Energia nuclear, artigo de Roberto Naime
Energia nuclear, artigo de Roberto Naime
Discutir a questão nuclear exige um enorme equilíbrio e um grande desapego de todas os interesses econômicos envolvidos que modulam posições e determinam estratégias de todos os agentes envolvidos.
Não se trata de ser contra, ou a favor da utilização pacífica da energia nuclear. Se busca exercer apenas reflexão sensata que contribua para agregar argumentos no debate que se realiza.
Existe grande quantidade de agentes e o Painel de Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), se alinha com esta posição, que acredita que o uso de energia nuclear é preferível, ao menos em relação ao emprego de termelétricas, para produção energética, na medida que ocorre geração energética “limpa”, ou seja, isenta da produção de gases de efeito estufa. Este alinhamento ganha críticas igualmente porque assinala a falta de visão holística ou visão mais abrangente, de seus integrantes.
O processo utilizado numa central nuclear, parece simples e prosaico, mas é extremamente complexo em suas variáveis e controles. Átomos de urânio tem sua fissão controlada até certa temperatura e emitem energia. O processo é iniciado e deve se impedir a propagação nuclear que tem que ser controlada com a interrupção da sequência reativa em temperatura indicada. Tudo é cuidadosamente planejado, mas relativamente complexo de controlar. Trabalhos descritivos mais cuidados podem ser encontrados em publicações do Prof. Ildo Sauer da Universidade de São Paulo.
Em recente entrevista à TV Câmara, o ativista e arquiteto Francisco Whitaker ressaltou que os protocolos envolvidos nos tratados entre Brasil e Alemanha para a construção das usinas localizadas em Angra, datam da década de 70 do século passado e podem ser considerados defasados em comparação com documentos mais atualizados e recentes que incorporam conhecimentos já acumulados e desenvolvidos após notáveis acidentes com usinas de geração nuclear como em Chernobyl, “Three Mile Island” e mais recentemente “Fukushima”. Na mesma oportunidade, declarou também que o projeto governamental de implantar mais 15 usinas de energia nuclear no nordeste, esbarra em fatos notórios e públicos, declarando que só a produção de energia a partir de biomassa no estado de São Paulo, produz o equivalente a 15 usinas atômicas médias.
Tudo na vida tem uma relação determinada de obtenção de benefícios e riscos envolvidos. A radioatividade está envolvida em várias dimensões da tecnologia do urânio enriquecido. Sendo o maior problema, mas não caracterizando o único risco envolvido. O plutônio produzido por exemplo, tem segundo Francisco Whitaker tempo de meia vida de 24.100 anos. Sem tentar explicitar a conceituação de tempo de meia vida, bem conhecida de profissionais da área química, isto significa mais um resíduo perigoso a ser administrado por longo tempo.
Na verdade, se o empreendimento representativo de uma usina atômica tivesse todos os seus custos contabilizados, inclusive considerando a adequada disposição e neutralização dos resíduos atômicos que geram radioatividade nociva, pelo tempo e da forma que são necessários, os custos envolvidos seriam proibitivos. Mas permanece um sentimento de improvisação e uma visão retrógrada que não se apropria de toda a realidade envolvida particularmente em termos de realismo econômico, ao não incorporar todas as fases e procedimentos adequados.
Riscos existem em todas as atividades, por melhores, ou por mais defasados, que sejam os protocolos reguladores das atividades. Não se deseja qualquer mimetismo de comportamento, ou transferência de decisões, que são próprias da soberania e da autonomia de cada povo. Mas tem constatações que se evidenciam e falam por si próprias. A Alemanha partiu de um insignificante percentual de sua matriz energética de fonte eólica, há poucas décadas, e hoje, se encontra desativando todas as centrais nucleares e a energia eólica representa um potencial significativo de sua matriz energética, conforme atesta Nicholas Stern, ex-presidente do Banco Mundial em seu livro “O caminho para o desenvolvimento sustentável”, prefaciado por Israel Klabin, e editado pela Elsevier em 2010.
Não é preciso ficar dissecando minúcias das atividades ligadas à geração de energia a partir de fonte nuclear. Pelo contrário, uma visão mais holística permite apropriar que não é conveniente, adequado ou necessário se expor a este risco, seja com tecnologias ou protocolos mais adequados e modernizados ou não. Tampouco se trata de decisão econométrica, baseada em adequadas realizações de apropriações completas ou não de cálculos de custos. A questão é, se independente das variáveis tecnológicas e de procedimentos adequados, torna-se realmente necessário e fundamental para a viabilidade geral da sociedade se submeter a estes riscos e aos elevados custos decorrentes de qualquer irregularidade? A continuidade da industrialização e da modernidade das instalações do país depende desta alternativa?
A sociedade brasileira através de suas entidades representativas da sociedade civil é que deve ter o último posicionamento e determinar o procedimento sobre a alternativa mais adequada neste momento, assim como em outros casos. Cabe democraticamente respeitar a decisão da maioria, mas não se postar com ingenuidade diante das comuns associações ilícitas patrocinadas pelas representações políticas do país no exercício das funções determinadas por normatização legal. Embora isto exija um exercício de equilibrismo, sangue frio e sensatez.
São estas mesmo as características que garantirão resultados satisfatórios. Ainda mais no Brasil. Grande produtor de “comodities” agrícolas e bens primários, e vocacionado, por variados fatores integrados, a se tornar competidor relevante do mercado agropecuário, internacionalmente. Consta que boa parte dos problemas gerados por Chernobyl foram episódios de radioatividade terem atingido produtos agrícolas por muito tempo. Estes produtos, consumidos posteriormente, geraram efemérides com relatos de atividades carcinogênicas por muito tempo, em variadas geografias.
O Brasil já sabe o que significam restrições sanitárias por febre aftosa ou até mesmo por produtos veterinários empregados em atividades agropecuárias, e sabe quão devastador poderia ser uma restrição na exportação agrícola pela ocorrência de uma contaminação radioativa de produtos agropecuários. A discussão sobre o tema está aberta. São riscos a serem assumidos ou melhor seria, serem suprimidos?
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
in EcoDebate, 25/08/2015
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Excelente artigo. A meu ver, a energia nuclear ainda não está devidamente equacionada em todos seus aspectos.
As manifestações no Japão contra a retomada da energia nuclear nos levam a essa conclusão.
Concordo e agradeço a manifestação…
O caso do Japão ainda tem mais a geologia. Zonas instáveis tectonicamente, jamais poderiam ter instalações nucleares.
Ainda haverá órgão de governança mundial, que sem interferir na soberania de cada país, regulamente estas questões…
Grande abs…
RNaime
Agora com este improviso todo, imagine um acidente nuclear impedindo exportações de “commodities” agrícolas, não ia faltar mais nada…
Abs
RNaime