Crônicas de uma urbanóide na vida rural: superando os medos e mitos sobre uma caranguejeira, por Sucena Shkrada Resk
Já era noite e estava dentro de casa, no quarto, quando vi próximo ao guarda-roupa uma enorme aranha –caranguejeira. Até então, só tinha visto em alguns locais externos, em viagens, mas não tão pertinho, nesta experiência de quase um ano vivendo em uma cidade com perfil rural do noroeste mato-grossense, na Amazônia. A primeira reação foi de medo, me afastar e ficar parada olhando esse aracnídeo de cor escura e “felpudo”. E ele, por sua vez, também estava parado onde o avistei. A ignorância sobre a espécie me fez pedir auxílio ao proprietário do imóvel, que a retirou com a vassoura de lá. O episódio, apesar de parecer corriqueiro, me fez perceber que precisamos saber mais sobre as espécies para quebrar mitos e agir da forma mais adequada nestas situações em que não estamos habituados. E essa é a tônica do texto de hoje.
Bem, depois do susto, quis saber mais a respeito das caranguejeiras e dei início à pesquisa em sites de biologia. Descobri que não fazem parte do grupo das peçonhentas (que podem ser letais ao ser humano) e também não têm o hábito de atacar ou saltar, apesar de sua aparência assustadora. O único cuidado que se deve ter é de não encostar nela ou ficar muito próximo porque os seus pelos urticantes ao serem sacudidos geralmente dão coceira, em contato com a pele, provocando uma reação alérgica.
Deve-se também tomar cuidado para que não atinjam os olhos. Esses aracnídeos “gigantes”, que atingem até 30 centímetros, são predadores de insetos, rãs, sapos, ratos e de pequenas aves e as fêmeas podem ter vida longa, na faixa de 30 anos. A intensidade de seu veneno nessas presas, facilita a sua digestão, pelo fato de ter enzimas que decompõem proteínas.
Para afastá-la, é suficiente pegar um cabo de vassoura e ir empurrando até que siga o seu destino. Não é preciso matá-la, pois ela tem um papel importante na cadeia biológica. Quem explica é a educadora ambiental Luiza Rodrigues, de Mato Grosso. Ela conta que no ano de 2003, em seu trabalho de campo, na equipe de educação ambiental da Secretaria de Educação (Seduc) do Mato Grosso, na área do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães e seu entorno, observava que uma grande quantidade de aranhas caranguejeiras eram amassadas, na rodovia Emanuel Pinheiro, principalmente no início das chuvas.
Com essa observação, surgiu a ideia da criação da campanha “Deixe a Aranha Passar”, promovida pelo setor de Educação Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sob a chefia de Luiz Cruz, em parceria com a Seduc e o Governo do Estado.
“Essa espécie da família Theraphosidae não é agressiva. Os machos saem à procura da fêmea para acasalar no início da estação chuvosa e grande número delas morre ao atravessar a rodovia, muitos motoristas inclusive as atropelam propositalmente”, explica. A proposta de retomar a campanha é considerada viável atualmente porque o problema permanece, de acordo com Luiza e Cruz, atualmente no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O alerta é contra as aranhas venenosas
Segundo ela, a caranguejeira difere de outras aranhas pela disposição das quelíceras (presas). “As aranhas ditas verdadeiras possuem normalmente um tamanho menor e glândulas de veneno que podem causar acidentes, e as caranguejeiras não oferecem riscos ao ser humano”.
De acordo com o Instituto Vital Brazil, do Rio de Janeiro, devemos nos preocupar com as Armadeiras (Gênero Phoneutria), que são as aranhas venenosas de maior tamanho no mundo, chegando a medir 20 cm de envergadura com as patas abertas.
A “viúva-negra” (Latrodectus curacaviensis), que é pequena e tímida, medindo em torno de um centímetro, com patas longas e frágeis. Seu colorido é negro metálico, com o abdômen arredondado e com vários desenhos de cor vermelha-viva, às vezes ornados com finas linhas brancas.
E, por fim, com as Aranhas Marrons (Gênero Loxosceles), que não passam de 4 cm de envergadura. Vivem em ambientes escuros e secos onde tecem teias irregulares, muito parecidas com fiapos de algodão, nos quais capturam seu alimento (composto basicamente por insetos como moscas, besouros, baratas etc).
Por isso, a manutenção da limpeza nas casas e em terrenos para evitar que se acumulem sob entulhos, folhas secas e resíduos domésticos é uma boa forma de precaução. Como também, sacudir as roupas antes de usá-las.
Luiza Rodrigues explica que é fundamental destacar o papel socioambiental que as aranhas têm. São importantes pela função biológica que exercem no meio ambiente. “Controlam pragas, insetos e pequenos roedores. Além do mais, seu veneno é utilizado para combater inúmeras doenças e estão presentes em antibióticos potentes”.
Depois da vivência e desse aprendizado com o relato acima, vejo com outros olhos as aranhas-caranguejeiras, derrubando mitos que também tinha no meu imaginário, aprendendo a ter precaução, sem o medo absurdo da primeira vez.
Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 23 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (http://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
in EcoDebate, 07/12/2015
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