, a automação, a robótica e a microeletrônica, que invadiram o mundo das fábricas.
O trabalho, visto enquanto produtor de valores de uso (sentido mais genérico e abstrato) “é a expressão de uma relação metabólica entre o ser social e a natureza.”(ANTUNES, 2007, p.139).
3. A Dimensão Educativa do Trabalho.
Questões se colocam quando abordamos a dimensão educativa do trabalho. Como pensar o princípio educativo em um trabalho que é explorado, repetitivo, precário, mal remunerado, vigiado, e acontece na maioria das vezes em situações de não escolha?
Pensar a dimensão educativa do trabalho é identificar a sua função didático-pedagógica, do aprender fazendo, e ir além, atingindo sua dimensão mais profunda, de ordem ontológica (inerente ao ser ) e, consequentemente, ético-política (trabalho como direito e como dever), afirmam Frigotto, Ciavatta e Ramos (2014). É nesta compreensão ontológica ou “ontocriativa” (como chamam os autores citados) do trabalho que está o centro do entendimento do trabalho como princípio educativo.
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2014) levantam uma questão muito interessante a respeito da dimensão educativa do trabalho, que se refere à possibilidade de o trabalho ser ou não ser educativo. dependendo das condições em que ocorre. Quando, por exemplo, esse trabalho se dá em condições de exploração deixaria de ser uma atividade formativa, de construção do homem. Os autores chamam esse fenômenno de princípio educativo negativo, alienante e deformador, mostrando que o capitalismo educa para atingir seus objetivos de disciplina, subordinação e produtividade.
Essa questão do trabalho pode ser examinada sob dois ângulos, segundo Marx (1987): positivo – o trabalho como criação e reprodução da vida humana; e negativo – o trabalho alienado sob a égide do capitalismo. Marx (1987), porém, chama a atenção para o fato de que, mesmo o trabalho capitalista tem uma dimensão educativa, embora difícil de ser percebida, que é a própria luta histórica da classe trabalhadora para superar tal trabalho alienante. Concordamos com a visão marxiana de que a situação alienante, de exploração do trabalho tem sua dimensão educativa e libertadora. Souza Junior (2010) aponta a atualidade das ideias de Marx ao identificar o princípio educativo presente no trabalho, que não é, de forma alguma, um simples processo de produção de mercadorias:
“Marx percebeu que as classes trabalhadoras viviam objetivamente em condições de miséria física e moral, mas que mesmo aí a experiência do trabalho poderia favorecer o desenvolvimento de qualidades de sociabilidade diferentes e superiores. Marx e Engels sistematizaram uma teoria sobre as contradições do trabalho dentro das relações capitalistas capaz de demonstrar o quanto da experiência de trabalho – por maior que fosse o embrutecimento por ela causado – se podem extrair ricos elementos para a formação/educação dos trabalhadores.”(SOUZA JUNIOR, 2010, p.2).
Precisamos proceder a uma análise crítica das relações concretas de trabalho a que todos nós trabalhadores estamos submetidos, sejamos adultos, jovens ou crianças.
Há uma vinculação do trabalho à forma própria de ser dos seres humanos. O homem é parte da natureza e dela depende para reproduzir a vida – é através do trabalho que o homem transforma a natureza em meio de sobrevivência. Portanto, é fundamental e educativo socializar o princípio do trabalho como produtor de valores de uso. O homem produz e reproduz sua sobrevivência através do trabalho na interação com a natureza, onde ambos se transformam.
Estamos pensando a dimensão educativa do trabalho. Portanto precisamos pensar também pensar a relação do trabalho com a educação de todos aqueles que buscam sobreviver através do trabalho precoce (crianças e adolescentes), ou mesmo com a educação dos adultos, que buscam a sobrevivência através do trabalho, enfim, de todos que se educam através do trabalho.
As reflexões de Lukács (2012) nos abrem possibilidades de refletir sobre a questão do trabalho e suas propriedades educativas, positivas e/ou negativas. O trabalho é categoria fundante e constituinte do ser social, é inerente ao próprio homem, cujo processo de conscientização ocorre através do trabalho, através da ação do homem sobre a natureza. Visto por este prisma, o trabalho não é emprego, não é simplesmente uma forma histórica do trabalho em sociedade, mas sim a atividade crucial através da qual o homem se forma, adquire conhecimento, cresce e se humaniza. O trabalho faz aflorar um novo homem, fruto de uma nova concepção de história.
