Preconceito e injúria racial no Brasil contemporâneo, artigo de Rosana Schwartz
[EcoDebate] O Brasil contemporâneo presencia uma crise política e a rejeição aos modelos de sociedade, guardiãs de estruturas políticas ultrapassadas, que não conseguem proporcionar vida cotidiana digna para todos os cidadãos.
Durante a década de 70, nas entranhas do crescimento do Estado Autoritário brasileiro, a necessidade de mudança para um Estado Democrático cristalizou a necessidade de organização e ação dos sujeitos/participantes em movimentos organizados. A centralidade estava na efetivação dos direitos sociais e na emergência de novos sujeitos – minorias – nas instâncias de poder. Passados os anos 80, 90 até a atualidade, diante do afastamento dessa centralidade pelas facções de esquerdas e centro-esquerda e decepções com relação às ações realizadas pela política partidária, ações coletivas alimentaram as esperanças de múltiplos coletivos nas redes sociais em direção à construção de uma nova sociedade.
Nesse processo, radicalismos despontaram e abriram as portas para posições preconceituosas, tanto de gênero como de raça e classes sociais. O preconceito racial não é exatamente visível, em decorrência da ambiguidade da sociedade brasileira. A raça aparece enquanto cor, fundada sobre marcadores fenotípicos (textura dos cabelos, cor da pele, formato do nariz e lábios) e culturais e sociais (empoderamento econômico, colocação no mercado de trabalho e em funções de poder de decisão). O preconceito ligado ao período colonial escravagista permanece através da simbologia das cores (claro/bom, escuro/ruim), adensado pelas teorias racistas do século XIX e de classe, deixando marcas socioculturais conservadoras que necessitam de desconstrução.
Estudiosos do Brasil revelam que comportamentos conservadores se manifestam expressivamente muito mais nas camadas altas e médias remanescentes da classe senhorial do que nas classes baixas. A discriminação de gênero, raça e classe é um mecanismo de privilégio de classe. Em uma sociedade que se organiza de forma desigual qualquer preconceito manifesta-se atrelado ao da posição social dos indivíduos no meio social. A Carta Cidadã em seu art. 5º, inciso XLII versa sobre a prática do racismo como “crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”. Em seu art. 3º, defende uma sociedade sem preconceito de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como um dos objetivos fundamentais da República.
Presenciamos cotidianamente nas ruas, nas escolas, no trabalho e nas redes sociais manifestações de cunho racista ou de injúria racial. Existe diferença entre racismo e a injúria racial que é crime de ação penal.
INJÚRIA RACIAL |
RACISMO |
Prescritível |
Imprescritível |
Afiançável |
Inafiançável |
Atinge determinada(s) pessoa(s) |
Atinge um nº indeterminado de pessoas |
Ação penal pública condicionada à representação |
Ação penal pública Incondicionada |
Penas mais brandas |
Penas superiores |
Lesão da honra subjetiva da vítima. |
Lesão do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana |
O Estado brasileiro comprometeu-se com os movimentos sociais em sua Constituição e a adotar, oficialmente, as proposições das Conferências da Organização das Nações Unidas (ONU), como a Declaração de Durban, que pretende eliminar o racismo, preconceito e discriminação de qualquer ordem e Conferências sobre a Mulher.
O combate é responsabilidade primordial do Estado por meio de políticas de ação afirmativa para grupos vulneráveis e punições para os preconceituosos e também de todo cidadão. Medidas que se encontram diretamente vinculadas à luta pela prevalência do princípio da não discriminação.
Com base nos avanços históricos dos movimentos sociais e do Estado Brasileiro, expressos na Constituição de 1988, necessitamos problematizar os retrocessos em que o país está vivendo. Precisamos adensar as fileiras dos grupos-coletivos que lutam contra preconceito de raça/etnia, gênero, idade, deficiência física e mental entre outros. Não devemos aceitar alarmantes injúrias e preconceitos raciais praticados tanto nas redes sociais como em qualquer lugar. Vamos lutar todos os dias para eliminar essas práticas no Brasil. Vamos caminhar na direção de um país e mundo mais tolerante que respeite os Direitos Humanos.
*Rosana Schwartz é professora de sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutora em História, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2007). Mestre em Educação, Artes e História da Cultura, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM (2001). Bacharel em História, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP (1989). Graduação em Comunicação Social: habilitação em Jornalismo, Publicidade e Propaganda, História e Ciências Sociais.
