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povos indígenas: Um povo sacrificado em nome do progresso. Entrevista especial com Sydney Possuelo

[Indigenous Peoples: A people sacrificed in the name of progress. Special Interview with Sydney Possuelo]

O renomado indigenista e sertanista brasileiro Sydney Possuelo concedeu esta entrevista por telefone à IHU On-Line, na qual reflete sobre a situação dos povos indígenas brasileiros e sobre os conflitos envolvendo os índios e o “homem branco”, principalmente no que diz respeito às ações em nome do desenvolvimento e do progresso do país. Possuelo relata que até mesmo essa crise financeira mundial é um elemento que põe a vida e os costumes dos índios em perigo. “Nosso dinamismo social é grande e nos leva a cometer esses intensos erros que cometemos contra a natureza, por isso os povos indígenas foram mortos em nome do progresso”, disse ele.

Sydney Ferreira Possuelo iniciou sua formação em São Paulo, aos 17 anos, trabalhando com os sertanistas brasileiros Cláudio e Orlando Villas Boas. Foi nomeado presidente da Funai em 1991, onde trabalhou até 2006. Voltou sua gestão para a demarcação de terras, sobretudo dos Yanomami, e estabeleceu forte diálogo entre o governo e organizações não-governamentais, convocando ativistas para compor seus quadros e firmando parcerias com essas entidades. Por seus mais de 40 anos, dedicou-se à causa dos povos indígenas isolados na Amazônia.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – No entendimento da Funai, os índios isolados não devem ser contatados a menos que sofram perigo de morte. No entanto, há pelo menos cinco tribos vivendo acerca de onde as obras iniciais do complexo do Madeira estão instaladas. Como o senhor avalia essa situação?

Sydney Possuelo – Nós temos uma referência de que essas tribos possam estar vivendo ali, mas nesta expedições pela Amazôniaárea ainda falta fazer a confirmação da existência delas. Esses povos isolados são, hoje em dia, pequenos grupos de dez, doze, vinte, cinqüenta ou setenta pessoas. É muito difícil localizá-los. Nossas referências vêm através de informações de ribeirinhos, de antropólogos, de sertanistas ou outros grupos indígenas que em algum momento estiveram ali e observaram a existência deles. Normalmente, o que faz a coordenação de índios isolados é ir até a área e fazer uma expedição para confirmar. São homens que sobem os rios, deixam os barcos, penetram na floresta e vão em busca de vestígios. Eles não vão contatar os índios, porque não é necessário. Essa política de não-contato eu implementei há mais de 20 anos. Eles vão apenas verificar se aquela informação é verdadeira ou não. Em cima disso eles tomam as medidas. Se não confirmar a existência, eles liberam a área. Mas, se encontram vestígios ali, então eles precisam trabalhar no sentido de proteger esses povos, delimitando a sua terra e tomando todas as precauções para protegê-los de todas as formas.

IHU On-Line – As empresas responsáveis pela obra informaram que não sabiam da existência de índios isolados acerca das obras. O senhor afirmou que, se as obras não forem suspensas, o governo federal pode ser julgado nos fóruns internacionais. Como o senhor acha que esse problema será resolvido?

Sydney Possuelo – Eu acho pode ser resolvido com uma questão de bom senso. Não há nada de extraordinário em tudo isso. Sendo ou não do PAC, a obra em si não é mais importante do que a vida de qualquer grupo indígena que esteja ali, como não seria de qualquer outro grupo. Não é possível realizá-la sem cuidar das conseqüências. A empresa pode se dispor a suspender o canteiro de obras, enquanto a Funai imediatamente pegaria seus sertanistas (se é que ainda tem; me parece que todos já se aposentaram ou difíceis de encontrar) e os enviaria em expedição e iriam atrás de vestígios para confirmar a presença desses grupos. Isso é o que a lógica pede. Confirmando a presença, então as obras são interrompidas, se conversa com o governo e a empresa decide o que fazer, se as obras continuam e de que forma. Se a existências desses grupos isolados de índios não for confirmada, provavelmente as obras continuarão.

