O que a mídia não vê, o coração não sente, artigo de Daniel Clemente
[EcoDebate] A crise da política em Portugal segue a tendência ocidental, os partidos políticos afastados das bases populares não respondem as perguntas de seus eleitores e não representam uma possibilidade de mudança. Pedro Santana Lopes, ex-primeiro-ministro português no biênio 2004/2005, discursava em um programa televisivo de notícias da emissora SIC sobre a decadência partidária, quando foi interrompido repentinamente para dar voz e visão ao regresso a Portugal do consagrado técnico de futebol José Mourinho, que chegava a terra natal em um voo particular.
Após um minuto de euforia alheia, microfone e câmera voltam a apontar para o ex-ministro, que dispara: “José Mourinho é mais importante que qualquer um de nós, isso sem dúvida nenhuma, a chegada dele põe o país em delírio e os problemas dos partidos políticos e do sistema político não interessam nada? É assim que o país anda para frente? Eu vim com sacrifício pessoal e chego aqui e sou interrompido por causa da chegada de um treinador de futebol? Acho que o país está doido, portanto, peço desculpas, mas não vou continuar a entrevista”. Tempo é prioridade, a emissora fez sua opção seguindo os anseios de seu público, e a politica do pão e circo triunfa!
Após cinco séculos de introdução do catolicismo na Ilha de Cuba o Vaticano oficializou a primeira visita de um Papa ao País. João Paulo II projetava no imaginário estadunidense as ambições da derrocada do sistema politico cubano e entrada galopante do capitalismo na maior representação do Caribe. As grandes redes de comunicação dos Estados Unidos estavam presentes na capital Havana em janeiro de 2008, os principais âncoras e repórteres colocados a postos, holofotes posicionados aguardando a estrela do espetáculo, quando chegam as notícias da descoberta do envolvimento sexual do Presidente Americano Bill Clinton com a estagiária da Casa Branca Mônica Lewinsky. Apressados em pegar o próximo voo de volta para casa, os repórteres se amontoavam no aeroporto José Martí, clamando por um avião, poucas agências de noticias americanas ficaram em Cuba, os apetites eróticos do mandatário da nação mais poderosa do mundo transformaram-se em obsessão jornalística.
Os escassos profissionais que resistiram a “pornochanchada de Hollywood” registraram as palavras do Comandante Fidel Castro ao líder do Vaticano: “A terra que o senhor acaba de beijar fica honrada com sua presença. O senhor não encontrará aqueles habitantes pacíficos e bondosos que aqui viviam quando os primeiros europeus chegaram a esta ilha. Os homens foram quase todos exterminados pela exploração e pelo trabalho escravo que não puderam resistir”. Fidel se reportava as conquistas europeias do século XV na América com o consentimento da Igreja Católica, e continuou: “As mulheres, convertidas em objetos de prazer ou em escravas domésticas”. A imprensa americana perdeu a oportunidade de registrar esse momento histórico e obter a informação de que sexo e poder passam por uma combinação que atravessa os séculos.
“Um dia, pronto!/Me acabo/Seja o tem de ser/Morrer o que me importa?/O diabo é deixar de viver”. O poeta gaúcho Mário Quintana fazia das letras uma brincadeira terminada em razão de vida. Entre poemas, trovas e anedotas, anotava tudo que sentia e observava, a simplicidade de suas palavras assombrava pelo riquíssimo conteúdo transportado. Suas mãos deixaram de viver no dia 05 de maio de 1994, quatro dias após o falecimento do automobilista Ayrton Senna da Silva no trágico acidente no Grand Prêmio de San Marino, no autódromo de Ímola, na Itália.
Toda a imprensa nacional se mobilizou, as mãos que guiavam em alta velocidade deixaram de realizar manobras, o povo deixou de acordar cedo aos domingos, tudo passou a ser menos importante, e o falecimento do poeta transmitido em nota de rodapé. O filósofo Mario Sergio Cortella contextualizou: “Eu gosto muito de um poeta gaúcho chamado Mário Quintana, um homem estupendo que deu um azar danado, morreu na mesma semana que o Ayrton Senna. E quando você é alguém muito importante, mas alguém famoso morre perto, você desaparece do circuito. Tanto tem gente que não sabe que Mário Quintana morreu e outros nem de que ele viveu”.
Daniel Clemente
Professor de História e Sociologia
Colégio Adventista de Santos
Pós Graduando em História, Sociedade e Cultura PUC-SP
in EcoDebate, 04/02/2016
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