O trabalho surge no cerne da luta pela sobrevivência e, posteriormente, todos os seus momentos provêm da autoatividade do homem. A essência ontológica do trabalho revela uma característica claramente de intermediação, uma vez que ele opera uma interrelação entre o homem (sociedade) e a natureza inorgânica e orgânica, marcando a transição, no homem que trabalha, do ser puramente biológico ao ser social.
O trabalho provoca um processo pedagógico no homem enquanto ser genérico e enquanto ser social. O trabalho é a ação do homem sobre o mundo natural, realizada junto com outros homens e mediada pela linguagem, e guiada de forma consciente, através da qual ele aprende a ser e a transitar pelo mundo. Lembremos que, de acordo com as ideias marxianas, qualquer trabalho, mesmo aquele que acontece nas condições mais humilhantes e degradantes é passível de se tornar uma riquíssima prática social educativa repleta de possibilidades altamente transformadoras. E para Marx, as próprias contradições do trabalho oferecem a oportunidade de superar a sociedade do capital.
O princípio educativo do trabalho assume três caminhos distintos, mas inter-relacionados, para Saviani (2008). O primeiro sentido apresenta a forma de ser da educação em seu conjunto, de acordo com o nível de desenvolvimento social atingido historicamente – cada modo de produção possui um modo diferente de educar. O segundo sentido apresenta exigências determinadas para o processo educativo preencher em função do papel que cada um desempenha no trabalho socialmente produtivo. E o terceiro sentido distingue uma modalidade específica e diferenciada de trabalho, que é o trabalho pedagógico. A educação tecnológica ou politecnia corresponde ao segundo nível de compreensão do trabalho como princípio educativo apresentado pelo autor – educação básica, em suas diferentes etapas, deve explicitar o modo como o saber se relaciona com o processo de trabalho, convertendo-se em força produtiva.
O trabalho pode ser identificado enquanto princípio educativo tanto na perspectiva do capital quanto na do trabalhador, o que demanda clareza e criticidade nas análises.
“Isso exige que se distinga criticamente o trabalho humano em si, por meio do qual o homem transforma a natureza e se relaciona com os outros homens para a produção de sua própria existência – portanto, como categoria ontológica da práxis humana –, do trabalho assalariado, forma específica da produção da existência humana sob o capitalismo, portanto, como categoria econômica da práxis produtiva.” (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2014, www.escolanet.com.br/teleduc/arquivos/…/Trabalho_principio_educ.doc ).
4. O Trabalho no Campo – os Agricultores Familiares de Base Camponesa.
No final da década de 70, surge no Estado do Rio de Janeiro uma cooperativa mista de produtores e consumidores de alimentos naturais e orgânicos, a Associação Harmonia Ambiental Coonatura, que dá início ao processo de organização de um grupo de agricultores que mora e desenvolve suas atividades agrícolas na região conhecida como Brejal, localizada no bairro da Posse, um distrito de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro. Nossa pesquisa está direcionada para um grupo de sete famílias que moram na Fazenda Pedras Altas, localizada no Vale dos Albertos, uma microrregião do Brejal. Essas sete famílias, que fazem parte das vinte e duas famílias remanescentes da Coonatura, derivam, efetivamente, das três famílias axiais residentes na fazenda há mais de trinta anos. A Fazenda Pedras Altas é a área com maior volume de produção orgânica da região e foi a primeira grande área de produção orgânica do Estado do Rio de Janeiro.
Os agricultores do Brejal que se organizaram em torno da Coonatura começaram este processo em função da busca de um alimento mais saudável, um alimento sem venenos, a partir da agroecologia. São homens e mulheres que vivem na terra e retiram seu sustento da terra; são, portanto, segundo Gonzalez de Molina e Sevilla Guzmám (1993), e Ploeg (2008), agricultores familiares de base camponesa, trabalhadores rurais que moram no campo e retiram sua sobrevivência do trabalho com a terra.
Esses agricultores estão fazendo exatamente o que Lukács e Marx conceituaram como ação do homem sobre a natureza, retirando do trabalho com a terra seu sustento, modificando a terra e se modificando também, estão numa relação metabólica com a natureza. E é exatamente neste ponto que vamos encontrar a dimensão educativa do trabalho.
O campesinato é definido, em termos gerais, como a reunião de camponeses, homens que vivem na terra, trabalham a terra e retiram seu sustento da terra, e estão articulados enquanto classe social. A base familiar é essencial na conceituação do campesinato – são famílias que trabalham na própria terra ou em terras de terceiros. E estão envolvidos em trabalhos de caráter associativo, seja na cooperativa, em mutirões, seja em trabalhos coletivos, comunitários ou individuais. É um conceito de natureza política.
