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Menores respondem por menos de 10% do total de delitos, diz pesquisa do Ipea

 

Entrada para um dos pavimentos da Fundação Casa
Entrada para um dos pavimentos da Fundação Casa. Foto:Marcos Santos/USP imagens

Menores respondem por menos de 10% do total de delitos, diz pesquisa do Ipea

Pesquisa divulgada ontem (21) pelo Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), com base em denúncias apresentadas em 2013 pelo Ministério Público em todo o país, envolvendo delitos praticados por maiores e menores de idade, mostra que os menores respondem por menos de 10% do total de delitos. Nos crimes contra a vida, os menores representam 8% de todas as representações por ato infracional feitas pelo Ministério Público.

O economista Daniel Cerqueira, que divulgou o documento, participou de seminário promovido pelo Ipea sobre a redução da maioridade penal, no Rio de Janeiro, onde afirmou que a melhor estratégia para diminuir a incidência de crimes é por meio da socialização do indivíduo, e não pela punição. “Endurecer simplesmente as leis não funciona. O que funciona, basicamente, é educação, é oportunidade para os jovens”.

A partir de dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e informações do Ministério da Saúde, o Ipea avaliou se a mudança do estado de maioridade penal teria algum efeito sobre homicídios no Brasil. “Não há nenhum indício disso aqui”. Estudo feito pelo instituto apurou as consequências da existência no Brasil de uma política abrangente de colocar no nível médio educacional todas as pessoas com mais de 15 anos de idade. “O resultado é substancial”, manifestou o economista.

Caso todas as pessoas no país tivessem, pelo menos, o ensino médio, a taxa de homicídios cairia cerca de 42%, indicou. “O que os nossos resultados mostram é que o caminho das oportunidades é pela educação”.

O exercício feito pelo Ipea pegou as características da população brasileira e das vítimas de homicídios no país, como cor, nível educacional, idade, local de residência. Foi feito um modelo probabilístico para entender as variáveis determinantes que explicam a probabilidade de a pessoa ser vítima de homicídio no Brasil.

A partir desse exercício econométrico, os pesquisadores do Ipea criaram um cenário fictício para verificar qual seria a implicação de uma possível mudança das características da população em relação à escolaridade sobre os homicídios.

Maioridade penal

A técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Enid Rocha Andrade da Silva, autora de estudo anterior sobre a redução da maioridade penal, divulgado em junho passado, defendeu a necessidade de se fortalecer a legislação existente no país sobre o tratamento para menores infratores.

“Qualquer mudança deve ocorrer dentro dessa legislação”, disse. Segundo ela, as mudanças que preveem aumentar o tempo de internação como medida especial dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente são uma opção melhor do que a Proposta de Emenda Constitucional 171/1993 que “coloca os meninos no sistema prisional de adulto”. A PEC 171 altera o artigo 228 da Constituição Federal e visa reduzir de 18 para 16 anos a idade mínima para a responsabilização penal. Ela foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está no Senado para votação.

A pesquisa de junho do Ipea traça um retrato dos adolescentes que estão privados de liberdade, o tipo de delito praticado, onde eles se encontram no Brasil. “O que a gente viu é que o perfil do adolescente em conflito com a lei é de exclusão social. São menores que vivem em famílias muito pobres, com até um quarto de salário mínimo ‘per capita’ (por habitante) e quando cometeram o delito, eles não trabalhavam nem estudavam, não haviam concluído o ensino fundamental”. Cerca de 70% dos adolescentes tinham entre 16 e 18 anos de idade.

De acordo com a pesquisa, esse mundo tem predomínio masculino: quase 85% desses adolescentes são meninos. Quando cometeram o delito, esses meninos e meninas usavam drogas, principalmente maconha e ‘crack’. Enid informou que quando a pesquisa foi efetuada, em 2013, havia 23 mil adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de privação de liberdade no país, que são as medidas em meio fechado, englobando internação, semiliberdade ou medida provisória em que eles ficam apreendidos por 45 dias.

