Alerj denuncia ameaça a pescadores e ambiente por complexo turístico na APA de Maricá
A instalação de um complexo turístico e residencial na Área de Preservação Ambiental (APA) de Maricá (RJ), se traduziu em ameaças e intimidações contra centenária comunidade de pescadores artesanais, na região metropolitana do Rio de Janeiro. A denúncia é do Relatório Violação de Direitos Humanos na Comunidade Tradicional Zacarias, Maricá, divulgado ontem (26), pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O documento será entregue a um grupo de trabalho das Nações Unidas (ONU) que avalia a desrespeito a direitos humanos por empresas. O empreendimento, que ocupará uma área de 840 da APA com shopping centers e campo de golfe, também é considerado, no documento, uma contradição às leis de proteção ambiental.
“Há um estado de violação de direitos humanos e da legislação ambiental e urbanística causada pela empresa IDB Brasil Ltda. (responsável) e pela omissão, conivência ou concordância do poder público estadual e municipal”, afirma o documento, de 30 páginas, da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, que faz um levantamento da situação.
Os pescadores ocupam uma área que precisará ser parcialmente desocupada para instalação do resort Fazenda São Bento da Lagoa, entre a Lagoa de Maricá e a Praia da Barra de Maricá, dentro da APA. O complexo terá campos de golfe, centro hípico, shopping centers, clubes, hotéis e prédios residenciais com capacidade para 20 mil pessoas, no mesmo local onde a comunidade transita e onde já foram identificadas espécies endêmicas de animais, aves migratórias, dunas raras e sítios arqueológicos. Os Ministérios Públicos Estadual e Federal contestam a obra.
Temendo impacto nas áreas de pesca, de uso comum e a necessidade de remoção da centenária sede da associação, os pescadores –cuja presença no local data do século 18– são contra o empreendimento. Desde que o projeto foi anunciado, reúnem casos de ameaças, vigilância e intimidações que geram fragmentação e divisões internas, incentivados por representantes e funcionários da empresa dona do projeto, a IDB Brasil, que nega essas práticas ilegais.
Entre os relatos de perseguição citados no relatório, está a presença permanente de seguranças em um contêiner, controlando a entrada e saída da comunidade, e vigilância de atividades, segundo acusou a representante da Associação Comunitária de Cultura e Lazer de Pescadores de Zacarias, Arcenir Cedelina Marins, na audiência de ontem.
O relatório também destaca polêmica durante a própria diligência da Comissão de Direitos Humanos, em maio de 2015, quando três funcionários do grupo IDB insistiram em participar da reunião com a comitiva, na sede da Associação Comunitária de Cultura e Lazer de Pescadores de Zacarias (Acclapez), causando desconforto entre os pescadores.
O IDB Brasil esclareceu que a cancela não foi instalada pelo grupo e negou a presença de seguranças. Esclareceu que mantém uma equipe “especializada em relações com a comunidade” e que procura manter o diálogo, de maneira que o empreendimento “se molde às necessidades de Zacarias”, o que prevê, por exemplo, a construção de creche e posto de saúde.
Para evitar conflitos, a Comissão de Direitos Humanos recomenda que a situação seja monitorada pela Comissão de Combate à Violência no Campo, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, e que seja cobrada a regularização fundiária e coletiva da centenária colônia de pescadores. A titulação individual, oferta do IDB “facilita a fragmentação e desaparecimento da comunidade, expondo famílias à especulação imobiliária e à pressão do poder econômico”, diz o relatório.
Resort
Outro ponto polêmico do resort, levantado no relatório, é o licenciamento ambiental. Baseado no controverso zoneamento da APA, que admitiu a instalação do complexo turístico e residencial para 20 mil pessoas, a licença prévia liberou para o empreendimento a maior parte da comunidade de Zacarias, atrapalhando o modo de vida tradicional. Passou por cima de normas legais de proteção ao patrimônio cultural, à pesquisa científica e ao meio ambiente,dizem os especialistas.
“Foi um zoneamento autoritário, que não ouviu a comunidade, marcado por decisões do governo estadual e municipal que ignoram as leis, e que deixou apenas 20% da APA para os pescadores”, criticou a professora Desirée Guichard, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que atua no Fórum de Pesquisadores da Restinga de Maricá e no Movimento Pró-Restinga.
Citada no relatório, ela aproveitou para lembrar que, em 2007, os empreendedores levaram dez vereadores e suas famílias para conhecer o projeto do resort na sede da empresa, na Espanha. Depois, coincidentemente, os vereadores aprovaram ampliação da APA de Maricá.
O documento da Alerj conclui que a concretização do megaempreendimento “esvazia de sentido a criação da APA Maricá, pois, além de acarretar perda de biodiversidade, transfere à iniciativa privada parte da área de proteção, que deveria ser patrimônio coletivo”.
No relatório, a comissão cobra ainda da Justiça “apuração e possivelmente a anulação do licenciamento” do complexo, por falta de transparência, de acesso à informação e “vícios”. Alega ainda que a consulta à comunidade, de maneira que esta possa opinar, precede a emissão da licença para obra, por determinação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Por meio de nota, o órgão da Secretária Estadual de Ambiente, responsável por autorizar a instalação do resort na Apa de Maricá, voltou a afirmar que o licenciamento seguiu todas as normas vigentes, mas não comentou o fato de as próprias regras terem sido alteradas no processo.
A prefeitura defende a importância econômica do complexo, cuja previsão é gerar 32 mil empregos e impedir a “favelização” do bairro rural. O representante Lourival Casulo afirmou que todas as etapas do licenciamento, como as consultas populares, foram cumpridas: “Claro que todo o gestor quer investimentos para a cidade. Claro que queremos, além de preservar, agradar, empregar e gerir empregos e fazer com que a cidade cresça, dentro da lei”.
Para salvaguardar a área da APA e a sobrevivência da comunidade de Zacarias, a comissão recomendou também ao governo do Rio o tombamento da histórica sede da associação e o registro da “pesca de galho” (ouça aqui sobre a técnica).
A deputada estadual Zeidan (PT), mulher do prefeito de Maricá, Wahsington Quaquá, anunciou que pretende organizar, em maio, mais uma audiência pública para apresentar o projeto à comunidade. Disse ainda que uma parcela de moradores é a favor da iniciativa, mas não estava presente no evento na capital. Prometeu que serão entregues títulos individuais aos moradores de Zacarias, que não precisarão ser removidos para a instalação do resort.
Por Isabela Vieira, da Agência Brasil, in EcoDebate, 27/04/2016
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