Por descaso geral, o diesel limpo ficou para depois
[By general neglect, the clean diesel was beyond]
O acordo judicial que permitiu o não cumprimento da Resolução 315 , de 2002, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), determinando a distribuição do chamado diesel limpo, com denominação técnica S50, isto é, com 50 partes por milhão (ppm) de enxofre, é uma dessas “soluções de compromisso” que todos sabem que pode ser desobedecida sem maiores riscos. Essa desobediência começou quando a norma do Conama definiu janeiro de 2009 como a data limite para que o combustível diminuísse a quantidade de enxofre, um perigoso poluente, efetivamente controlada. Hoje, o diesel comercializado nas regiões metropolitanas tem 500 ppm, dez vezes mais do que deveria passar a ter em janeiro próximo. No interior do País o quadro é bem mais grave, pois o diesel distribuído contém 2.000 ppm de enxofre. Da Gazeta Mercantil, 03/11/2008.
Esse acordo foi assinado pelo Ministério Público Federal, governo paulista, Agência Nacional de Petróleo, IBAMA, Cetesb, Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), além de 16 montadoras e, em especial, a Petrobras. A estatal do petróleo reconheceu que os termos propostos pela empresa foram “praticamente todos aceitos”. Pelo acerto, apresentado como judicial, a desobediência à Resolução 315 do Conama foi trocada por várias concessões. Os ônibus urbanos das duas maiores cidades do País, São Paulo e Rio de Janeiro, passam a contar com o diesel limpo, o S50, apenas em janeiro de 2009. Até 2011, recebem o combustível limpo Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, mais a região metropolitana de São Paulo, Campinas, São José dos Campos e a Baixada Santista. Já para o interior só no final de 2009 deverá ocorrer uma redução dos atuais 2.000 ppm para 1.800. Só em 2014, a frota desses lugares receberá o S500, dez vezes mais do que o Conama determinou. Recife, Belém e Fortaleza, um grupo de felizardos, devem receber o S50 a partir de maio do próximo ano.
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, disse que o acordo assinado sobre a adoção do diesel limpo “foi o melhor que poderia ter acontecido para solucionar o problema”. É curiosa essa posição do ministro, pois, desde que assumiu o Minc, repetiu avisos de que faria cumprir a resolução do Conama, mas surpreendentemente, na quinta-feira, o Ministério Público e o governo cederam, concordando com as exigências das empresas. As montadoras de veículos e a Petrobras alegaram falta de tempo e problemas logísticos para descumprir a resolução do Conama de 2002. Como não poderia deixar de ser, um rigoroso inquérito civil público será instalado para saber de quem é a responsabilidade pela desobediência. Minc reafirmou ainda que, se o acordo não fosse alcançado, ele manteria sua convicção original e seria obrigado a não conceder licença para que 200 mil ônibus saíssem das fábricas em 2009. O ministro insistiu em que isso significaria “fechamento de oito fábricas e demissão de dez mil trabalhadores”. Por essa razão, Minc concordou em estabelecer medidas que compensem a poluição que será emitida.
Essa concordância do ministro é contraditória com suas afirmações sobre o assunto, feitas em agosto, quando garantiu que tanto as montadoras como a Petrobras tiveram “desde 2002 para se adaptar às novas regras e agora pedem adiamento”. Naquele momento, Minc considerava as propostas das empresas como “medidas absolutamente frouxas”. Agora, o ministro mudou de opinião.
Esse quadro de leniência do gestor público em relação ao meio ambiente não pode continuar. Nos últimos anos não faltaram pressões das organizações não-governamentais (até de secretarias estaduais de Meio Ambiente) para que se preparasse a obediência à resolução. Tais pressões da sociedade civil levaram o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária, em 17 de abril, a sustar duas campanhas publicitárias da Petrobras que ligavam a empresa a ações socialmente responsáveis, porque esse compromisso não era verdadeiro, exatamente pelo comportamento da empresa em relação ao enxofre no diesel. A medida mais efetiva, no entanto, para fazer a Petrobras obedecer à resolução do Conama seria perder pontos no processo de reavaliação das empresas que compõem o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), desenvolvido pela Bovespa, desde 2005, para verificar as ações comprometidas com a boa conduta social e ambiental. A renovação do ISE é anual e, talvez, esse limite a estatal não queira ultrapassar.
Desde 2002, o setor público não se preparou para cumprir a Resolução 315. E não cobrou das empresas essa obediência. Agora, permitiu que o prazo para proteger o ar que todos respiram ficasse para quando fosse bom para os interesses comerciais envolvidos. É uma pena.
[EcoDebate, 04/11/2008]
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