A maior parte dos 23 mil adolescentes abrangidos pela pesquisa, ou o correspondente a 75% do total, estavam concentrados nas regiões Sudeste e Nordeste. A maior parte dos delitos praticados envolvia fruto, roubo e ligação com o tráfico. Apenas 14%, ou 3,2 mil, haviam cometido delitos contra a vida, que são homicídio, estupro e lesão corporal.

Na nota técnica, o Ipea criticou o mito da impunidade e mostrou que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prever as medidas de internação, destaca que a medida mais severa, que é a internação, deve ser aplicada somente em flagrante delito e de crimes que atentam contra a vida.

“Se a gente fosse seguir essa recomendação do estatuto, não teria esses 23 mil adolescentes privados de liberdade, cumprindo a medida mais severa e, sim, aqueles 14% que cometeram delitos que atentam contra a vida”, argumentou a pesquisadora.

A pesquisa aponta ainda que, dentro do sistema único de assistência social, por exemplo, está sendo estruturado um caminho novo, já com avanços em vários municípios, que é a medida socioeducativa em meio aberto englobando a prestação de serviços para a comunidade e a liberdade assistida. Enid Rocha considerou que esse é um caminho para que o Judiciário aplicasse mais medidas em meio aberto para os delitos que não justificassem internação ou privação de liberdade.

Racismo e encarceramento

O historiador Fransergio Goulart, do Movimento contra a Redução da Maioridade Penal, disse à Agência Brasil que a proposta de redução da maioridade penal é uma ação que potencializa a questão do racismo e o encarceramento da população negra e pobre do país

Goulart disse que foi retomado um trabalho de rodas de conversa e ocupação de espaços públicos nas favelas e periferias com o objetivo de informar a população e mobilizar as pessoas na luta contra a aprovação da PEC 171. “A gente está fazendo um trabalho de divulgar para a população, embora tardiamente”, manifestou. O movimento está monitorando e acompanhando o processo no Senado que, por enquanto, parece ser positivo para os militantes. Recentes levantamentos indicam que entre 65% e 70% dos senadores se mostram contrários à redução da maioridade penal, informou Goulart.

Para Goulart, a única saída é o Supremo Tribunal Federal (STF), cuja composição hoje mostra que a maioria dos ministros já escreveu textos com posições contrárias à proposta de redução da maioridade penal. “A gente tem uma avaliação bem positiva disso”. Acrescentou que a redução é uma das agendas do movimento que pretende dar seguimento ao diálogo com o povo, ocupando espaços públicos nas ruas. Goulart salientou que a redução da maioridade penal não resolve os problemas de violência e de insegurança no país. “De maneira nenhuma”.

Arrastões

A respeito dos arrastões registrados durante o fim de semana, na zona sul do Rio de Janeiro, o economista do Ipea, Daniel Cerqueira, apoiou a Defensoria Pública que determinou à polícia a apreensão de menores somente em caso de flagrante. “A gente tem que aprender no Brasil a cumprir a lei e a lei diz que a gente não pode simplesmente discriminar as pessoas por raça, por credo ou por ‘status’ socioeconômico e levá-las à delegacia a não ser que tenha alguma evidência de que algo aconteceu”,

Cerqueira advertiu que isso não impede que sejam feitas revistas em ônibus e um processo natural de apuração dos fatos. Não se pode, acrescentou, colocar a culpa na polícia pelos problemas sociais que estão ocorrendo no país. “A polícia tem que atuar, a Justiça tem que atuar, mas tudo com muita calma e dentro da lei”.

Sobre a PEC 171, Cerqueira disse que pelos cálculos do Ipea e pelas evidências em outros países e no próprio Brasil, a redução da maioridade penal não teria nenhum efeito. O único efeito, enfatizou, é capitalizar os votos de parlamentares que defendem essa bandeira. “Em termos práticos, não tem nenhum efeito”.

Por Alana Gandra, da Agência Brasil, in EcoDebate, 22/09/2015


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