Ibama: descaso criminoso ignora documentos da Funai sobre Terras Indígenas e Índios Isolados, nas áreas de influência das usinas do Madeira, artigo de Telma Delgado Monteiro
[Ibama: criminal neglect of the Funai ignores documents on Indigenous Lands and Indians Isolates]
Rio Madeira
Eu tenho observado há duas semanas diversas notícias sobre a iminência da concessão da licença “parcial” de Jirau. Primeiro foi o consórcio Enersus, que ameaçou não construir mais hidrelétrica se a licença não saísse até dia 31 de outubro. Não podiam perder a tal da “janela hidrológica”. Ontem foi a vez do Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, que também “ameaçou” conceder a licença para início das obras, sob pena da construção de mais térmicas a carvão. Hoje foi a vez do Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, também dar seu recadinho sobre a licença ter que sair ainda nesta semana.
É possível haver um esforço orquestrado melhor que esse, entre empresários e ministros, para viabilizar o “desmanche” da legislação ambiental? Onde está o Ministério Público Federal que ainda não entrou com uma ação de improbidade administrativa em cima do presidente do Ibama, Roberto Messias Franco? Ele já concedeu duas licenças ilegais, a Licença Prévia das duas hidrelétricas e a Licença de Instalação de Santo Antônio. Agora, ele está prestes a cometer mais um ato administrativo ilegal, se assinar uma licença inédita para instalar canteiros de obras e ensecadeiras para Jirau, sem os estudos ambientais, inclusive, que deveriam considerar a presença dos Índios Isolados ignorados no EIA/RIMA elaborado por Furnas e Odebrecht.
A tudo isso soma-se a completa desconsideração da presença de Índios Isolados, de mais 17 Terras Indígenas a jusante das duas hidrelétricas e outras no corredor do Sistema de Transmissão. Entre os diversos documentos do processo de licenciamento ambiental encontrei um ofício da Funai para o Ibama, de outubro de 2006, em que está explícito entre outras coisas (i) que os estudos apresentados contemplam insuficientemente o componente indígena para o Complexo Hidrelétrico do Madeira, e, portanto, nos manifestamos (a Funai) contrariamente à emissão das Licenças Prévias para os empreendimentos das AHE’s Santo Antônio e Jirau (ii) pede audiências públicas especificas para os grupos indígenas a serem realizadas em Terras Indígenas; (iii) que há diversas Terras Indígenas na área de influência do corredor do Sistema de Transmissão Jirau – Santo Antônio – Cuiabá que deveriam também ser objeto de estudos ambientais; (iv) que os estudos devem considerar todas as terras indígenas na bacia do rio Madeira e no corredor do Sistema de Transmissão e não apenas aquelas próximas aos empreendimentos; (v) que outro aspecto importante é a presença de Índios Isolados na área de influência do Complexo do Madeira.
Outro documento da Funai (julho de 2008) que chegou às minhas mãos é um Plano de Trabalho para atividades previstas para as regiões onde há referências de índios isolados que terão influência da UHE Santo Antônio. Nele estão descritos que “os grupos de índios isolados e as terras onde habitam, passíveis de serem atingidos, pelas usinas, estão localizados à margem esquerda do rio Madeira, nas áreas Jacareúba/Katawixi e Mujica Nava/Serra Três Irmãos, em duas referências geográficas, no estado do Amazonas; e à margem direita, nas áreas no rio Candeias e nos igarapés Oriente, Formoso e Cachoeira do Remo (região das Terras Indígenas Karipuna e Karitiana e FLONA Bom Futuro), em três referências geográficas, no estado de Rondônia”.
A equipe que elaborou o Plano de Trabalho entende que “a Coordenação Geral de Índios Isolados – CGII, da Fundação Nacional dos Índios – FUNAI, jurisdicionada à Diretoria de Assistência – DAS, tem a competência de planejar e coordenar as ações desenvolvidas pelas Frentes de Proteção Etno-Ambiental em Terras Indígenas no Território Nacional, pertinentes à proteção dos grupos indígenas isolados.”
O documento reafirma que é atribuição da Funai “garantir aos índios e grupos indígenas isolados o direito de assim permanecerem, mantendo a integridade de seu território” e, como diretrizes da política de índios isolados, entre outras estão (i) a garantia aos índios isolados do pleno exercício de sua liberdade e de suas atividades tradicionais (ii) a proteção e garantia dos limites físicos, riquezas naturais, fauna, flora e mananciais das terras habitadas por índios isolados (iii) a proibição, no interior da área habitada por índios isolados, de toda e qualquer atividade econômica e comercial.
Consta que dentre as 69 (sessenta e nove) referências existentes de índios isolados, 5 (cinco) estão na área de abrangência da UHE Santo Antônio, nos Estados de Rondônia e Amazonas.
Só aí comprovei a existência de dois importantes documentos, de 2006 e 2008, que estão no processo de licenciamento do Complexo do Madeira conduzido pelo Ibama, que demonstram que os estudos ambientais – EIA/RIMA – ignoraram não só as terras indígenas como a presença dos índios isolados. É caso ou não de se pedir a anulação das licenças ambientais?
Telma D. Monteiro, da ATLA – Associação Terra Laranjeiras, é coordenadora do Blog Telma Monteiro, colaboradora e articulista do EcoDebate.
[EcoDebate, 08/11/2008]
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