O silêncio ruralista diante da crise da água, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] Chama a atenção o silêncio tumular dos ruralistas diante da crise da água brasileira. Ela está vinculada ao desmatamento, a erosão da biodiversidade e a compactação dos solos. O ciclo das águas é uma teia de relações complexas que permite sua fluência e a existência da vida.
Havia um Código Florestal que defendia as áreas de florestas necessárias para preservar o ciclo das águas. Mas, ele não era obedecido. Como a desobediência dos ruralistas – e imobiliárias – eram crimes, então mudaram o código para que suas ações não fossem mais motivo de punição.
Hoje cientistas dizem que grande parte do ciclo das águas brasileiras tem origem na evapotranspiração da floresta Amazônica (Antônio Nobre), mas que depende do Cerrado para penetrar no solo e abastecer os aquíferos que sustentam grande parte da malha hídrica brasileira que se origina no Planalto Central (José Alves da UNIVASF e Altair Salles da PUC/Goiânia).
Ora, o setor ruralista está quebrando a dinâmica da floresta Amazônica e compactando o Cerrado pela força do desmatamento. O Cerrado não tem poder de regeneração.
Kátia Abreu disse que “desmatamos por uma das agriculturas mais produtivas” (UOL, 15/12/15). Portanto, assume que desmata, portanto, que quebra o ciclo de nossas águas.
Aqui no vale do São Francisco há uma guerra surda entre os vários setores da produção – principalmente irrigação e energia – pelo que resta de água no São Francisco. Entretanto, o São Francisco é um rio dependente do Cerrado. Sem os aquíferos do Cerrado, particularmente o Urucuia, não existe São Francisco.
Então, senadora, a equação não fecha. Sem água não há agricultura, mas sem vegetação não há água. O equilíbrio entre todos esses fatores que o agronegócio desconhece ou ignora. Mas, quem no mundo ruralista está disposto a pensar a atividade agrícola na sua complexidade de fatores e não de forma simplista em favor de uma economia imediatista?
Não há agricultura sustentável sem a permanência das florestas, sem a preservação dos solos e do ciclo das águas.
O silêncio ruralista sobre a crise da água não é casual.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
in EcoDebate, 17/12/2015
[cite]
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.
Se espera em um momento que “caia a ficha” de todos, inclusive dos ruralistas e empreendedores em geral, de que estamos no mesmo barco, que é o planeta Terra, e isto nunca acontece.
Mas é necessário acreditar na civilização humana.
Grande abs…
RNaime
Ontem estive falando para funcionários da CHESF em Sobradinho sobre a água. Fato inusitado e emblemático. Mas, quando o rio secou, até a CHESF passou a se preocupar com o problema hídrico e tentar entender o que está acontecendo. Infelizmente, parece que a ficha só cai quando o impasse aparece.
Grande abraço.
Malvezzi
Não dá mais para debitar somente às florestas a responsabilidade pela produção de água. precisamos ficar mais realistas. Além do mais, as relações da floresta coma a água, num ambiente já modificado, é bem mais complexa do que se pensa. Sobre isso, escrevi um artigo (que pode ser encontrado na pesquisa do Google) sob o título de ‘Florestas e produção de água”, que teve ótima repercussão nos meios científicos e técnicos no país.
Quanto ao produtor rural, ele é peça fundamental na produção de água. E não é só os ruralistas (termo usado pejorativamente), mas as milhares de pequenas propriedades componentes das pequenas bacias hidrográficas e que também não sabem ter um relacionamento adequado com os volumes de chuvas recebidos. Antes de ficar acreditando que punição ou leis resolvem é preciso levar assistência técnica para que passem a usar as inúmeras alternativas tecnológicas de produção de água, que não se resume somente em plantar árvores.
Quem conhece bem as realidades do nosso meio rural entende muito bem a minha preocupação.
Reafirmo, sem contar com a colaboração dos produtores rurais não teremos boas produções de água
“Mas é necessário acreditar na civilização humana.” Roberto Naime.
Acredito, Roberto Naime, que especificando a crença a que você se refere em seu comentário, a frase seria exatamente a que segue:
“Mas é necessário acreditar ‘no elevadíssimo poder de destruição existente’ na civilização humana”.
[se é que faz sentido chamar de civilização essa estrutura de dominação e exploração que, em breve espaço de tempo, exterminará as condições de vida no planeta Terra. Talvez fosse mais apropriado chamar de civilização ao avesso].
Parabenizo o autor do artigo, Roberto Malvezzi, pela clareza com que abordou o tema, que é de importância abrangente.
Eu concordo Roberto Malvezzi “Havia um Código Florestal que defendia as áreas de florestas necessárias para preservar o ciclo das águas. Mas, ele não era obedecido”.
Eu trabalhei com esse código por mais de duas décadas e o aplicava contra aqueles que o infringiam. Eu fazia o início ou a minha parte, mas na sequência a responsabilização evaporava por força de “N” recursos. O tempo foi passando e as florestas que evapotranspiravam e produziam água foram sendo desmilinguidas pelos empreendedores do agronegócio. Sinceramente, eu acho que o poço da esperança vai secar e não adiantará aprofundá-lo, vez que o lençol freático das responsabilidades está sendo extinto. Parabéns por seu artigo. Abraços. (jgh)
Concordo integralmente contigo Valdeci, só procuro ser diplomático e manifestar otimismo, mas quero parabenizar muito o Roberto Malvezzi pela acuidade, argúcia e precisão das observações.
Grande abs.
RNaime
Precisamos acreditar na civilização humana. Precisamos, antes, de políticas públicas que sensibilizem os ruralistas (pequenos e grandes) a preservar o seu patrimônio, que é a riqueza e que garante a vida de tantos outros.
A introdução de um novo Código Florestal não os torna criminosos ou inocentes. Basta ver os números do desmatamento antes e depois da promulgação do novo código (2012).
Precisamos entender que a lei é apenas um instrumento e a sua eficácia depende do comportamento e educação das pessoas.
Nós, urbanoides precisamos da água e da energia. O quanto pagamos por quem as produz e as conserva lá no campo? O produtor rural, pequeno ou grande, precisa sobreviver e ninguém lhe paga um centavo para proteger as nascentes e os cursos d’água. Ao contrário, estão sujeitos a todo tipo de sanções por qualquer alteração no ambiente, que é de todos. Por que somente alguns terão que pagar esta conta?
Kátia Abreu e seus apaniguados não podem justificar o superávit da produção agrícola que está salvando a economia do país. Um coisa não justifica a outra. Enquanto a presidente Dilma fala em desmatamento zero, outros andam na contramão. Só pela lei, não se chegará a lugar nenhum.
O silêncio tumular da crise hídrica é consequência da falta de políticas públicas para os produtores rurais (pequenos e grandes). Não estou falando de mais leis, mas de programas de transferência de tecnologia, fomento, educação ambiental.
O Prof. Osvaldo Valente foi muito feliz em reafirmar a importãncia da proteção das bacias hidrográficas e não ficar choramingando sobre os ambientes já modificados. O desmatamento tem consequências danosas e não adianta ficar buscando culpados. Muito menos, uma lei que possa reverter esta situação. Precisamos de programas de incentivo e premiação aos bons produtores. Precisamos acreditar na civilização humana.
Reafirmando: precisamos acreditar no alto poder de destruição da chamada civilização humana.
Nota: não há coerência em se negar a História e as evidências atuais.