A conceituação do campesinato, como podemos perceber, vai além de uma caracterização simplesmente econômica. Envolve uma forma de produzir e de viver, com particularidades culturais regionais e uma base material comum que unifica o campesinato na luta contra os interesses do agronegócio. O camponês é aquele que lida com os recursos naturais respeitando seus limites bióticos. A lógica camponesa é uma lógica da relação entre a agricultura e ecologia. É uma lógica de relação do homem com a natureza, onde ambos se transformam.
O homem, ao agir no mundo, transforma o próprio mundo e se transforma. Esta atividade objetiva do homem, sua atividade transformadora da natureza, e ao mesmo tempo construção da sua subjetividade, formação do seu ser enquanto homem, compreende o terreno da práxis: a práxis laborativa, o trabalho com toda a sua dimensão educativa, que conscientiza o homem do campo no próprio ato de trabalhar na e com a terra.
Os desdobramentos de todo esse processo para o grupo de agricultores de base camponesa da Fazenda Pedras Altas gera um movimento educativo sem precedentes. Os agricultores trocam informações, aprendem uns com os outros, aprendem a se organizar, a lutar pelos seus direitos, aprendem a se relacionar com técnicos, governos, enfim todos os atores sociais com os quais entram em contato. Hoje esse grupo já ensina outros agricultores o trabalho com o orgânico, como lidar com as dificuldades e como superá-las. Eles têm uma enorme clareza de todo o processo que viveram e passam isso em suas falas. Essa é a dimensão educativa do trabalho com a terra.
A estrutura social do campesinato, caracterizada por um forte espírito de solidariedade grupal, porém, é ameaçada pelo “modus operandi” do capitalismo, que introduz a privatização, a mercantilização e a urbanização nas sociedades camponesas, gerando conflitos de toda ordem. E aqui encontramos mais um forte componente da dimensão educativa do trabalho, quando esses agricultores camponeses se unem para lutar por seus direitos e aprendem a fazer isto com muita competência.
A agricultura de base camponesa é um tipo de agricultura que respeita os limites bióticos e estabelece uma relação absolutamente equilibrada na troca metabólica entre natureza e sociedade A agricultura moderna, industrial e capitalista, praticada pelos complexos agroindustriais, através dos seus métodos de mecanização, separação entre agricultura e pecuária, concentração no consumo urbano e no monocultivo, rompe os equilíbrios metabólicos básicos ao não restituir nutrientes ao solo, sendo metabólica e ambientalmente insustentável. A agroecologia apresenta uma situação agronômica-ecológica de restituição de nutrientes ao solo, que ocorre em função de uma organização social e cultural de vida, que é própria da prática camponesa. A inclusão da sociabilidade camponesa é fator indispensável na compreensão da agroecologia camponesa. Diferentes sociedades afetam de formas diferentes e em graus distintos a natureza e os ecossistemas utilizados, em função das práticas de produção primária ou rural adotadas.
Uma característica marcante da produção camponesa é a sua dupla natureza, expressa na contínua combinação de valores de uso e de troca, fruto da atuação dos processos naturais e das forças de mercado sobre o camponês enquanto produtor e consumidor. A produção rural pode ser sintetizada, em sua concretude, a fluxos de matérias, energia, trabalho, mercadorias e informação. Portanto, a chave para compreender o processo produtivo das sociedades rurais é desvelar onde e como esses fluxos acontecem. É a dialética das sociedades camponesas. A relação rural–urbano está aí colocada e não pode ser ignorada, dentro de uma visão ecologicossocial.
E aqui retornamos a Lukács quando este afirma que o trabalho é crucial ao homem e constituinte do ser social. Todo esse processo que vem ocorrendo com o grupo de agricultores da Fazenda Pedras Altas nada mais é do que a formação do ser social de cada um e do grupo através do trabalho com a terra, a transformação da natureza através do trabalho. Não podíamos deixar de retomar a visão marxiana de que o trabalho é a ação do homem sobre a natureza. Dessa forma o homem modifica a natureza e se modifica., sendo a natureza o meio de produção e a matéria-prima da qual se extrai a vida como trabalhador
5. Conclusões.
Partimos da ideia marxiana do trabalho como princípio educativo, que promove a conscientização e desenvolvimento do ser social; e das ideias de Lukács que apresentam o trabalho como inerente ao ser humano. Ficou bem claro que é através da relação com a natureza que o homem se transforma, além de transformar a própria natureza.
A perspectiva marxiana do trabalho enquanto princípio educativo, nos diz que o homem é parte da natureza e dela depende para reproduzir a vida. O grupo de agricultores da Fazenda Pedras Altas retira da terra seu sustento, depende do trabalho com a terra para sobreviver.