Publicado no Portal EcoDebate, 08/07/2015
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Com o devido acatamento, NÂO concordo com a autora. Na minha forma de ver, não há preconceito racial no Brasil, mas preconceito social. O que temos visto, inclusive nas redes sociais, é fruto do “incentivo” velado que as forças de governo, notadamente do PT, bolivariano por excelência, que quer o poder ainda que resultante da separação entre uns e outros na sociedade brasileira. Por exemplo, o caso da Maria Júlia que, parece-me ser competente, mas pelo fato de ser negra está sendo (sub) utilizada para disseminar esse separatismo. Qualquer pessoa, por menos inteligente e perspicaz que seja, percebe que Maria Júlia significa a exigência governamental de “quota para afrodescendentes”, a ponto de o William Bonner (eu assisti a programação) se lançar como se promotor fosse da sua “estrela”. É lógico que a Globo ou qualquer outra empresa de radiocomunicão teria e terá que ceder, pena de não receber os milhões de reais que fatura pela prestação de serviços de publicidade governamental. E é assim que o governo se fortalece às custas do divisionismo que vem causando. Melhor teria sido se o valor pessoal e profissional de Maria Júlia fosse o mais decantado, tornando sua auto estima alta, da mesma forma que vemos tantas outras jornalistas, Glória Maria, Fátima Bernardes, Sandra Annemberg, e tantas outras, da Globo e de outros canais de televisão. NÃO HÁ RACISMO NO BRASIL!!!
Emengarda (desculpa dizer isso, mas que cara de nome de troll),
Dizer que não existe preconceito no Brasil é falso. É um ótimo slogan para se gritar, quando se está em uma classe que não sofre tantos preconceitos, mas rimar e soar bem não são fatores que atestem a veracidade de um argumento.
Sei que existe preconceito por experiência pessoal. Como mulher, eu já tive que trabalhar por anos fora da minha área pois os próprios colegas aos quais eu deveria ajudar não queriam que uma mulher atrapalhasse o seu clube do bolinha. Já sofri ameaças de estupro, inclusive duas vezes que terminaram mal para os sujeitos que tentaram me estuprar (uma graças a um cão que o sujeito não julgava ser feroz, a segunda graças ã minha capacidade de acertar cotoveladas no lugar certo). Conheço amigas que foram vítimas de estupro, e amigas que foram desligadas de programas de pós-graduação (na USP, ainda por cima) por não terem cedido ao assédio sexual do orientador. O sexismo brasileiro não é imobilizador como o de um Paquistão da vida, mas existe.
Sei que existe preconceito contra ateus. Já fui perguntada sobre religião em uma entrevista de emprego (verdade que nessa ocasião a pessoa que me perguntou disse que ateísmo tudo bem, ela só se recusava a contratar católicos). Já cortaram os quatro pneus do meu carro pois eu cometi o “crime” de sugerir por telefone à secretária do padre que a imagem de santa que passeava por casas diferentes deveria ser entregue na casa seguinte da lista, pois minha mãe, que se importa com essas coisas, estava viajando, e já fui ameaçada de ser espancada pela mesma pessoa que rasgou os pneus do meu carro (quando ela soltou o cão para cima de mim e em três segundos o cachorro estava no chão ganindo de dor e eu o joguei de volta no quintal dela, a mulher rapidamente se arrependeu, percebendo que não tinha a capacidade para cumprir a ameaça, mesmo que estivesse com dois cães de guarda do seu lado). Para ser sincera, o preconceito contra ateísmo me incomoda mais do que o machismo, pois o encontro com mais frequência, e enquanto o machismo é socialmente reprovável, as pessoas parecem se orgulhar de terem preconceito contra quem tem religiões diferentes ou não tem religião.
Eu não posso dizer nada sobre o preconceito racial, pelo simples fato de que minha aparência é da raça socialmente mais desejada. Tenho 1/8 de sangue indígena tupi-guarani, mas os outros 7/8 são brancos, incluindo mais 1/8 de bisavó inglesa loirinha de olhos azuis (não herdei os olhos azuis, mas metade dos meus sobrinhos herdou). Somando a isso o meu bronzeado de paulistana de escritório, ninguém tem dúvidas quando olha para mim da minha branquitude. Tenho ainda pouquíssimos amigos negros, para ouvir as histórias deles. Não que eu tenha alguma coisa contra negros (índios então, confesso que sou meio que fan-girl, adoro tentar pensar em contatar um pouco mais a cultura da minha bisavó), mas simplesmente praticamente não há negros nos círculos que frequento. O que quer dizer muito, só por isso.
