O Plano (Anti)Nacional de Mudanças Climáticas, artigo de Carlos Alfredo Joly
Desmatamento na Amazônia, em foto de arquivo MMA
“Ao pararmos de incinerar nossa rica, e em grande parte desconhecida, biodiversidade estaremos, voluntariamente, atingindo uma meta significativa de redução de emissão de gases de efeito estufa”
No Brasil, a questão das mudanças climáticas está fortemente associada ao uso sustentável da biodiversidade, pois 75% das nossas emissões de gases do efeito estufa (GEEs) vêm da destruição de nossos ecossistemas nativos, especialmente o desmatamento da Amazônia.
O país teve a oportunidade de iniciar as negociações do Período Pós-2012 (Pós-Kioto), propondo uma diminuição voluntária de suas emissões de GEEs, com metas prefixadas de redução de desmatamento e com mecanismos de certificação e fiscalização internacional.
Mas, infelizmente, até hoje, a miopia idiossincrática de nossos governantes deixa o país na berlinda, pois é o único que pode reduzir significativamente suas taxas de emissão de CO2 sem alterar sua matriz energética e, conseqüentemente, sem reduzir suas taxas de crescimento. Portanto, reduzirmos voluntariamente nossa taxa de emissão de GEEs não é um empecilho para o progresso do país, e sim a base para um desenvolvimento econômico sustentável.
Roberto Schaeffer (Coppe/UFRJ), em seu estudo sobre cenários para fontes renováveis de energia, concluiu que não participar do esforço internacional para redução da emissão de GEEs resultará no des-desenvolvimento do Brasil; Eduardo Viola, cientista político da UnB, afirma que “o Brasil tem uma posição equivocada no debate internacional sobre metas de redução de emissões de GEEs”; Eduardo Assad (Embrapa), Hilton S. Pinto e Jurandir Zulo (Cepagri-Unicamp) demonstraram recentemente o impacto negativo do aquecimento sobre o agrobussiness; Phillip Fearnside, ecólogo do Inpa, aponta o círculo vicioso da destruição da floresta contribuindo para o aquecimento global e este aumentando a velocidade de destruição da floresta.
Nas palestras apresentadas recentemente na Fapesp e na Fiesp, Sir Nicholas Stern, coordenador do Relatório Stern sobre os efeitos na economia mundial das alterações climáticas nos próximos 50 anos, foi enfático em frisar a necessidade de países como China, Índia e Brasil participarem do esforço na redução de emissões de GEEs.
Era de se esperar que, quando pesquisadores de instituições, áreas e matizes tão distintas concordam com a necessidade do Brasil contribuir significativamente com o esforço internacional para redução das causas do aquecimento global, o Plano Nacional de Mudanças Climáticas definisse uma meta, factível, verificável, fiscalizável e permanente, de redução de GEEs. Mais do que isso, incluísse metas específicas para os diferentes biomas, que destacasse a importância dos oceanos como sumidouros de CO2 e definisse o papel de estados e municípios na redução e controle de emissão de GEEs.
Estabelecer uma meta de redução na emissão de GEEs, e colocar o aparato do Estado brasileiro para fazer cumprir esta decisão, atende, sobretudo, ao interesse e à soberania nacional.
Chegar à 14ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (que acontecerá de 1 a 12 de dezembro), em Pozna, Polônia, sem esta definição significa atrasar o processo de negociação de um novo acordo, que precisa estar pronto até a 15ª Conferência das Partes, no final de 2009. Significa também reforçar a já desgastada imagem do Brasil no exterior como um país sem compromisso com a preservação de florestas e a redução de causas do aquecimento global.
Quem sabe, ao mudar de posição em relação à autodeterminação de metas de redução na emissão de GEEs, o governo brasileiro mude de postura também nas negociações da Convenção de Diversidade Biológica e aceite participar de iniciativas internacionais tão importantes para a comunidade científica brasileira, como o Global Biodiversity Information Facility/GBIF.
Em minha opinião, a posição do governo brasileiro – apegando-se ao fato de historicamente termos contribuído com apenas 1% dos GEEs produzidos desde a revolução industrial, para justificar que o país não precisa ter metas de redução na sua taxa de emissão destes gases – é moralmente insustentável, pois usa o passado para comprometer o futuro.
Ao pararmos de incinerar nossa rica, e em grande parte ainda desconhecida, biodiversidade, dando uma oportunidade para que as gerações futuras se beneficiem do uso sustentável deste nosso patrimônio natural, estaremos, voluntariamente, atingindo uma meta significativa de redução de emissão de gases de efeito estufa.
Evidentemente, este esforço tem custos que, a meu ver, devem ser financiados pelos países desenvolvidos, com a fiscalização e certificação do efetivo cumprimento das metas de redução de desmatamento estabelecidas.
Carlos Alfredo Joly é chefe do Departamento de Botânica e membro da Coordenação do Doutorado em Ambiente e Sociedade da Unicamp, membro da Coordenação do Programa Biota/Fapesp e coordenador do Comitê Brasileiro da Rede Latino-Americana de Ciências Biológicas (Relab).
* Artigo originalmente publicado no Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3645, de 19 de Novembro de 2008.
[EcoDebate, 20/11/2008]
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