“É pela ação vital do trabalho que os seres humanos transformam a natureza em meios de vida. Se essa é uma condição imperativa, socializar o princípio do trabalho como produtor de valores de uso, para manter e reproduzir a vida, é crucial e educativo.’’(FRIGOTTO, CIAVATTA,RAMOS,2014, www.escolanet.com.br/teleduc/arquivos/…/Trabalho_principio_educ.doc ).
Acreditamos que o trabalho opera uma mediação no processo de produzir a existência. No que se refere à dimensão ontológica do trabalho, esta representa o início da produção de conhecimentos e de cultura pelos grupos sociais.
Esses agricultores familiares, nas condições que apresentam de reprodução da base material de sua existência através do trabalho com a terra, unificados na luta pela terra e pela sobrevivência, capazes de manter as bases da reprodução biótica dos recursos naturais da terra, podem ser caracterizados como agricultores familiares de base camponesa. O trabalho deles resgata o caráter agroecológico do orgânico, uma vez que utilizam práticas orgânicas no manejo do solo, praticam a reciclagem, a rotação de culturas, fazem o próprio composto utilizando esterco orgânico, trabalham com criação de animas, respeitam o equilíbrio de todo o ecossistema e trabalham com práticas originárias da sabedoria ancestral camponesa, incluindo a questão social, assim como a agroecologia. Nessas práticas agrícolas adotadas pelo grupo existe uma preocupação com a restituição dos nutrientes ao solo, que é característica da produção camponesa. As famílias são mais do que simples unidades de produção, são unidades sociais.
Fica muito claro aqui o caráter educativo do trabalho, expresso na relação metabólica que esse grupo desenvolve com a terra, no processo de conscientização e crescimento do grupo. Destacamos o alimento da autovalorização do grupo como fundamental, pois eles passaram a compreender o real significado do alimento orgânico e a importância do que estavam fazendo, com orgulho e gratidão pela terra.
O grupo está na iminência de se tornar assentado pela reforma agrária e a Fazenda Pedras Altas um assentamento agroecológico modelo, o primeiro assentamento inteiramente agroecológico do Incra. Eles já estão nessa terra plantando segundo critérios agroecológicos há mais de trinta anos. É muito importante o fato de que eles querem a terra para continuar lá, plantando e produzindo. A luta pela terra fortaleceu o sentimento de solidariedade e de pertencimento do grupo, proporcionando amadurecimento político a todos.
6. Referências.
ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 9ª reimpressão:2007.
GONZÁLES DE MOLINA, Manuel e SEVILLA GUZMÁN, Eduardo. Ecologia, Campesinato e Historia. Para uma Reinterpretacion del Desarrollo del Capitalismo em la Agricultura. In: SEVILLA GUZMÁN, Eduardo e GONZÁLEZ DE MOLINA, Manuel (orgs.). Ecologia, Campesinato e Historia. Madrid: La Piqueta, 1993.
LUKÁCS, Gyorgy. Para Uma Ontologia do Ser Social I. São Paulo: Boitempo Editorial:2012. Disponível em: file:///C:/Users/Denise/Downloads/Luk%C3%A1cs%20-%20Para%20uma%20Ontologia%20do%20Ser%20Social%20(boitempo)%20(2).pdf Acesso em: 19.02.2015
MARX, Karl. Manuscritos Econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. Os Pensadores (coleção). São Paulo: Nova Cultural, 4.ed: 1987.
ORGANISTA, José Henrique Carvalho. O Debate sobre a Centralidade do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
PLOEG, Jan Douwe Van Der.mCamponeses e Impérios Alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.
SAVIANI, Dermeval. Da Nova LDB ao FUNDEB: por uma outra política educacional. Campinas, SP: Autores Associados, 2 ed, 2008.
SOUZA JUNIOR, Justino. Princípio Educativo e Emancipação Social: Validade do Trabalho e Pertinência da Práxis. 33ªReunião da ANPED, Caxambu, 2010.
Disponível em:
http://33reuniao.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/GT09-5974–Int.pdf
Acesso em: 05.03.2015
Professora do IBH/Celso Lisboa, Professora Orientadora do Grupo Uninter, Pesquisadora do Lieas
Doutora em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela UFRJ, Mestre em Educação Especial pela UERJ, Especialista em Educação Ambiental pela UCAM/JBRJ
2 Fredericoloureiro89@gmail.com
Professor Titular da Faculdade de Educação da UFRJ
Doutor em Serviço Social pela UFRJ, Mestre em Educação pela PUC RJ , Pesquisador do CNPQ, Pesquisador do Lieas
in EcoDebate, 16/05/2016
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