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Artigo

A controvérsia sobre o uso seguro de agrotóxicos, por Graça Portela e Raíza Tourinho

 

sinitox

 

A discussão sobre a notificação compulsória nos casos de intoxicação por agrotóxicos ganha mais força quando se debate se existe ou não segurança para a produção, manuseio e aplicação dos agrotóxicos, ou até mesmo no consumo de alimentos ingeridos pela população.

Para o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal – Sindiveg, sim, existe segurança. Segundo a vice-presidente executiva do Sindicato, Silvia Fagnani, “se usado de forma correta no campo, a aplicação de agroquímicos é segura”. Ela cita que os produtos, antes de serem registrados e liberados para a comercialização, são submetidos à avaliação agronômica, ambiental e toxicológica dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da Saúde, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

De fato, a Anvisa coordena as ações na área de toxicologia no Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde, regulamentando, analisando, controlando e fiscalizando produtos e serviços que envolvam riscos à saúde – agrotóxicos, componentes e afins, além de outras substâncias químicas de interesse toxicológico. Segundo informações do site da Agência, ela também “realiza a avaliação toxicológica para fins de registro dos agrotóxicos, a reavaliação de moléculas já registradas e normatiza e elabora regulamentos técnicos e monografias dos ingredientes ativos dos agrotóxicos. Além disso, coordena o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos nos Alimentos (PARA) e a Rede Nacional de Centros de Informação Toxicológica (Renaciat) e promove capacitações em toxicologia”.

Em dezembro de 2015, por exemplo, a Anvisa baniu o ingrediente ativo Parationa Metílica, substância associada ao câncer, desregulação endócrina, além de alterações nos genes (mutagênico) e no cérebro (neurotóxico). A decisão foi baseada nos resultados da consulta pública e às evidências científicas que “demonstram a extrema toxicidade deste ingrediente ativo”, segundo a nota da Agência. A Fiocruz também contribuiu com um parecer técnico para subsidiar a proposição de regulamento técnico para a substância.

O registro de agrotóxicos no Brasil não tem prazo de validade, ao contrário do que ocorre na União Europeia (10 anos) e em países como Estados Unidos (15 anos), Japão (3 anos) e Uruguai (4 anos). O banimento só foi possível graças a RDC 10/2008, que estabeleceu o processo de reavaliação de 14 substâncias já proibidas em outros países – dos 45 países pesquisados, a Parationa não pode ser comercializada em 34 e nos demais é utilizada com severas restrições. A reavaliação foi iniciada em 2008, mas ainda está longe de acabar. Este é o oitavo produto cuja a análise é concluída, e o sexto a ser banido (os outros cinco são Cihexatina, Endossulfam, Forato, Metamidofós e Triclorfom). Os dois restantes foram mantidos no mercado, mas com restrições de uso (Acefato e Fosmete). Atualmente, uma substância está em consulta pública (Carbofurano) e outras cinco com o processo em andamento (Lactofem, Abamectina, Tiram, Paraquate e Glifosato, sendo o último o mais usado no Brasil). Mas, e o agricultor que manipula o produto químico, sabe o que está fazendo?

Capacitação no uso

Silvia Fagnani explica que a indústria mantém uma preocupação com aqueles que manipulam os produtos químicos: “As empresas do setor capacitaram nos últimos quinze anos, entre 700 mil a 1 milhão de pessoas/por ano. Só no ano de 2011, foram mais de 3 milhões de pessoas treinadas”, afirma.

E há informação adequada sobre as substâncias que compõem os agrotóxicos em seus rótulos e seus efeitos colaterais? Com a experiência de quem trabalhou anos com a análise de agrotóxicos, o ex-gerente de Toxicologia da Anvisa e pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP)/Fiocruz Luiz Claudio Meirelles afirma, sem titubear: “Não. Tanto para o usuário do produto como para o profissional de saúde. Existe uma linguagem técnica estabelecida para apresentação substâncias químicas que nem sempre é apropriada por quem vai usar o produto ou intervir nos casos de intoxicação. Insuficiência de dados sobre a toxicidade, pictogramas de difícil interpretação, doses e preparações de complicado entendimento são exemplos onde técnicas adequadas de comunicação são pouco ou nunca empregadas”.

A linguagem técnica é um desafio especialmente se considerarmos o perfil do trabalhador rural. De acordo com o “Dossiê Abrasco: uma alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”, uma compilação em 600 páginas de diversos estudos sobre a questão, os trabalhadores rurais no Brasil têm, em geral, baixo nível de escolaridade; muitas vezes utilizam a aplicação intensiva de agrotóxicos como principal medida de controle de pragas; passaram por pouco ou nenhum treinamento para a utilização de agrotóxicos; desconhecem muitas situações de risco e não usam equipamentos de proteção coletiva e individual para a manipulação e aplicação dos produtos. Ao traçar o perfil socioeconômico das vítimas de óbito ocupacional por agrotóxicos, Rosany Bochner não encontrou um cenário diferente: há predomínio do sexo masculino (91%), idade entre 40 a 59 anos (55%), raça/cor branca (58%), baixa escolaridade com menos de três anos de instrução (45%), estado civil dividido entre solteiros (39%) e casados (33%).