IHU On-Line – Como entender a postura do governo e da Funai em liberar essas obras sem o prévio conhecimento de todas as tribos da região?

Sydney Possuelo – De um modo geral, a questão indígena sempre foi muito mal vista pelo Estado. O Estado teve até uma época, no início dos anos 1900, que andou demarcando terras indígenas. Posteriormente, também fizeram demarcações, mas não é só preciso demarcar as terras que pertencem aos índios. É preciso proteger, porque demarcar pode ser simplesmente uma figura política. Se você demarca e depois deixa essa área ser invadida, não adianta nada. O Estado brasileiro, ao longo de toda a nossa formação, nunca foi de encontro aos interesses dos povos indígenas. Eles só buscam os povos indígenas quando precisam. Então, falam neles. Por exemplo, você vai fazer uma estrada e encontra índios. Então, o Estado é obrigado a voltar seu olhar para os povos indígenas. Esses primeiros habitantes, donos naturais dessa terra, a quem nós deveríamos tratar com dignidade e respeito, são desconsiderados por nós. Dias desses, no Maranhão, os índios estavam fazendo reféns para ter escola, por causa da saúde, por causa de terra. Tudo o que envolve os direitos mais elementares dos índios só é atingido com movimentos extremos. Nossa sociedade os condena permanentemente, como se eles não tivessem necessidades. O Estado não tem uma visão, uma tradição de compreender os índios e nem a nossa sociedade, principalmente agora com esse quadro econômico mundial difícil criado por esse capitalismo selvagem que põe cada vez mais os índios em perigo. Com isso, a noção é a seguinte: não são oito ou dez índios que vão paralisar o avanço do Brasil. Até essa crise é um elemento usado contra os direitos básicos dos indígenas. É assim que eu vejo.

IHU On-Line – Como o senhor define a situação da Amazônia hoje?

Sydney Possuelo – A situação da Amazônia está ligada a tudo o que nós somos. Nós somos aquele homus economicus enquanto pudermos. Enquanto houver uma árvore em pé, vamos destruir para ter lucro. Nós chegamos ao cúmulo de fazer estudos para ver se a floresta nos dá mais lucro em pé ou destruída. Há 70, 80 anos, estamos focados no lucro sem que nos importe o passado, como também não nos importamos com o futuro. É uma lástima. Outro dia, o Minc disse que os índios desmataram também a Amazônia. Sistematicamente, inventamos formas, legais ou não, de “progredir”. Temos uma visão muito estranha do que é progresso. Ainda há muito gente que pensa que a floresta é um atraso e que desenvolvimento é o que vem com edifício e com a floresta contida. Não se consegue ver a floresta como parte importante do que forma o mundo e nos permite viver. Eu não sei quando vamos começar a tratar a floresta de uma forma correta. Somos seres que não se importam com nada. Até a Bíblia nos leva a consumir. Então, eu vejo a Amazônia sendo, lamentavelmente, sendo destruída cada vez mais, assim como aconteceu com as grandes áreas florestais da Ásia e da África. Nós ainda temos essa coisa extraordinária e maravilhosa e não estamos procedendo conforme deveríamos fazer, assim como não tratamos os índios da maneira que deveríamos.

IHU On-Line – O senhor acha necessário que se faça novos contatos físicos com esses índios que estão isolados?

Sydney Possuelo – Eu acho que não precisa. O Brasil, desde 1910, tinha essa política de fazer contato, de redução, de trazer os índios para perto para termos um controle maior sobre eles. Durante os 500 anos da nossa história, o que aconteceu com a maior parte dos que aqui estavam? Desapareceram. Isso aconteceu em toda a América. A civilização cristã chegou com cruz e espada e dizimou povos. Nos 40 anos iniciais da descoberta, foram mortos mais de 30 milhões de índios aqui. Nós somos uma sociedade em ebulição constante e eles são mais estáveis. Nosso dinamismo social é grande e nos leva a cometer esses intensos erros que cometemos contra a natureza, por isso os povos indígenas foram mortos em nome do progresso.

(http://www.EcoDebate.com.br, 01/11/2008) publicado pelo IHU On-line, 31/10/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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