Eu francamente também sou contra cotas (com a exceção de cotas para deficientes físicos, em empregos que *não* exijam excelência física. Ou se, ao menos, quando o emprego exija testes físicos, que o deficiente também tenha que cumprir os mesmos testes que os outros). Acho que deveria ser buscada a excelência da escola pública primária, e que quaisquer cotas para além disso deveriam ser consideradas band-aids com tempo marcado para terminar, de preferência baseadas em critérios sócioeconômicos e não raciais.
Afinal, cotas são simplesmente uma forma de institucionalizar o racismo, mesmo que seja um “racismo invertido”. E eu acho muito mais perigoso um Estado que diferencia entre as pessoas por questões raciais ou de gênero ou de religião ou de orientação sexual, etc. do que um Estado laico que trate as pessoas igualmente. Provas de vestibular ou concurso não incluem fotografias do candidato (ou não deveriam incluir). O ideal seria que currículos também não incluíssem.
Essa cota eu apoiaria: que fosse proibido a inclusão de fotografias e questões sobre a raça do candidato em currículos. Infelizmente, o governo caminha na direção contrária, querendo obrigar as pessoas a se definirem em uma raça. Espero que nunca cheguemos em um abismo como a Namíbia. Como Perita da PF, eu examinava passaportes, e um passaporte da Namíbia foi colocado entre os que eu precisava examinar, porém não tínhamos, na época, padrões de passaportes desse país. Aproveitei uma viagem que iria fazer para Brasília, e fui à embaixada da Namíbia, para pedir padrões, mostrando o passaporte que julgávamos falsificados. Ao ver o documento, no mesmo instante o Embaixador da Namíbia me informou que o passaporte era falso como eu julgava. Como ele sabia? A ETNIA DO DONO DO PASSAPORTE ERA INFORMADA NO MESMO, em 12 categorias. A etnia informada no passaporte era da vertente tribal (não lembro o nome), a superior na Namíbia, e a fotografia era de um homem da etnia (não lembro o nome 2 a missão), uma etnia “inferior”.
Não somos uma Namíbia, mas que há preconceito racial no Brasil? Acho muito mais lógico que haja do que que não, mas só pode dizer com certeza quem sofre disso todos os dias.
Mas uma coisa que é necessária dizer também: embora preconceitos tornem a vida de uma pessoa difícil, pertencer à categoria social dominante (homem branco heterossexual, olhos claros, alto, esportivo, rico, cristão etc.) não é um passaporte certo para o sucesso como muitos julgam. Muitas pessoas têm uma vida de m&#d@ mesmo estando em todas essas categorias.
Além disso, os preconceitos mais vilificados não são obrigatoriamente os piores. Em termos de salários menores para a mesma função, é pior ser baixo e introvertido que ser mulher e negra, por ex. Mas ninguém advoga cotas para baixos introvertidos.
Para qualquer um que esteja nos degraus iniciais do autismo (e que, portanto, tem uma chance maior de ser branco e homem), o baixo EQ (mesmo que compensado por alto IQ) destrói as chances de sucesso social. Também não existem cotas para autistas.
E não deveriam haver. A sociedade SEMPRE vai falhar em conseguir que todos iniciem na vida de forma ABSOLUTAMENTE igual. A menos que todos fôssemos clones e a diversidade não existisse, isso é impossível (e francamente, acho que essa seria uma distopia, e não utopia). O que a sociedade precisa garantir não é a absoluta e fictícia igualdade, mas que todos tenham um mínimo de oportunidade para que a chance de serem bem sucedidos exista.
Ou seja, que o negro, a mulher, o baixo, o introvertido, o deficiente, etc. possam ter uma educação de qualidade. Que seja proibido diferenciar por essas características as pessoas e impedi-las de fazer algo (como trabalhar em um determinado lugar, frequentar determinado restaurante, etc, por sinal, o crime de racismo). Que a sociedade seja capaz de admitir em voz alta que preconceitos existem, e quais eles são, pois admitir é o primeiro passo para corrigir. Preconceito existe no Brasil, INCLUSIVE O RACISMO.
Mas cotas para quaisquer uma dessas categorias só tornam o preconceito institucional. Eu francamente não vejo discrepância de lógica em admitir que o preconceito existe E ser contra as cotas. O que me faz discordar tanto da autora do artigo (se me lembro bem dos seus textos anteriores) quanto do primeiro comentarista.