No documentário Chapada do Apodi – vida e morte, uma produção da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz e a Articulação Nacional de Agroecologia – ANA, duas gerações de agricultores que lidam com agrotóxicos, José Ernilton e Francisco Jerimar, falam sobre o seu trabalho. E Raquel Rigotto, pesquisadora da Universidade Federal do Ceará – UFCE, fala da pesquisa que fez nas cidades no entorno de Limoeiro do Norte, no Ceará. Assista o vídeo abaixo:

 

 

Informação & realidade

Apesar do esforço da indústria de agrotóxicos em informar e capacitar agricultores sobre o uso de agrotóxicos, a realidade é bem diferente. Em sua dissertação de mestrado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, defendida em 2014, intitulada “O agricultor familiar e o uso (in)seguro de agrotóxicos no município de Lavras, MG”, o farmacêutico Pedro de Abreu analisou o caso da cidade de Lavras, no interior de Minas Gerais, considerando o contexto socioeconômico em que a maioria dos pequenos produtores rurais do município se encontra, e os resultados foram preocupantes.

Ele entrevistou 136 trabalhadores rurais, oriundos de 81 unidades de produção familiar em 19 comunidades. O que ele constatou é que, por mais que esforcem, os produtores não possuem nem conhecimento nem recursos para seguir as normas preconizadas pela Lei dos Agrotóxicos ou pelos manuais de segurança, elaborados pela Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andev, que representa as indústrias químicas) e por instituições públicas de saúde, meio ambiente e agricultura.

De acordo com Abreu, os manuais de segurança contemplam seis etapas relacionadas ao uso dos agrotóxicos: aquisição, transporte, armazenamento, preparo e aplicação, destinação final das embalagens vazias e lavagem das roupas e dos equipamentos de proteção individual contaminados. Contudo, dentro de cada etapa há diversas medidas que, se não forem cumpridas, não se configura o uso seguro. É o caso da compra de produtos. A lei prevê que os agrotóxicos sejam prescritos por um agrônomo, após visitar a propriedade. No entanto, na maior parte dos casos, basta ir à loja, que um agrônomo emite na hora a receita agronômica, quando já não a deixa assinada na loja.

No estudo, ainda foram constatadas outras irregularidades, como o transporte em carros de passeio, motocicletas ou até mesmo em ônibus (e não na área externa das caminhonetes, como prevê os manuais); o armazenamento dos produtos em tulhas – locais onde são guardados os cereais –, paiol, na própria plantação ou até dentro de casa (o correto é em local próprio, distante de residências e de cursos de água); a lavagem das roupas utilizadas na aplicação dentro do mesmo tanque utilizado para as outras roupas da família e até mesmo a falta do uso dos EPIs. “Poucos disseram usar todos os equipamentos indicados e nenhum deles relatou saber o modo considerado correto de colocar e tirar os equipamentos, o que obviamente compromete a segurança desses trabalhadores”, declarou o pesquisador.

Segundo Pedro Abreu, “ao analisarmos toda essa situação, vemos que estamos diante de dois grandes nós. Um deles diz respeito à responsabilização desses agricultores pelos riscos e danos envolvidos na utilização de agrotóxicos. O outro refere-se à imposição, pelo Estado e pelas poderosas industriais químicas, de um modelo de produção de alimentos que é insustentável e dependente de agrotóxicos, com consequente ausência de políticas públicas que favoreçam os agricultores familiares. Eles estão completamente desassistidos”.

Suas observações reforçam o que diz Claudio Silva, advogado do primeiro caso de óbito ocupacional por agrotóxicos comprovado pela justiça (relembre o caso aqui): “Existe um ‘mito’ que os agrotóxicos não fazem mal, se aplicado segundo determinados critérios. Essa falsa ideia interessa aos setores empresariais que se beneficiam da comercialização e aplicação dos agrotóxicos. Sabemos que o lobby é imenso. A parte mais frágil, que são os trabalhadores e consumidores, sofrem com graves danos, muitas vezes doenças crônicas ou mesmo a morte”.

A mesma opinião tem Luiz Claudio Meirelles, para quem as informações sobre agrotóxicos “interessam a toda população brasileira em seus diversos segmentos para que possam conhecer, se organizar, se defender e intervir sobre as situações que representam risco a vida. Mas não interessam aos que seguem lucrando com a alienação, a ignorância e a inoperância das instituições e organizações da sociedade”, afirma.

Foto do banner: Alba Sud Fotografia

Esta reportagem integra a série “Agrotóxicos: a história por trás dos números”, realizada pelo Icict, com matérias sobre uso de agrotóxicos no Brasil.

 

in EcoDebate, 18/01/2016

[cite]

 

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